Gazeta da Torre
Por Maria Helena da Nóbrega, professora da FFLCH/ USP, e
Adriana Maria Procópio de Araujo, professora da Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto
A pandemia da covid-19 trouxe mudanças para atividades
corriqueiras. Sair de casa passou a requerer extensa concentração antes,
durante e depois. Máscara, higiene e limpeza viraram obsessão.
Intensificaram-se os serviços realizados sob mediação tecnológica, e o comércio
digital ampliou as vendas enormemente. As atividades de lazer também migraram
para lives. A saúde passou a ocupar o centro das atenções, incluindo o
equilíbrio mental, imprescindível sobretudo na situação de isolamento social.
Em suma, a curva ascendente da infecção impôs rápidas alterações sociais,
econômicas, políticas e culturais.
As escolas naturalmente não puderam manter-se incólumes a
esses impactos. Para a proteção individual e coletiva, os encontros presenciais
foram interrompidos e as atividades passaram a ser oferecidas de forma remota.
As práticas laborais dos professores foram afetadas irreversivelmente pela
pandemia, e eles tiveram que adaptar o planejamento pedagógico para um contexto
pouco familiar ou quase impraticável pela maioria: o ambiente digital. Essa
dificuldade fez surgirem grupos para facilitar a troca entre os mais
experientes e os novatos em tecnologia. O trabalho intenso adentrou as férias e
ainda se mantém.
Passadas as dificuldades iniciais, previsíveis em
qualquer novo aprendizado, muitos professores deram-se conta de que a tal
tecnologia digital não mete medo. Os programas, os recursos digitais, os
aplicativos, as extensões, as preferências, os navegadores da internet são
desenhados de forma que o usuário se familiarize com eles conforme os utiliza,
ou seja: os iniciantes vivenciaram a interface intuitiva dos sistemas digitais.
Como disse um colega: “Agora eu sei que onde tem pontinhos juntos, eu clico e
aparecem várias opções”. Bingo!!!
Com os cliques e a constatação de que, se bem utilizada,
a tecnologia pode ajudar, a questão que se impõe é de ordem estrutural, mais
substancial e consoante a vida contemporânea. Trata-se de o ensino formal
sintonizar com as transformações do século XXI. Afinal, a maneira como a escola
vai incorporar as novas formas de pensar e viver será decisiva para a própria
sobrevivência da instituição, pois os conteúdos não estão mais restritos aos
muros dos estabelecimentos oficiais.
Acertar o passo com as alterações atuais implica combater
a dissociação das disciplinas, que pouco dialogam entre si. O enfoque
interdisciplinar ainda não se concretiza na maioria dos cursos. A adoção de um
modelo interdisciplinar ou transdisciplinar, buscada desde final do século XIX,
ainda perde para a fragmentação do saber.
Na urgência da sala de aula, ainda impera a hegemonia das
aulas expositivas. Esse modelo, se transplantado para aulas on-line síncronas
ou assíncronas, resulta em uso restrito da tecnologia, que oferece recursos de
interação para a participação efetiva do aluno.
Nós, professores, podemos mudar essa realidade. O aluno precisa
figurar no centro do processo, para que o cerne seja a aprendizagem. O
protagonista deve ser o aluno. Uma maneira de favorecer esse protagonismo é
criar atividades de pesquisa, estimulando também a autonomia. Atividades
relacionadas à comunidade permitem a participação ativa em situações reais
conectadas aos interesses do aprendiz. Essas práticas desenvolvem competências
por meio de interação e aprendizagem significativa.
O papel do professor mudou e não foi somente por conta da
pandemia. Essa mudança intensificou-se com o acesso livre e irrestrito à
informação. Então, o que é ser professor hoje? Ser professor é agir como
facilitador da aprendizagem, é assumir o papel de mentor, de orientador do
processo, e incentivar o aluno a desenvolver sua própria capacidade de
aprendizagem, de acordo com seus interesses e projetos pessoais.
No espectro do tradicionalismo, o critério de avaliação
caiu por terra. Como avaliar um aluno por meio de uma prova escrita neste
cenário digital? É possível sim, mas em muitos casos é impraticável. Uma
avaliação por projetos desenvolvidos, por exemplo, dá condições para o aluno se
expressar e demonstrar as competências e habilidades desenvolvidas, indo além
do conteúdo adquirido. O caminho é sem dúvida a diversidade no processo
avaliativo, e não mais a limitação da prova tradicional, que normalmente explora
a memorização de conceitos.
Até a duração dos encontros alunos-professor merece ser
repensada. Por que diferentes conteúdos têm o mesmo tempo de aula? A dinâmica
no mundo digital é diferente das atividades presenciais e isso impõe adequações
para o tópico ministrado, a forma e o tempo que a abordagem requer.
O desafio é educadores e gestores educacionais não
perderem a oportunidade de fazer mudanças significativas na educação, algumas
das quais deveriam ter sido feitas no século XX (ou até no XIX): interligar as
disciplinas entre si e conectá-las às mudanças permanentes do século XXI,
renovar os conteúdos, priorizar metodologias ativas, aperfeiçoar competências e
habilidades dos educandos.
A busca por novos conhecimentos, comprovada na demanda
crescente por cursos on-line, é extremamente favorável aos profissionais da
educação, mas é preciso reinventar e ter coragem de enfrentar as incertezas da
transformação abrupta da experiência humana. Mudar somente a forma, de
presencial para digital, é relativamente fácil. O que necessitamos é a mudança
de postura, de paradigma. Temos a oportunidade de avanços, de facilitar o
processo de ensino e aprendizagem e de evoluirmos. Que saibamos aproveitar essa
oportunidade!
*Jornal da USP
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