Gazeta da Torre
Realizamos cerca de sete milhões de respirações por ano.
Embora na maioria das vezes seja um ato inconsciente, podemos controlá-lo e
assim influenciar nossos estados emocionais
O coronavírus ataca os pulmões e pode causar danos
significativos. Quando uma das funções mais críticas do organismo é ameaçada,
nosso sistema respiratório ativa o alerta vermelho. O fato de sermos seres que
respiram sem interrupções significativas, do nascimento à morte, deve ser
considerado fundamental.
Afinal de contas, respirar, como costumamos fazer, é a
nossa maneira mais elementar de alcançar a sintonia ou ajuste. O eu e a
respiração estão interligados: psique significa alma ou espírito, mas também
respiração. Não só é essencial para a sobrevivência, como também desempenha um
papel fundamental no desenvolvimento da autoconsciência. Nosso eu começa como
um corpo que respira. Antes de podermos falar, já estamos respirando. Em seu
ensaio Poesia e respiração, incluído no volume O Arco e a lira, o poeta Octavio
Paz afirma: “Há uma relação indiscutível entre a respiração e o verso: todo
feito espiritual é também físico”. Para Paz, respirar bem é “uma forma de nos
unirmos ao mundo e participar do ritmo universal. Recitar versos é como dançar
com o movimento geral do corpo e da natureza”. Embora a respiração se manifeste
por intermédio dos pulmões, ela também está presente fora de nós. A cada troca
de ar, nos encontramos entrelaçados nas correntes de uma presença envolvente,
uma atmosfera, da qual somos inseparáveis e sem a qual seria impossível
sobreviver.
Apesar de sua simplicidade enganosa, é necessário um
programa sofisticado para ventilar os pulmões e responder aos desafios
fisiológicos e às condições ambientais mutantes. O ar que respiramos não é
constante nem homogêneo e, para detectar essas flutuações, as vias
respiratórias usam uma rede densa que deriva principalmente, mas não
exclusivamente, do nervo vago (a complexidade de suas fibras nos pulmões e no
diafragma é mais intrincada do que em outros órgãos viscerais). A informação
que ele transmite ao cérebro é amplamente interpretada de modo inconsciente. Na
maioria das vezes não nos damos conta de que estamos respirando, mas quando
algo dá errado, ou em uma atmosfera de intensa ansiedade, a própria respiração
é foco de temor. A ansiedade restringe e sufoca a respiração —em latim,
angústia significa aperto—, ela pode se tornar extremamente difícil e ameaçar
nossa sobrevivência. Sigmund Freud observou isso na primeira paciente de
psicanálise, Anna O., que manifestava uma tosse nervosa.
A respiração impulsiona tudo o que fazemos, por isso seu
ritmo deve ser cuidadosamente organizado por nosso cérebro. Uma respiração
começa quando centenas de neurônios saem em disparada aleatoriamente e se
sincronizam rapidamente. “Ficamos surpresos ao perceber que a maneira como
nossas células cerebrais trabalham juntas para gerar o ritmo respiratório é
diferente a cada vez que respiramos”, diz Feldman. “Cada respiração é como uma
nova canção com o mesmo ritmo.” O circuito faz parte do que foi chamado de
marcapasso respiratório do cérebro, porque pode ser ajustado alterando o ritmo
respiratório.
A respiração lenta e controlada diminui a atividade no circuito, a respiração rápida e errática a aumenta, o que, por sua vez, influencia nossos estados emocionais. Quando você respira pelo nariz, é produzido um fluxo cíclico de ar que funciona como um interruptor, que aciona a atividade respiratória do cérebro; a amígdala ou epicentro das emoções é estimulada e o hipocampo, que é a sede da memória, é conectado.
É assim que, de
todas as funções governadas por nosso sistema nervoso autônomo, a respiração é
a única que podemos alterar conscientemente. Segundo Stephen Porges, autor da
teoria polivagal, quando respiramos lentamente e prolongamos a expiração,
enviamos sinais ao cérebro que ajustam o ramo parassimpático do nervo vago, o
que desacelera o batimento cardíaco, promove uma sensação de calma e nos
energiza. Além disso, modera a ativação do sistema nervoso simpático, que causa
a liberação de hormônios do estresse. “É uma solução sem medicamentos nem
efeitos colaterais para o estresse e os problemas do humor”, propõem Patricia
Gerbarg e Richard Brown, especialistas em psiquiatria integrativa, em Respire –
o poder curativo da respiração. “O cérebro escuta os pulmões. Quando mudamos nosso
padrão de respiração, mudamos a forma como pensamos e sentimos, nos conectamos
com nós mesmos e com os outros “. Resumidamente, como infere o filósofo Maurice
Merleau-Ponty, “falamos de ‘inspiração’, e o termo deve ser entendido
literalmente. Realmente existe inspiração e expiração do ser”.
Por David Dorenbaum, psiquiatra e psicanalista (Toronto, Canadá)/El País.
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