sábado, 1 de agosto de 2020

Mais que coronavírus, falta de dinheiro segura brasileiro em casa

Gazeta da Torre

A pandemia provocou um embate entre aqueles que defendiam uma quarentena rígida para conter o avanço do vírus e aqueles que advogavam medidas mais flexíveis para limitar o impacto econômico da crise.

A reabertura do comércio mostrou que, independentemente das medidas restritivas, o impacto econômico já está dado: mesmo com as lojas abertas, o consumidor está relutante em sair de casa.

A frustração com o movimento observado em lojas, bares e restaurantes levou a uma revisão das expectativas. Na avaliação de associações de empresas, existe, sim, um temor do vírus entre a clientela, mas que o que está pesando para o consumidor é principalmente a falta de dinheiro e a insegurança com sua renda no futuro.

Dados do IBGE divulgados na quinzena de julho mostram que a taxa de desemprego acelerou no fim de junho, com o fechamento de mais 1,5 milhão de vagas de trabalho no fim do mês. Entre as empresas, 522 mil suspenderam suas atividades ou fecharam.

Cenário semelhante é retratado em pesquisa encomendada pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), segundo a qual 52% dos brasileiros empregados (com ou sem carteira) tiveram perda total ou parcial de renda ou salário durante a pandemia.

"O consumidor está fragilizado economicamente e temeroso do risco de contaminação. O clima nos restaurantes hoje não é convidativo, ainda está parecendo mais um hospital. Enquanto perdurar essa situação, teremos dificul- dade de atrair o público", diz.

Esse cenário tem se repetido inclusive em países que adotaram quarentenas muito mais frouxas. "A Suécia não impôs nenhum tipo de limitação e mesmo assim teve 30% de redução de consumo durante os períodos mais intensos da pandemia. Isso ocorre porque as pessoas se sentiram desestimuladas a ir às compras por uma questão de proteção individual", afirma Luciana Batista, sócia da consultoria Bain & Company no Brasil.

Por essa razão a vacina contra a Covid-19 é tida por empresários e especialistas como o divisor de águas para uma recuperação do movimento, o que, estimam, deve acontecer somente no ano que vem. Enquanto isso, a crise econômica vai continuar agravando a situação de empresas e famílias, deteriorando tanto oferta quanto demanda.

Estudo da Bain & Company de 9 de julho aponta que 66% dos entrevistados no Brasil perderam renda durante a pandemia, sendo que 32% reportam um encolhimento significativo do orçamento.

As expectativas de perda de renda são maiores entre os mais pobres (renda familiar mensal de até R$ 2.078). Entre esses, 35% esperam uma redução expressiva, percentual que cai para 22% entre as famílias de renda média (de R$ 2.079 a R$ 10.390) e 9% para as de renda elevada (acima de R$ 10.391).

Cenário semelhante é retratado em pesquisa encomendada pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), segundo a qual 52% dos brasileiros empregados (com ou sem carteira) tiveram perda total ou parcial de renda ou salário durante a pandemia.

A situação levou a um freio nas despesas: 7 em cada 10 brasileiros dizem ter cortado gastos durante a quarentena, sendo que 36% afirmam que essa redução será permanente. O resultado mostra um aumento de sete pontos percentuais em dois meses –em maio, 29% diziam que o corte seria permanente.

A insegurança quanto ao fluxo de renda no futuro pesa mais na decisão de corte de gastos do que a perda efetiva de recursos (41% ante 29%, respectivamente), segundo a pesquisa. As portas fechadas do comércio ficam em terceiro lugar na lista de motivos para não gastar.

"A gente sabia que o consumidor estaria receoso por uma questão sanitária evidente, e também por uma de confiança, porque há uma crise econômica em curso", diz Fabio Pina, assessor econômico da FecomercioSP. A entidade estima uma perda de R$ 53,7 bilhões neste ano.

