Gazeta da Torre
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A atuante advogada Daniela Teixeira |
Elas compõem mais da metade da Ordem dos Advogados do
Brasil, a OAB nacional; investem em suas formações profissionais e assumem
cargos de alta responsabilidade em instituições públicas e privadas do país.
Porém, ainda precisam existir Comissões da Mulher dentro da Ordem e de suas
representações estaduais, mostrando que a causa da mulher ainda dá muito
trabalho aos defensores do Direito no âmbito do seu exercício, refletindo o que
acontece na nossa sociedade.
Na prática, as mulheres advogadas ainda têm muitas
dificuldades nos seus ambientes de trabalho, escritórios e fóruns, e só
recentemente conquistaram direitos em relação às prerrogativas profissionais na
advocacia, com a Lei 13.363/2016, de 25 de novembro de 2016. A chamada Lei
Júlia Matos deve seu nome à menina que foi vítima da falta de sensibilidade na
interpretação da lei no sentido humano, antes de nascer. Júlia Matos é a filha
da advogada Daniela Teixeira, uma ativista dos direitos da mulher, atuante na
OAB do Distrito Federal que, grávida de oito meses, pediu prioridade na
sustentação oral que faria em defesa do seu cliente no Superior Tribunal de
Justiça (STJ). O então presidente do STJ, ministro Joaquim Barbosa, negou a prioridade,
afirmando que não havia previsão legal para deferir o pedido. A advogada ficou
o dia inteiro à disposição do ministro, sem horário previsto para fazer a
sustentação oral, porque não poderia abandonar o cliente. Teve que esperar sem
sequer fazer uma refeição completa ou ir ao toalete. Saiu do CNJ direto para o
hospital e deu à luz, num parto prematuro. A criança ficou dois meses na
Unidade de Terapia Intensiva com graves complicações.
A história, contada pela presidente da Comissão da Mulher
da OAB-PE, a advogada Ana Luiza Mousinho, felizmente resultou numa importante
mudança. Daniela Teixeira reuniu várias colegas e, juntas, mobilizaram a OAB
Nacional num movimento de conscientização por uma lei que garantisse as
prerrogativas da mulher advogada. “Elas precisam ir além das prerrogativas dos
homens porque a mulher é lactante, fica grávida, tem uma constituição física
diferente. E a Lei Júlia Matos trouxe esse reconhecimento. As mulheres conquistaram
uma série de direitos que não tinham antes da lei, como a prioridade quando
estão grávidas ou são lactantes e o adiamento de audiências em razão do parto”,
explica a presidente.
Em Pernambuco, as mulheres respondem por 46% do quadro de
integrantes da seccional da OAB e, segundo Ana Luiza, contam com amplo apoio do
presidente Ronnie Duarte, e dos presidentes da Escola Superior de Advocacia
(ESA), Carlos Neves, e da Caixa de Assistência dos Advogados (Caape), Bruno
Batista, no movimento de valorização da mulher advogada em todas as atividades.
“Ronnie Duarte tem um olhar de gênero e, junto com Carlos Neves e Bruno
Batista, é um grande incentivador da Comissão da Mulher, sempre procurando
colocar mulheres nas mesas e painéis de discussões importantes para a
categoria”, afirma a advogada.
Testemunha do descrédito nas instituições públicas vivido
pela sociedade que procura o suporte da OAB na defesa da cidadania e do Estado
Democrático de Direito – uma das suas
atribuições –, ela diz que a atuação da Comissão ultrapassa as causas da
advocacia e abraça a causa da mulher como um todo. Um exemplo é a atuação em
casos de feminicídio de mulheres não advogadas, atendendo a familiares que
pedem ajuda na punição ao assassino, aos opressores. “Em muitos casos, a OAB-PE
é oficiada pedindo suporte. Como temos uma atribuição social, acompanhamos
alguns, por amostragem, para ver como está a atuação do poder público nos
processos de feminicídio”, revela Ana Luiza Mousinho, lembrando que estas ações
fazem parte de um movimento nacional da Ordem.
Feminismo, o retorno
As ações nacionais mostram que os problemas vividos em
Pernambuco pelas mulheres são recorrentes em todo o Brasil. De acordo com a presidente da Comissão da
Mulher da OAB-PE, as taxas de feminicídio aumentaram muito, seguidas de uma
institucionalização da violência contra a mulher, não só física, mas também
verbal. Um exemplo é o caso do advogado pernambucano Diego Jatobá que, na Copa
do Mundo na Rússia, em junho passado, envolveu-se num caso explícito, exposto
em todo o mundo, de assédio contra uma mulher estrangeira.
A Comissão da Mulher deu entrada numa representação
contra ele, embora não possa dar detalhes, por se tratar de um processo
sigiloso. “Diego Jatobá tentou passar a ideia de supostas piadas de mau gosto,
mas o que aconteceu foi um assédio, uma violência verbal”, afirma Ana Luiza
Mousinho, acrescentando que hoje existe um movimento de pouca tolerância contra
atitudes como essas, que eram tidas como brincadeiras de mau gosto mas que, na
verdade, por lei, são atos de violência contra a mulher. “Talvez o movimento
feminista esteja sendo reacendido porque as mulheres começaram a perceber que
vinha se institucionalizando uma violência, principalmente em redes sociais, o
que amplia o dano. As redes sociais têm um papel muito positivo, que é a
reorganização do movimento feminista, que conecta pessoas no mundo todo, em
tempo real”, completa.
Este tipo de comportamento, persistente em nossa
sociedade, vem acompanhado da diminuição da participação da mulher na política,
decorrente de um período pós-feminismo, onde muitas barreiras e preconceitos
foram superados. “No momento em que houve um esquecimento da luta que travamos
por décadas, baixamos a guarda e houve um retrocesso muito grande”, analisa a
presidente da Comissão da Mulher da OAB-PE.
Ela lembra que na política já existia uma cota garantida
às mulheres, mas os partidos fingiam que cumpriam com candidatas laranjas –
algumas sequer sabiam que eram candidatas, embora o nome delas estivesse nas
chapas. Foi preciso levantar a guarda outra vez. “Acredito que começamos a perceber que mais mulheres estavam morrendo
pela violência doméstica, mais mulheres estavam querendo entrar na política e
encontrando dificuldades e entendemos que todos os ganhos, como o voto da
mulher, a participação em cargos diretivos das empresas, todas aquelas
conquistas começaram a retroceder frente às dificuldades que a mulher voltou a
enfrentar”, reforça.
Mas as reações vêm surtindo efeitos legais. Uma alteração
legislativa na Lei Maria da Penha, que vem sendo a principal defesa da
violência contra as mulheres, fez constar como crime o descumprimento das
medidas protetivas. “Hoje, o homem que está sendo processado com base na Lei Maria
da Penha pode responder por crime, em um outro processo, e ser preso se
descumprir a determinação da Justiça”, explica a advogada, esclarecendo que
esta é uma lei interdisciplinar porque envolve Direito Civil e Penal e, no seu
Artigo 2º, consolida a ilegalidade de qualquer discriminação ou violência:
“Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual,
renda, cultura, nível educacional, idade e religião goza dos direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades
e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e
seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social”.
Fonte:Negócios PE
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