quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Brasil vê crises simultâneas, democracia corroída e indiferença à morte

 Gazeta da Torre

“Estamos acostumados a achar que o que vivemos é diferente de tudo, como se estivéssemos em uma situação única. E acho que estamos. Não há nenhum momento na história do Brasil em que seja possível ver [essas] três coisas ao mesmo tempo: uma superposição de crises – há uma crise política, uma crise ambiental, uma crise econômica, uma crise sanitária, só falta a crise social –, um processo de corrosão da democracia por dentro das instituições e o comportamento de um largo setor da sociedade brasileira de indiferença e desprezo diante da morte”.

Esse é o retrato do Brasil de 2020 na visão da historiadora, cientista social e professora titular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Heloisa Starling, compartilhada em entrevista a plataforma UM BRASIL, uma realização da FecomercioSP.

De acordo com ela, no Brasil, embora não se despreze a democracia e todos digam ser republicanos, na realidade, “não se tem orgulho da democracia” e “é como se a nossa república fosse oca, vazia de significado”. Observando a conjuntura atual, ela reforça esse entendimento dizendo que “mesmo governos conservadores, como Dutra (1946 – 1951), Collor (1990 – 1992) e Jânio Quadros (1961), não agiram deliberadamente no sentido de produzir a corrosão das instituições democráticas por dentro delas”.

Heloisa salienta que valores republicanos e democráticos – os quais ela considera estarem ameaçados na atualidade – não podem se perder, porque geram “crescimento na qualidade de vida”.

“Estamos olhando muito para a sociedade autoritária, mas a história do Brasil é uma longa luta pela liberdade, desde as santidades indígenas botando os portugueses para correr”, destaca a historiadora. “A república oferece um conjunto de valores que estão ligados ao bem comum, à compaixão, a essa capacidade que tenho de me identificar com o outro independentemente de quem ele seja, porque ele está sofrendo”, explica.

Pandemias

Prestes a lançar o livro A bailarina da morte: a gripe espanhola no Brasil, em parceria com a também historiadora Lilia Schwartz – com quem escreveu Brasil: uma biografia –, Heloisa aponta similaridades entre o surto que afligiu o País em 1918 e o de covid-19, como maquiagem de estatísticas e o anúncio de um remédio que seria eficaz contra a doença chamado de “chloro quinino” – apesar da semelhança nominal, não tem relação com a cloroquina.

“Em Recife, inventaram uma doença para não ter que fazer estatística da gripe espanhola. Em Porto Alegre, houve censura do governo, não podia sair no jornal. Na Bahia, o governo dizia que não havia gripe e quem falava mal da Bahia era mau patriota”, conta a historiadora.

Por outro lado, ela indica que, quando o número de mortes decorrentes de gripe espanhola começou a crescer, autoridades em saúde foram chamadas para orientar a população, não se negando mais os malefícios da doença e reforçando a confiança na ciência. Por fim, ela realça outra diferença entre a pandemia atual e a do século passado: “Em nenhuma cidade que estudamos, a sociedade se manifestou de forma indiferente [à morte]”, frisa.

Fonte:UM Brasil

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