Gazeta da Torre
‘Zoombombing’, invasão de eventos virtuais, se tornou
comum desde o início da pandemia de covid-19, com xingamentos e veiculação de
imagens pornográficas. Zoom e especialistas dizem que, apesar do aumento de
casos, plataforma é segura
Uma nova estratégia de silenciamento contra as mulheres
políticas e especialistas no tema se tornou recorrente desde o início da
pandemia do novo coronavírus, tanto no Brasil quanto em outros países do mundo.
Forçadas pelo isolamento social, as videoconferências se tornaram onipresentes
na vida de pesquisadoras que se dedicam a estudar e ensinar sobre política na
academia. Mas as invasões a esses eventos também se tornaram triviais,
atrapalhando falas, forçando o encerramento das reuniões, deixando as
participantes constrangidas com os xingamentos, sempre ligados às questões de
gênero.
O ataque cibernético na plataforma mais usada neste
período, o Zoom, se tornou tão comum que até o FBI, a polícia federal dos EUA,
alertou para os perigos do zoombombing: quando as reuniões on-line são
“sequestradas” por hackers, que veiculam imagens e vídeos pornográficos e
assumem o controle da tela.
“Acontece o tempo todo”, diz a professora da Universidade
Federal do Paraná (UFPR) Luciana Panke, autora de livros como Campanhas
eleitorais para mulheres e Lula: do sindicalismo à reeleição. Pós-doutora em Comunicação
Política pela Universidad Autónoma Metropolitana, a pesquisadora é referência
na América Latina quando o assunto é política e mulheres. Logo, participar de
eventos virtuais sobre o tema faz parte do seu dia a dia. Desde março, ela
conta que ao menos uma vez por mês sofre ou presencia um ataque, seja em
eventos brasileiros ou latino-americanos. Uma das invasões mais violentas foi
em junho, quando a professora brasileira debatia no foro virtual La Política es
Cosa de Mujeres, promovido por organizações como o Conselho Nacional Eleitoral
do Equador. Logo no início da sua fala, ela percebeu que a tela saiu do seu
controle. Foram veiculados vídeos e desenhos pornográficos. “Fiquei
desnorteada, não sabia o que estava acontecendo. É como se alguém gritasse e te
jogasse para fora do palco” descreve.
O impacto é diferente de quando o constrangimento é
presencial, garante a pesquisadora, que já esteve em pelo menos 15 países
palestrando sobre participação de mulheres na política. “Percebo pela reação
facial e corporal de quem olha com deboche, ou entende a fala como mimimi”.
Observações sobre o seu comportamento no palco é outra situação recorrente na
vida acadêmica de Luciana. “Aquilo virou um motivador de que eu preciso mesmo
seguir pesquisando esse tema”, observa.
Para quem presencia o ataque enquanto ouvinte, a
sensação, além do constrangimento, é da insegurança em relação aos dados
pessoais, relata uma das participantes do evento, a professora de jornalismo
Simone Hubert, da PUC-PR. “Você se sente invadida e não sabe se alguém teve
acesso aos seus dados, seu perfil. Fora que os xingamentos são sempre
relacionados ao gênero. Há um machismo nesse espaço de fala”.
Desabafo no twitter
Pré-candidata a vereadora na cidade de Criciúma (SC) pelo
PCdoB, a dentista e mestranda em Saúde Coletiva Giovana Mondardo usa ativamente
as redes sociais para viabilizar a sua campanha. Criou um encontro virtual, o
Fala Criciúma, que realiza via Google Meet. Por mais que a plataforma solicite
ao organizador permissão para a entrada de participantes, Giovana acabou
aceitando algumas pessoas que abriram o microfone e passaram a interrompe-la.
“Tentei banir, mas não consegui”. Logo na sequência, um homem começou a dançar
com uma música muito alta, tapando a cabeça com uma camiseta.
Fora as intervenções na reunião, a dentista relata
inúmeros abusos via inbox nas redes sociais, com fotos e vídeos obscenos ―a pré-candidata
registrou boletim de ocorrência sobre um dos casos. Ofensas são frequentes:
recebe comentários a chamando de “poste”, “fraquinha” e de ela não se elegerá
“nem para síndica”. “Lógico que na hora que acontece me impacta e causa
constrangimento. Mas não me causa estranheza dado o momento que estamos
passando no Brasil. Mostra como é ser mulher na política”.
O fenômeno das interrupções converge, frisa Luciana
Panke, para a violência política de gênero que boicota as formas de
manifestação da mulher na vida pública, tornando o seu posicionamento menos
importante, invisível. “Desde não participar de cargos diretivos, não receber
indicação dos partidos, ser só candidata laranja, não ter treinamento em
campanha porque os partidos não querem pagar”, enumera.
Na análise da cientista política colombiana e
coordenadora do Red Innovacion (entidade que facilita o intercâmbio de
experiências políticas e sociais na América Latina), Andrea Fernández Jimenez,
é possível ter duas visões sobre a participação política das mulheres on-line.
“A internet sem dúvida foi fundamental para dar voz a grupos marginalizados. No
entanto, o mundo digital também se tornou muitas vezes um fórum de
desinformação, incitação ao ódio e, claro, assédio”. Ela acredita que a
consequência é que o ambiente hostil pode fazer com que as mulheres se
autocensurem, permaneçam em silêncio ou se retirem do discurso político.
Segurança de dados
Perito em crimes digitais, Wanderson Castilho pontua que
não há uma vulnerabilidade “extremamente crítica”do ponto de vista de coleta de
dados dos usuários quando há invasões no Zoom. Segundo ele, o fato de a
plataforma ser nova e ter crescido muito em pouco tempo faz com que a empresa
aprimore as regras de segurança no decorrer do uso. “Saem as notícias e parece
que a plataforma é insegura, mas não. Ela agora está sendo alvo justamente por
ser a mais usada. Com a experiência, o Zoom vai aprendendo. O WhatsApp demorou
três anos para ter criptografia”compara.
Diretor internacional do Zoom, David Diaz disse que a
empresa está “profundamente chateada” sobre esse tipo de incidente, e que a
empresa “condena veementemente” o comportamento. Controles de segurança em
reuniões, incluindo o compartilhamento de tela, remoção e bloqueio são algumas
das medidas de segurança adicionadas. “Levamos as interrupções de reuniões
muito a sério. Encorajamos os usuários a relatar quaisquer incidentes desse
tipo ao Zoom e às autoridades policiais para que as medidas adequadas sejam
tomadas contra infratores”, afirmou ao EL PAÍS, por e-mail.
Diaz destaca ainda que o Zoom vem instruindo os usuários
sobre práticas de segurança como a de evitar compartilhar o link e senhas de
reuniões privadas publicamente em sites e redes sociais. “Incentivamos qualquer
pessoa que hospede eventos públicos ou de grande escala a usar a solução
Webinar do Zoom”.
Já o Google, por meio da assessoria de imprensa, informou que o aceite do anfitrião nas reuniões do Google Meet já é uma das medidas de segurança da plataforma, e que também sugere a solução seminários online para eventos públicos.
Fonte: El País
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