Gazeta da Torre
Pesquisadores avaliaram a eficácia dos programas para
aulas remotas dos governos estaduais e de todas as capitais brasileiras.
Resultados apontam falhas na promoção do acesso aos alunos em 2020
Das 27 unidades da federação, 22 já preveem o retorno às
aulas presenciais, entre fevereiro e março, em um sistema híbrido — on-line e
presencial, simultaneamente. As aulas retornam um ano após o fechamento das
escolas e, nesse período, a falta de acesso às aulas a distância foi um
problema para a grande maioria dos alunos da rede pública de ensino, mostra
artigo publicado por pesquisadores da USP. Os autores avaliaram a eficácia dos
programas para aulas remotas oferecidos pelos governos estaduais e de todas as
capitais brasileiras. Os resultados mostraram que os programas de ensino remoto
apresentados foram muito fracos em se preocupar com o acesso, ao longo de 2020,
e podem levar a um aumento da evasão escolar, dificultar a progressão dos
alunos, além de acirrar as desigualdades brasileiras.
O artigo - Uma avaliação dos programas de educação pública
remota dos estados e capitais brasileiros durante a pandemia do COVID-19 - mostra
que os problemas relacionados às aulas não acabam com o retorno presencial. A
situação das aulas no Reino Unido é um exemplo que comprova a complexidade da
situação e que o debate sobre aulas on-line está distante de terminar.
Os planos de volta exigem a coexistência de aulas on-line
e presenciais, o que levanta novamente o problema do acesso enfrentado por
muitos alunos, em 2020. Além disso, os pesquisadores destacam que nem todos os
estudantes tiveram acesso à educação durante o último ano, o que dificulta a
progressão escolar, aumenta a tendência à evasão escolar e acirra as desigualdades
educacionais no Brasil.
“Políticas públicas existem para proteger a todos,
incluindo os mais vulneráveis. Alguns tiveram uma interação e experiência muito
diferenciadas durante a pandemia, outros nem sequer ouviram alguma coisa de seu
professor ou da escola”, afirma ao Jornal da USP Lorena Barberia, pesquisadora
da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e uma das
autoras do artigo. Para ela, o debate está sendo colocado como uma dualidade
entre abrir ou não as escolas, porém ele é muito mais profundo.
Muitas escolas continuaram a dar aulas, mas apenas para
os que tinham acesso à internet. É diferente a avaliação da reabertura para
esse grupo em relação aos que não tiveram nada por meses e depois começaram a
ter aulas pela televisão, sem interação com os professores, por exemplo. É
preciso que esse grupo receba atenção diferenciada.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), um em cada quatro brasileiros não tem acesso à internet.
A questão do acesso foi negligenciada por todos os planos de governo para as
aulas remotas. Há uma variedade deles, alguns aconteceram rapidamente, outros
demoraram meses. O Estado da Bahia (BA), por exemplo, não apresentou nenhum
plano até o final do estudo. Os planejamentos deixaram os alunos com acesso a
educação desigual, proporcionalmente às desigualdades preexistentes.
Na história do Brasil, nunca houve um momento em que a
educação tivesse que mudar tanto e de maneira tão rápida como aconteceu por
causa da pandemia. Em razão disso, os pesquisadores destacam que é preciso
demarcar essa situação e ter indicadores claros dos erros de 2020 para que eles
não se repitam em 2021.
“Se a educação já era desigual no País, ela se tornou
ainda maior em 2020. Agora, com a volta às aulas, teremos alunos compelidos a
cogitar o abandono escolar, em razão da volta em condições de desigualdade
absurdas”, aponta Luiz Guilherme Roth
Cantarelli, pesquisador envolvido no estudo.
Índice dos Programas de Educação a Distância
O grupo de pesquisadores da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP desenvolveu um índice capaz de avaliar
a qualidade geral dos programas de educação a distância na primeira infância,
ensino fundamental e médio, no Brasil em 2020. O Índice dos Programas de
Educação a Distância considerou os meios de transmissão adotados (televisão,
internet, rádio, etc.), os investimentos aplicados (se houve fornecimento de
internet, chips, dispositivos, etc.), políticas de supervisão dos alunos e a cobertura
desses programas. A escala varia de 0 a 10.
