A pandemia provocou um embate entre aqueles que defendiam
uma quarentena rígida para conter o avanço do vírus e aqueles que advogavam medidas
mais flexíveis para limitar o impacto econômico da crise.
A reabertura do comércio mostrou que, independentemente
das medidas restritivas, o impacto econômico já está dado: mesmo com as lojas
abertas, o consumidor está relutante em sair de casa.
A frustração com o movimento observado em lojas, bares e
restaurantes levou a uma revisão das expectativas. Na avaliação de associações
de empresas, existe, sim, um temor do vírus entre a clientela, mas que o que
está pesando para o consumidor é principalmente a falta de dinheiro e a insegurança
com sua renda no futuro.
Dados do IBGE divulgados na quinzena de julho mostram que
a taxa de desemprego acelerou no fim de junho, com o fechamento de mais 1,5
milhão de vagas de trabalho no fim do mês. Entre as empresas, 522 mil
suspenderam suas atividades ou fecharam.
Cenário semelhante é retratado em pesquisa encomendada
pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), segundo a qual 52% dos
brasileiros empregados (com ou sem carteira) tiveram perda total ou parcial de
renda ou salário durante a pandemia.
"O consumidor está fragilizado economicamente e
temeroso do risco de contaminação. O clima nos restaurantes hoje não é
convidativo, ainda está parecendo mais um hospital. Enquanto perdurar essa
situação, teremos dificul- dade de atrair o público", diz.
Esse cenário tem se repetido inclusive em países que
adotaram quarentenas muito mais frouxas. "A Suécia não impôs nenhum tipo
de limitação e mesmo assim teve 30% de redução de consumo durante os períodos
mais intensos da pandemia. Isso ocorre porque as pessoas se sentiram
desestimuladas a ir às compras por uma questão de proteção individual",
afirma Luciana Batista, sócia da consultoria Bain & Company no Brasil.
Por essa razão a vacina contra a Covid-19 é tida por
empresários e especialistas como o divisor de águas para uma recuperação do
movimento, o que, estimam, deve acontecer somente no ano que vem. Enquanto
isso, a crise econômica vai continuar agravando a situação de empresas e
famílias, deteriorando tanto oferta quanto demanda.
Estudo da Bain & Company de 9 de julho aponta que 66%
dos entrevistados no Brasil perderam renda durante a pandemia, sendo que 32%
reportam um encolhimento significativo do orçamento.
As expectativas de perda de renda são maiores entre os
mais pobres (renda familiar mensal de até R$ 2.078). Entre esses, 35% esperam
uma redução expressiva, percentual que cai para 22% entre as famílias de renda
média (de R$ 2.079 a R$ 10.390) e 9% para as de renda elevada (acima de R$
10.391).
Cenário semelhante é retratado em pesquisa encomendada
pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), segundo a qual 52% dos
brasileiros empregados (com ou sem carteira) tiveram perda total ou parcial de
renda ou salário durante a pandemia.
A situação levou a um freio nas despesas: 7 em cada 10
brasileiros dizem ter cortado gastos durante a quarentena, sendo que 36%
afirmam que essa redução será permanente. O resultado mostra um aumento de sete
pontos percentuais em dois meses –em maio, 29% diziam que o corte seria
permanente.
A insegurança quanto ao fluxo de renda no futuro pesa
mais na decisão de corte de gastos do que a perda efetiva de recursos (41% ante
29%, respectivamente), segundo a pesquisa. As portas fechadas do comércio ficam
em terceiro lugar na lista de motivos para não gastar.
"A gente sabia que o consumidor estaria receoso por
uma questão sanitária evidente, e também por uma de confiança, porque há uma
crise econômica em curso", diz Fabio Pina, assessor econômico da
FecomercioSP. A entidade estima uma perda de R$ 53,7 bilhões neste ano.
O índice de confiança do consumidor, calculado pela FGV,
atingiu em abril 58,2 pontos, o nível mais baixo em quase 15 anos –todo o
período coberto pela série histórica do indicador. Desde então, o índice se
recuperou para a casa dos 70 pontos, mesmo patamar observado quando o Brasil
vivia a crise do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.
