Gazeta da Torre
Com organização de professores da USP, evento acontece a
partir de 5 de outubro, com transmissão pelo Youtube
Em 2020 são celebrados os 120 anos do nascimento de Mário
Pedrosa (1900-1981), intelectual pernambucano que contribuiu de modo decisivo
para a formação e o desenvolvimento político e artístico do Brasil. Para
lembrar a data, será promovido, de 5 de outubro até 30 de novembro, sempre às
segundas-feiras, um evento que vai revisitar a vida e a obra do escritor,
jornalista, crítico de arte e militante. A organização é do Programa de
Pós-Graduação em História Econômica do Departamento de História da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, do Programa de
Pós-Graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade de
Brasília (UnB) e da Fundação Perseu Abramo.
Homenagem a Mário Pedrosa – 120 anos vai reunir
historiadores, arquitetos, psicólogos, economistas e políticos para discutir o
pensamento do intelectual, com transmissão ao vivo pelo Canal do Youtube da
FFLCH/USP. Haverá também uma exposição virtual durante todo o evento. Segundo o
professor da USP Everaldo Andrade, um dos organizadores do encontro, “Mário
Pedrosa é um dos grandes pensadores do século 20 no Brasil, com contribuições
não só na crítica de arte, mas também com obras importantes sobre a economia
brasileira, sobre a defesa da democracia e a luta contra o fascismo e até mesmo
na arquitetura, com trabalhos sobre a fundação de Brasília, além de contemplar
ainda a psicologia”. Para o professor, Mário Pedrosa é “uma luz” para se pensar
o futuro imediato do País.
Mário Pedrosa nasceu em Timbaúba, no interior de
Pernambuco, em uma família próspera – seu pai era senador da República.
Formou-se em Direito no Rio de Janeiro e aos 20 anos se transferiu para São
Paulo, onde iniciou carreira no Jornalismo. Nessa época, aderiu ao Partido
Comunista Brasileiro (PCB) e depois à dissidência oposicionista, como conta
Andrade, ressaltando sua militância política intensa. “Nos anos 30, ele
encabeçou em São Paulo um movimento antifascista importante. Durante o período
Vargas, se exilou na França e depois nos Estados Unidos e, quando voltou ao
Brasil, em 1945, retomou sua atividade no jornalismo, tornando-se referência
nacional na crítica de arte moderna. Na década de 60, continuou atuando
politicamente, sofreu perseguições durante a ditadura militar e precisou fugir
do País novamente, nos anos 70, exilando-se no Chile”, relata Andrade.
Em 1977, Mário Pedrosa retornou ao Brasil, um pouco
doente, mas ainda assim realizando suas intervenções na arte, continua Andrade.
“Ele escreveu um livro sobre Rosa Luxemburgo – A Crise Mundial do Imperialismo
e Rosa Luxemburgo – e atuou na formação do Partido dos Trabalhadores (PT).
Antes de existir o partido, apoiou as mobilizações contra a ditadura e em
defesa da democracia. “Mário Pedrosa se envolveu com a política econômica do
Brasil de maneira muito intensa, como demonstram seus artigos de jornais
escritos nos anos 50 e 60, publicados no Estadão ou no Jornal do Brasil, onde
acompanha de perto todos os acontecimentos políticos e, inclusive, formula
propostas”, explica Andrade, citando dois livros que considera fundamentais na
carreira do intelectual, do ponto de vista da história do Brasil: A Opção
Brasileira e A Opção Imperialista, lançados em 1966.
Crítico de arte reconhecido
“Não faltou reconhecimento para o Mário Pedrosa crítico
de arte em vida. Embora ele tenha começado efetivamente a carreira de crítico
de arte nos jornais cariocas tardiamente (só no final dos anos 1940, depois da
volta de seu exílio nos Estados Unidos), rapidamente foi reconhecido”, afirma o
professor Francisco Alambert, também docente da FFLCH e organizador do evento.
“Na verdade, a influência que causou foi avassaladora”, ressalta. “Ele tinha
uma formação intelectual única. Conhecia profundamente os debates do marxismo
mais avançado, teoria e prática, havia estudado teoria estética, psicologia da
forma (Gestalt) e tinha uma capacidade de síntese em um texto que, mesmo
restrito às exigências jornalísticas, era de uma profundidade única”, comenta.
Foi essa formação que, segundo Alambert, fez com que ele
se tornasse o principal defensor do abstracionismo, a nova vanguarda que
chegava tardiamente no Brasil e que se opunha às diferentes formas do
figurativismo, que foram marcas do primeiro modernismo e eram até então
inquestionáveis. “Sua defesa apaixonada desse novo caminho da arte, e também da
arquitetura, o colocou no centro dos debates estéticos e políticos dos anos
1950 e 1960. Não apenas como crítico, mas também como planejador e organizador
das instituições artísticas que iam surgindo. Ele foi figura central dos novos
museus de arte moderna (o MAM de São Paulo e o MAM do Rio de Janeiro), das
Bienais de São Paulo, da Associação Internacional dos Críticos de Arte (Aica) e
de sua representação no Brasil, a Associação Brasileira dos Críticos de Arte
(ABCA)”, conta.