As notas obtidas são preocupantes. Nenhum dos programas
implementados, tanto pelos governos estaduais quanto pelas capitais, atingiu
nota superior a 6. A média dos programas dos Estados é 2,4 enquanto a das
capitais é 1,6. Cada um dos componentes considerados foi multiplicado pelo
valor da nota obtida na cobertura. Então, se o Estado fez um ótimo plano mas de
baixa cobertura, só para o ensino médio, por exemplo, a nota dele cai.
Outro ponto que merece destaque no Índice é a demora na
implementação. Ou seja, se o Estado fez um ótimo plano, mas deixou os
estudantes à deriva por meses, a nota cai. Foi feita uma média, ao longo do
tempo, então se o Estado demorou para apresentar um plano é como se ele tivesse
tirado zero nesse período.
“Por isso as notas são tão baixas, nenhum Estado
providenciou o acesso com qualidade, era muito limitado e focado na
distribuição de material impresso”, explica Pedro Henrique de Santana Schmalz,
autor do estudo. Em alguns lugares, como Maranhão, foram providenciados
dispositivos, por meio de doações da sociedade civil, mas não conseguiram
atingir porcentagens significativas dos estudantes sem acesso.
Supervisão dos alunos
Grande parte dos planos não tem previsão de supervisão
dos alunos. “A escola tem um papel muito maior do que só dar apostilas aos
alunos, que precisam de interação com os professores e de supervisão”, conta
Lorena Barberia. Nesse sentido, ela ressalta que um plano para a educação
remota não pode se limitar a dar apenas material impresso para o aluno.
As escolas passaram a oferecer o conteúdo sem prever
nenhum tipo de contato entre os professores e os alunos e nenhum tipo de
acompanhamento por parte da secretaria para acompanhar como estava o acesso.
Grande parte das avaliações foi suspensa e, sem o acompanhamento, é improvável
que o ensino seja de qualidade.
Desigualdade regional
Ao longo de 2020, o Ministério da Educação sabia que
alguns Estados estavam tendo dificuldades em se adaptar à situação e que alguns
nem sequer apresentaram um plano. Como o governo federal sempre se mostrou
contrário ao fechamento das escolas, não centralizou a política de ensino em
2020, deixando os Estados sem uma diretriz sobre qual caminho seguir.
Há uma heterogeneidade de planos entre os Estados e entre
as capitais. Cada Estado implementou as medidas possíveis, os que têm mais
recursos e mais capacidade conseguiram sobreviver sem o auxílio do Ministério
da Educação, entretanto, aqueles sem recursos acabaram sendo deixados ainda
mais para trás, nesse sentido. Os
autores apontam que isso é grave pois pode não apenas aumentar as desigualdades
entre os alunos — os que têm acesso em relação aos que não têm — como também acirrar
desigualdades regionais.
Como não cometer os mesmos erros em 2021
“Para não cometer os mesmos erros em 2021, é importante
que a gente não espere para resolver a educação na metade do ano, a gente
precisa trazer esse debate, que já deveria ter ocorrido em 2020”, diz Lorena. A
pesquisadora ainda afirma que é preciso avaliar o que deu certo em outros
países e até mesmo no Brasil, pois passamos muitos meses sem discutir os
problemas pragmáticos do ensino remoto. Em outros países, foi visto que a volta
às aulas presenciais precisaram ser suspensas, por isso o debate deve continuar
vivo. “Precisamos de planos claros e desenvolvidos por profissionais”, conclui.
Para Luiz Guilherme, uma questão a ser levantada é a
fiscalização. Olhando para 2020, quando os comércios reabriram, a fiscalização
foi falha em fazer com que as regras fossem cumpridas; é um erro que não pode
ser cometido novamente, as escolas precisam reabrir com um protocolo muito
claro de fiscalização e do que será feito. Quando a opinião pública esteve
voltada para a pandemia, os problemas da educação foram deixados de lado.
“Temos que ter foco no acesso, supervisão dos alunos e
acompanhamento para evitar que o abismo entre o público e o privado e os que
têm acesso e os que não têm não fique mais profundo ainda”, finaliza Pedro
Henrique. O estudo é uma colaboração entre a Rede de Pesquisa Solidária em
Políticas Públicas e Sociedade e a FGV EESP Clear.
Fonte:Jornal
da USP
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