Gazeta da Torre
Além das mudanças de comportamento para se proteger
contra a covid-19, a população brasileira mudou hábitos alimentares durante a
pandemia. Estudo realizado com dez mil participantes da coorte NutriNet Brasil (criada
para estudar a relação entre alimentação e saúde nas várias regiões brasileiras)
identificou aumento do consumo de frutas, hortaliças e feijão entre a população
em geral. Mas houve aumento do consumo de ultraprocessados entre os menos
escolarizados no Brasil. Os
ultraprocessados estão relacionados ao desenvolvimento de doenças crônicas que
impactam na letalidade da covid-19, enquanto que os alimentos saudáveis
aumentam os mecanismos de defesa do organismo contra a doença.
Os dados sobre mudanças de hábitos na pandemia provêm do
estudo de coorte NutriNet Brasil, criado pelo Núcleo de Pesquisas
Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da USP. A proposta é investigar
prospectivamente a relação na população adulta entre os padrões de alimentação
praticados nas várias regiões brasileiras e a incidência de doenças crônicas,
responsáveis por mais de metade das mortes de brasileiros entre 30 e 69 anos de
idade, incluindo a diabete, as doenças cardiovasculares e o câncer.
Para identificar mudanças de hábitos alimentares na
pandemia, o estudo delimitou dois períodos de tempo, o primeiro entre 26 de
janeiro e 15 de fevereiro de 2020 e o segundo entre 10 e 19 de maio de 2020. Um
artigo sobre o tema, Mudanças na alimentação na coorte NutriNet Brasil na
vigência da covid-19, será publicado nesse mês na Revista de Saúde Pública.
Por meio da plataforma digital da pesquisa, os
participantes da coorte NutriNet Brasil responderam questionários sobre o
consumo no dia anterior de alimentos saudáveis (hortaliças, frutas e
leguminosas) e não saudáveis (ultraprocessados), antes e durante a pandemia.
Na categoria de alimentos saudáveis, foram incluídos 29
itens, sendo 18 tipos de hortaliças (alface, rúcula, couve, brócolis,
abobrinha, quiabo, berinjela, tomate, etc.), dez tipos de frutas (banana,
laranja, manga, abacaxi, uva, açaí, maçã, etc.), além de feijão e outras
leguminosas (lentilha e grão-de-bico). Na categoria de alimentos não saudáveis,
estavam os refrigerantes, sucos de caixinha, embutidos, pão de forma, macarrão
instantâneo, pizzas, hambúrguer, margarina, batata frita congelada, maioneses,
molhos prontos para saladas, salgadinhos de pacote, biscoitos doces, sorvete,
cereal matinal açucarado, entre outros.
Tabulados os dados da pesquisa, para os todos participantes do estudo, identificou-se aumento modesto, porém estatisticamente significante, no consumo dos marcadores de alimentação saudável e estabilidade no consumo dos marcadores de alimentação não saudável. Esse padrão favorável de mudanças na alimentação devido à pandemia se repetiu na maior parte dos estratos sociodemográficos, exceto nas macrorregiões Nordeste e Norte e entre pessoas com menor escolaridade, nas quais o aumento no consumo de frutas, hortaliças e leguminosas foi acompanhado de aumento no consumo de alimentos ultraprocessados, relata o estudo.
Por que se come mais ultraprocessados?
Segundo o professor Carlos Monteiro, do Departamento de
Nutrição da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP e coordenador da pesquisa
NutriNet Brasil, uma das explicações para a aparente desigualdade social
observada na resposta à pandemia poderia ser a maior vulnerabilidade das
pessoas mais pobres à publicidade de alimentos ultraprocessados, que foi
bastante intensificada durante a pandemia, incluindo doações para profissionais
de saúde.“Independentemente da razão da desigualdade, ela preocupa, pois são claras
as evidências de que o consumo de alimentos ultraprocessados aumenta
substancialmente o risco de doenças que tornam a covid-19 mais letal”, diz o
pesquisador ao Jornal da USP.
Embora tenha havido aumento no consumo de alimentos
ultraprocessados nas regiões economicamente menos desenvolvidas do País e entre
pessoas com menor escolaridade, Monteiro se anima com outra vertente do estudo,
que mostrou que, em todas as regiões e estratos de escolaridade, as pessoas
colocaram mais feijão, hortaliças e frutas em suas refeições diárias.
Mudanças nos indicadores de alimentação saudável
Para o conjunto dos participantes, os quatro indicadores
de alimentação saudável evoluíram favoravelmente. Aumentos estatisticamente
significantes, ainda que de pequena magnitude, ocorreram para a frequência de
consumo no dia anterior de hortaliças (de 87,3 para 89,1%), de frutas (de 78,3
para 81,8%), de feijão ou outras leguminosas (53,5 para 55,3%) e dos três itens
anteriores (de 40,2 para 44,6%).
Mudanças estatisticamente significantes em, pelo menos,
um indicador de alimentação saudável foram vistas entre homens e mulheres, em
adultos jovens (18-39 anos), de meia-idade (40-59 anos) e idosos (≥ 60 anos), nas
macrorregiões Sudeste e Nordeste e categorias de escolaridade intermediária (11
anos) e superior (≥12 anos).
Mudanças em indicadores de alimentação não saudável
Para o conjunto dos participantes, os indicadores de
alimentação não saudável praticamente não se modificaram com a pandemia. Assim,
a proporção de participantes que consumiram no dia anterior pelo menos um grupo
ou cinco ou mais grupos de alimentos ultraprocessados oscilou de 80,0% para
80,3% e de 11,0% para 10,4%, respectivamente, enquanto o número médio de grupos
consumidos (2,1) permaneceu inalterado.
O padrão de estabilidade nos indicadores de alimentação não saudável se repetiu entre homens e mulheres, em todas as faixas etárias, nas macrorregiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste e nas categorias intermediária e superior de escolaridade. Já entre os participantes da macrorregião Nordeste, observou-se aumento na frequência de consumo de, pelo menos, um grupo e de cinco ou mais grupos de alimentos ultraprocessados (de 77,9% para 79,6% e de 8,8% para 10,9%, respectivamente) e no número médio de grupos consumidos (de 2,0 para 2,2), sendo a variação neste último caso estatisticamente significante, mostra o estudo.
Ainda que sem alcançar significância estatística, a mesma
tendência de aumento no consumo de alimentos ultraprocessados foi vista na
macrorregião Norte e na categoria inferior de escolaridade, estratos nos quais,
por exemplo, o número médio de grupos de alimentos ultraprocessados consumidos
aumenta de 2,2 para 2,4 e de 2,5 para 2,7, respectivamente.
Segundo o professor Carlos Monteiro, a tendência de
aumento do consumo de alimentos ultraprocessados nesses estratos sociais é
preocupante, pois o consumo desses alimentos aumenta o risco de obesidade,
hipertensão e diabete, que são fatores que aumentam a gravidade e a letalidade
da covid-19.
Mais informações na plataforma da pesquisa: https://nutrinetbrasil.fsp.usp.br/
Fonte: ASBRAN – Associação Brasileira de Nutrição
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