Gazeta da Torre
No mundo digital, a mente humana é movida por algoritmos,
reduzindo realidade e processos humanos para que caibam nas possibilidades da
tecnologia
Alguma vez já sentiu que longe das redes sociais estaria
desinformado? Passou pela necessidade de acompanhar constantemente seu feed de
notícias? Teve ansiedade por não saber o que estava acontecendo no mundo
virtual? Essa sensação é comum hoje em dia e foi analisada nos anos 2000 pelo
estrategista de marketing norte-americano, Dan Herman, e ganhou o nome de Fear
of Missing Out (FoMo) ou “medo de estar perdendo algo”. Segundo Herman, diante
de várias opções, as pessoas desenvolvem medo de escolher e perder outras
tantas possibilidade, medo que foi intensificado pela internet.
Para o professor e pesquisador da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, João Flávio de Almeida, o
FoMo é um sintoma do novo modelo de consciência instaurado na sociedade. A
consciência humana, argumenta Almeida, é constituída pela linguagem e moldada
pela comunicação. Assim, o professor diz que, com as invenções tecnológicas e o
mundo digital, a mente humana deixou de ser dona de seu próprio modo de agir e
virou uma espécie de “funcionária de sua própria invenção”.
Almeida vê uma inversão de valores. As tecnologias
deveriam solucionar os problemas humanos, mas “nós estamos lenta e gradualmente
terceirizando o nosso cognitivo, adequando e reduzindo todo tipo de realidade e
de processos humanos para que caibam nas possibilidades das tecnologias”,
afirma.
A ideia de que a comunicação forja a consciência humana
foi estudada pelo filósofo tcheco-brasileiro Vilém Flusser, no século 19. O
filósofo mostra que a linguagem é capaz de levar ao futuro, mas alerta para os
efeitos dessa relação com a tecnologia.
A sensação de estar perdendo algo quando estamos longe
das redes sociais, segundo Almeida, se enquadra no novo tipo de consciência
humana que é movida por algoritmos, como de uma rede social, acreditando ser
premiada a cada nova publicação. “Se, no passado, o direito a privacidade era
algo que a gente lutava para ter, hoje não. Hoje a punição é o anonimato”,
afirma.
Além do FoMo, Almeida acredita que o efeito da
simplificação da consciência, no mundo digital, é responsável por uma geração
“anti-intelectual” e pouco preocupada com as consequências desse tipo de
relação com a tecnologia. Nesse ponto, o professor aponta ainda a
irresponsabilidade das corporações tecnológicas que não pensam suas decisões.
“Qual é a ética do mercado? Ver quem é que vai chegar primeiro?”, pergunta.
A solução para quebrar esse ciclo, acredita o professor,
é desligar o celular. “A atitude mais inteligente agora é frear esse discurso
do progresso irrefletido, pelo menos para sabermos para que lado estamos indo.
Depois que nós soubermos os efeitos, a gente permite caminhar. Então, eu sou da
opinião que a solução é bem simples, ao mesmo tempo que ela é a mais difícil de
todas”, finaliza.
Fonte: Jornal da USP
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