Gazeta da Torre
O começo de uma obra é sempre igual: ideias fantásticas,
o coração cheio de intenções, muito trabalho, algum investimento e bastante
energia gasta para realização. Toda construção tem uma mesma estrutura inicial,
e nos parece por vezes “O melhor empreendimento já realizado nos últimos
tempos”. Uma obra não surge espontaneamente, é necessário um esforço para sua
concretização e antes um esmero em sua concepção.
Quantos planos e pessoas envolvidas, diálogos, reuniões e
até confabulações são necessários para criar algo, para trazer forma ao que antes
está somente na imaginação?
É fato que para construir basta começar, após iniciada a
obra então vai criando forma e suas reais intenções vão sendo reveladas pouco a
pouco, tijolo a tijolo.
Aprendemos facilmente o poder e a influência que a
construção pode ter sobre nossa própria vida e nosso convívio com o outro.
Alguns preferem construir imensos e robustos muros. A princípio todo muro
parece ter uma boa intenção: dar segurança, proteger, zelar pelos que dentro
das muralhas vivem. Foi assim com Jericó, com Troia, China, Alemanha Oriental e
tantos outros muros históricos.
Mas a cada tijolo ou pedra alinhada uma sobre a outra
transforma a expressão de segurança, proteção e zelo em poder, orgulho e
separação. Os muros bloqueiam o ir e vir, eliminam comunicações entre os lados,
separam vidas e permanecem por anos inertes, frios e autoritários.
Já ouviram dizer que muros foram erguidos para cair?
Parece um paradoxo começar a construção de algo que será destruído, e mesmo
assim insistentemente continuamos a construir sob a égide da proteção e do
zelo. Seja por força de guerras e conflitos, pela ação do tempo ou por atos
rebeldes de amor e paz, as muralhas sempre ruem. Há de surgir em algum momento
alguém mais poderoso, mais astutos e com desejos de conquista. Os muros geram
acomodação de alguns, mas revolta de outros tantos.
Se vais começar a construção de algo – lembre-se: o
início de toda construção é bem similar (boas ideias, intenções, muito trabalho
e dedicação para a realização).
Se a nossa existência é como uma construção, sugiro que
pense em uma obra de arte ao invés de um muro. A arte é elemento chave para
transformar a construção fria e muda, em algo integrador e cheio de vida. Na
engenharia as pontes são categorizadas em obras de arte especiais. As pontes
ligam, comunicam, integram. A arte gera apreciação de alguns, e movimento de
outros tantos.
Em época de rápidas conexões virtuais ocorrem grandes
afastamentos reais entre as pessoas. Nos conectamos facilmente a qualquer
pessoa em qualquer lugar do mundo, mas nos distanciamos e nos protegemos atrás
de nossos muros construídos no decorrer do tempo, esquecemos da beleza da arte
e vamos empilhando tijolos dia após dia.
Construa algo real em sua vida e não se engane, muros
parecem seguros, mas o que nos liga são pontes reais e não virtuais. O que
retrata a vida é a arte e não cimento. Se quer ter “a melhor construção já
realizada nos últimos tempos” não perca tempo, comece agora a transformar sua
vida numa bela obra de arte, decida-se por ser um artista de sua maior obra:
sua própria vida.
Daniel Vieira, Mestre em Cultura, Comunicação e Educação
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