Na visão do economista do Ibre (FGV) Rodolpho Tobler, há
incerteza, por um lado, quanto à possibilidade de uma segunda onda do vírus, e,
por outro, quanto ao ritmo de recuperação da economia, sendo que os dois
fatores se cruzam. "Estudos indicam que a recuperação nos lugares onde
houve mais mortes têm ficado abaixo do que em lugares onde houve menos",
diz.
Os dados disponíveis até agora apontam que o consumo na
Alemanha e na França já se recuperou para níveis próximos do patamar
pré-quarentena. Os dois países registraram até o momento cerca de 9.000 e 30
mil mortes, respectivamente. O Brasil já soma quase o dobro das mortes
observadas nos dois países (76.822 até a sexta, mostra consórcio de imprensa).
Dada a preocupação com a saúde e a perda de renda,
Batista classifica o período atual como o da "grande relutância" do
consumidor. Esse cenário, no entanto, tem efeitos econômicos heterogêneos.
Quem deve sofrer mais são as atividades que envolvem
produtos e serviços não essenciais, como vestuário e entretenimento. Segundo a
pesquisa da CNI, mais de 60% dos brasileiros pretende reduzir a frequência das
idas a bares, restaurantes, shoppings e lojas de rua após o fim da quarentena
em relação à época pré-pandemia.
"Logo na reabertura do comércio teve um boom, mas
depois as vendas foram pífias. Oitenta por cento dos nossos lojistas são de
vestuário, e o faturamento caiu mais de 60% em comparação com o ano
passado", afirma Aldo Macri, diretor do sindicato de lojistas de São
Paulo.
Esses produtos sofrem não só por sua característica
supérflua, mas também porque estão associados a atividades de socialização, diz
Batista. "Vestuário para trabalhar e ir a festas, assim como cosméticos,
também são impactados porque as ocasiões de uso foram reduzidas."
Os empresários incluem ainda as restrições para o
funcionamento, como limitação de horário e proibição do uso de provadores, como
fatores que desestimulam o consumidor.
Mesmo considerando apenas os produtos essenciais, como
alimentos, houve uma mudança no mix de compras do consumidor. "Nos
supermercados, aumentou muito a venda de produtos básicos, mas caiu a de
cosméticos, por exemplo. Então você tem um aumento do faturamento, mas com uma
margem menor", afirma Pina.
Além das diferenças por ramo, o impacto também varia
segundo o perfil do negócio. O comércio popular tende a sofrer menos do que os
voltados para média e alta renda.
Isso acontece porque, em períodos de crise econômica, o
consumidor toma suas decisões de compra por um critério de preço. Com menos
renda disponível, tanto os mais pobres quanto a classe média aumentam a fatia
de produtos mais baratos, o que coloca um ônus maior nos negócios de perfil
intermediário.
Indiretamente, a própria pandemia impulsiona o comércio
popular –especialmente o de bairro– porque o consumidor evita grandes
deslocamentos, preferindo ficar próximo de casa, diz Pina.
Maricato, da Abrasel, observa efeito semelhante entre
bares e restaurantes: os localizados em regiões mais centrais, dependentes do
fluxo de trabalhadores de escritório, estão sofrendo mais do que os da
periferia.
Enquanto não houver vacina, atravessar a crise vai
depender de ações de apoio direto a consumidores e empresas, diz Tobler, da
FGV. Medidas como o auxílio emergencial ajudaram a amenizar o impacto da crise
sobre o consumo, e um debate quanto à manutenção da política e as formas de
encerrá-la deve ser feito, diz o economista.
Do lado das empresas, é necessário fazer o crédito chegar
aos pequenos negócios. Macri, do Sindilojas, e Maricato, da Abrasel, também
afirmam que, na conjuntura atual, a sobrevivência dos seus setores depende mais
de uma ajuda direta às empresas do que estímulos à demanda.
Por Folhapress
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