Gazeta da Torre
Uma em cada quatro propostas sobre gênero no Congresso
prejudica as mulheres de alguma forma
As mulheres representam apenas 15% do Congresso Nacional.
Os homens ainda são maioria e também os principais responsáveis por 74% dos
projetos desfavoráveis aos direitos das mulheres. Uma em cada quatro propostas
sobre gênero no Congresso prejudica as mulheres de alguma forma. O levantamento
do Elas no Congresso de 2020, feito pela revista AzMina, avaliou 331 projetos
de lei. Os principais temas abordados foram gênero, aborto, cotas na política e
violência doméstica.
Recentemente, o Projeto de Lei 5435, que propõe a criação
do Estatuto da Gestante, causou revolta nas redes sociais. A proposta proíbe
aborto em todos os casos, mesmo naqueles já garantidos pela Constituição, e
ainda dispõe sobre a criação de um auxílio financeiro para mulheres que
engravidem e concebam uma criança fruto de estupro. O projeto ainda aborda os
supostos direitos e deveres que o estuprador deveria ter com a criança, como o
pagamento de pensão.
Devido à repercussão, o PL foi submetido à senadora
Simone Tebet para alteração dos artigos. “De fato, a maioria dos projetos que
acabam prejudicando as mulheres é proposta por homens. No entanto, não é uma
regra absoluta. É, de fato a maioria, mas, quando se consultam os Projetos de
Lei que, de alguma forma, podem causar algum prejuízo às mulheres, encontramos
projetos propostos por mulheres também”, argumenta Mariângela Gama de Magalhães
Gomes, do Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da
Faculdade de Direito da USP.
Falta sensibilidade para os direitos femininos
Conforme a especialista em Direito, os projetos de lei
desfavoráveis às pautas femininas nem sempre são deliberadamente voltados a
causar algum prejuízo, mas a falta de sensibilidade para os direitos das
mulheres acaba propiciando esse tipo de proposta. “Me parece que o que leva os
legisladores a tomarem essas atitudes não seja um desprezo deliberado às
mulheres, mas uma falta de atenção, de cuidado, de visão da situação dessas
mulheres que, no fundo, é um desprezo, uma forma de violência, uma forma de não
reconhecer a existência das mulheres”, defende.
A doutoranda Beatriz Rodrigues Sanches, do Departamento
de Ciência Política na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
USP, acredita que, devido à formação majoritariamente masculina do Congresso,
os valores e a visão desses homens prevalecem, o que dificulta a instauração de
políticas afirmativas e de maior visibilidade à pauta feminina: “Os homens
brancos, heterossexuais, empresários e ruralistas ocupam a maior parte das
cadeiras dentro do Congresso Nacional. Consequentemente são as vozes e
perspectivas dessas pessoas que estão sendo representadas majoritariamente na formulação
dos projetos de lei”.
O machismo estrutural da sociedade é uma das bases para a
regulamentação de medidas com impacto direto nos corpos femininos. “Sem dúvida,
esse machismo estrutural tem um impacto muito prejudicial nas mulheres. Essa
cultura de não se sensibilizar, não olhar para a mulher, não entender a
situação da mulher, e simplesmente manter uma visão da mulher como objeto ou
cidadã de segunda categoria. Isso, sem dúvida, impacta na regulamentação de
medidas que vão impactar em seus corpos”, compartilha Mariângela.
Aumentar a representatividade feminina
Quando se pensa nos direitos das mulheres, é importante
ter uma visão interseccional das desigualdades que as atravessam. As mulheres
não são um grupo homogêneo. Para Beatriz, é essencial que mais mulheres estejam
na política e ocupem seu lugar de direito. “É fundamental que a gente adote um
olhar interseccional para a pauta do direito das mulheres. O que significa que
devemos considerar os diversos eixos de opressão que atravessam as experiências
de vida das mulheres”, aponta a doutoranda.
“Como explicar que, num país composto majoritariamente de mulheres, que atualmente compõem 51% da população, ocupem apenas 15% das cadeiras no Congresso Nacional? É importante que as mulheres estejam na política para que elas sirvam de inspiração e de referência para outras mulheres, inclusive outras meninas”, finaliza Beatriz.
Fonte:Jornal da USP
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