Gazeta da Torre
“Estamos acostumados a achar que o que vivemos é
diferente de tudo, como se estivéssemos em uma situação única. E acho que
estamos. Não há nenhum momento na história do Brasil em que seja possível ver
[essas] três coisas ao mesmo tempo: uma superposição de crises – há uma crise
política, uma crise ambiental, uma crise econômica, uma crise sanitária, só
falta a crise social –, um processo de corrosão da democracia por dentro das
instituições e o comportamento de um largo setor da sociedade brasileira de
indiferença e desprezo diante da morte”.
Esse é o retrato do Brasil de 2020 na visão da
historiadora, cientista social e professora titular da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), Heloisa Starling, compartilhada em entrevista a plataforma
UM BRASIL, uma realização da FecomercioSP.
De acordo com ela, no Brasil, embora não se despreze a
democracia e todos digam ser republicanos, na realidade, “não se tem orgulho da
democracia” e “é como se a nossa república fosse oca, vazia de significado”.
Observando a conjuntura atual, ela reforça esse entendimento dizendo que “mesmo
governos conservadores, como Dutra (1946 – 1951), Collor (1990 – 1992) e Jânio
Quadros (1961), não agiram deliberadamente no sentido de produzir a corrosão
das instituições democráticas por dentro delas”.
Heloisa salienta que valores republicanos e democráticos
– os quais ela considera estarem ameaçados na atualidade – não podem se perder,
porque geram “crescimento na qualidade de vida”.
“Estamos olhando muito para a sociedade autoritária, mas
a história do Brasil é uma longa luta pela liberdade, desde as santidades
indígenas botando os portugueses para correr”, destaca a historiadora. “A
república oferece um conjunto de valores que estão ligados ao bem comum, à
compaixão, a essa capacidade que tenho de me identificar com o outro
independentemente de quem ele seja, porque ele está sofrendo”, explica.
Pandemias
Prestes a lançar o livro A bailarina da morte: a gripe
espanhola no Brasil, em parceria com a também historiadora Lilia Schwartz – com
quem escreveu Brasil: uma biografia –, Heloisa aponta similaridades entre o
surto que afligiu o País em 1918 e o de covid-19, como maquiagem de
estatísticas e o anúncio de um remédio que seria eficaz contra a doença chamado
de “chloro quinino” – apesar da semelhança nominal, não tem relação com a
cloroquina.
“Em Recife, inventaram uma doença para não ter que fazer
estatística da gripe espanhola. Em Porto Alegre, houve censura do governo, não
podia sair no jornal. Na Bahia, o governo dizia que não havia gripe e quem
falava mal da Bahia era mau patriota”, conta a historiadora.
Por outro lado, ela indica que, quando o número de mortes
decorrentes de gripe espanhola começou a crescer, autoridades em saúde foram
chamadas para orientar a população, não se negando mais os malefícios da doença
e reforçando a confiança na ciência. Por fim, ela realça outra diferença entre
a pandemia atual e a do século passado: “Em nenhuma cidade que estudamos, a
sociedade se manifestou de forma indiferente [à morte]”, frisa.
Fonte:UM Brasil
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