O índice de confiança do consumidor, calculado pela FGV, atingiu em abril 58,2 pontos, o nível mais baixo em quase 15 anos –todo o período coberto pela série histórica do indicador. Desde então, o índice se recuperou para a casa dos 70 pontos, mesmo patamar observado quando o Brasil vivia a crise do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.

Na visão do economista do Ibre (FGV) Rodolpho Tobler, há incerteza, por um lado, quanto à possibilidade de uma segunda onda do vírus, e, por outro, quanto ao ritmo de recuperação da economia, sendo que os dois fatores se cruzam. "Estudos indicam que a recuperação nos lugares onde houve mais mortes têm ficado abaixo do que em lugares onde houve menos", diz.

Os dados disponíveis até agora apontam que o consumo na Alemanha e na França já se recuperou para níveis próximos do patamar pré-quarentena. Os dois países registraram até o momento cerca de 9.000 e 30 mil mortes, respectivamente. O Brasil já soma quase o dobro das mortes observadas nos dois países (76.822 até a sexta, mostra consórcio de imprensa).

Dada a preocupação com a saúde e a perda de renda, Batista classifica o período atual como o da "grande relutância" do consumidor. Esse cenário, no entanto, tem efeitos econômicos heterogêneos.

Quem deve sofrer mais são as atividades que envolvem produtos e serviços não essenciais, como vestuário e entretenimento. Segundo a pesquisa da CNI, mais de 60% dos brasileiros pretende reduzir a frequência das idas a bares, restaurantes, shoppings e lojas de rua após o fim da quarentena em relação à época pré-pandemia.

"Logo na reabertura do comércio teve um boom, mas depois as vendas foram pífias. Oitenta por cento dos nossos lojistas são de vestuário, e o faturamento caiu mais de 60% em comparação com o ano passado", afirma Aldo Macri, diretor do sindicato de lojistas de São Paulo.

Esses produtos sofrem não só por sua característica supérflua, mas também porque estão associados a atividades de socialização, diz Batista. "Vestuário para trabalhar e ir a festas, assim como cosméticos, também são impactados porque as ocasiões de uso foram reduzidas."

Os empresários incluem ainda as restrições para o funcionamento, como limitação de horário e proibição do uso de provadores, como fatores que desestimulam o consumidor.

Mesmo considerando apenas os produtos essenciais, como alimentos, houve uma mudança no mix de compras do consumidor. "Nos supermercados, aumentou muito a venda de produtos básicos, mas caiu a de cosméticos, por exemplo. Então você tem um aumento do faturamento, mas com uma margem menor", afirma Pina.

Além das diferenças por ramo, o impacto também varia segundo o perfil do negócio. O comércio popular tende a sofrer menos do que os voltados para média e alta renda.

Isso acontece porque, em períodos de crise econômica, o consumidor toma suas decisões de compra por um critério de preço. Com menos renda disponível, tanto os mais pobres quanto a classe média aumentam a fatia de produtos mais baratos, o que coloca um ônus maior nos negócios de perfil intermediário.

Indiretamente, a própria pandemia impulsiona o comércio popular –especialmente o de bairro– porque o consumidor evita grandes deslocamentos, preferindo ficar próximo de casa, diz Pina.

Maricato, da Abrasel, observa efeito semelhante entre bares e restaurantes: os localizados em regiões mais centrais, dependentes do fluxo de trabalhadores de escritório, estão sofrendo mais do que os da periferia.

Enquanto não houver vacina, atravessar a crise vai depender de ações de apoio direto a consumidores e empresas, diz Tobler, da FGV. Medidas como o auxílio emergencial ajudaram a amenizar o impacto da crise sobre o consumo, e um debate quanto à manutenção da política e as formas de encerrá-la deve ser feito, diz o economista.

Do lado das empresas, é necessário fazer o crédito chegar aos pequenos negócios. Macri, do Sindilojas, e Maricato, da Abrasel, também afirmam que, na conjuntura atual, a sobrevivência dos seus setores depende mais de uma ajuda direta às empresas do que estímulos à demanda.

Por Folhapress

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