Tudo isso acontecia a par da militância política radical
e muito consequente, diz Alambert, lembrando que sua trajetória passaria ainda
pela fundação de um jornal, o Vanguarda Socialista. “O Golpe de 1964 o
perseguiu a ponto de, aos 70 anos, Mário ser obrigado a fugir novamente do
País. Foi para o Chile, a convite de Allende (Salvador Allende, então
presidente do país), e lá, já consagrado como um dos maiores críticos de arte
do mundo, realiza o projeto de um museu originalíssimo, o Museu da
Solidariedade, destinado a ser uma realização do socialismo democrático
chileno, que ele organizou com o apoio dos mais importantes artistas da época
do mundo todo”, relata Alambert, informando que o golpe de Augusto Pinochet, no
Chile, em 1973, o levou a novo exílio, na França.
“No final da década de 1970, ele foi progressivamente
abandonando o ofício da crítica de arte e suas posições sobre o destino da
cultura mudaram com a emergência daquilo que ele definiu, antes de o termo se
tornar moda, de arte ‘pós-moderna’”, destaca Alambert. Ainda segundo o
professor, na medida em que Mário Pedrosa se afastava da rotina da arte, ele se
reaproximava da política, “defendia apaixonadamente uma união latino-americana
contra o crescente imperialismo norte-americano, criticava radicalmente o desenvolvimentismo
falido e planejava a reorganização da política do socialismo democrático a
partir das greves do ABC paulista desde 1978”.
Vanguarda Socialista
O jornal Vanguarda Socialista, publicado entre 1945 e
1948, reunia um grupo de intelectuais socialistas independentes – entre eles o
professor da USP e crítico literário Antonio Candido –, que não eram vinculados
ao Partido Comunista. “Um grupo que não tinha muito espaço, não porque era da
esquerda, mas porque não era da esquerda oficial”, diz o professor Everaldo
Andrade. Ele cita um fato pouco conhecido sobre Mário Pedrosa: o seu vínculo
com Pagu (Patrícia Galvão), que também fazia parte do grupo e compartilhava a
mesma posição do crítico sobre a arte. “Ambos acreditavam que a arte não
deveria ser panfletária, ou seja, ligada explicitamente a questões políticas.
Para eles, o artista deveria ser completamente livre, porque isso o aproximaria
da emancipação e de um projeto revolucionário de país”, lembra Andrade,
acrescentando ainda que Jorge Amado e Cândido Portinari foram duramente
criticados por Mário Pedrosa por submeterem a liberdade artística a um controle
político.
“Desde seu falecimento, em 1981, até o final dos anos
1990, a fama de Mário Pedrosa ficou restrita a um pequeno grupo de admiradores
(alguns críticos mais velhos, militantes trotskistas)”, aponta Alambert. Mas,
“desde que Otília Arantes passou a republicar organizadamente e explicar sua
obra (sempre dispersa em textos publicados por todo o mundo), o interesse por
Mário Pedrosa renasceu poderosamente”, garante Alambert. “Jovens críticos e
artistas passaram a ver nele ideias, posturas e intuições que alimentavam o
presente e o futuro. E não apenas no Brasil. Em toda parte, da América Latina
aos Estados Unidos e Europa, as ideias e métodos do crítico e do pensador
marxista da sociedade foram arregimentando adeptos fervorosos e estupefatos com
aquele pensador sui generis”, completa, informando que em 2015 o Museu de Arte
Moderna de Nova York (MoMa) publicou uma alentada coletânea de textos do
crítico brasileiro. “Desde então, Mário Pedrosa estava definitivamente colocado
no panteão dos maiores pensadores da arte do século 20, e do 21 também.”
Discussão ampla
Homenagem a Mário Pedrosa – 120 anos está organizado em
oito mesas-redondas, que buscam cobrir a trajetória de Mário Pedrosa, mas que
também têm uma preocupação temática devido à ampla atuação do intelectual, que,
como diz Andrade, discutia desde assuntos como a crítica da arte impulsionar a
marca abstrata no Brasil até a produção de artigos críticos às políticas do
chamado desenvolvimentismo nacionalista. A mesa de abertura, no dia 5, Mário
Pedrosa: Fascismo, Bonapartismo e Ditaduras Brasileiras, vai abordar questões
sobre autoritarismo e democracia. Andrade destaca ainda a mesa Psicologia e a
Obra de Mário Pedrosa, informando que o crítico usava a psicologia como
instrumento de reflexão sobre a arte, e que vai trazer sua relação com a
psiquiatra Nise da Silveira; além do debate acerca da arquitetura, área em que
Mário Pedrosa também se tornou referência ao elaborar trabalhos importantes,
como as suas reflexões sobre a construção de Brasília.
Outro tema conhecido de quem estuda o autor, Mário
Pedrosa: Internacionalismo, Trotski e 4ª Internacional, trata de sua adesão ao
Movimento Comunista Internacional, ligado à Oposição de Esquerda liderada por
Leon Trótski, no final dos anos 30. “Ele é considerado o fundador do trotskismo
brasileiro”, comenta Andrade. Além disso, na França, em 1938, foi o único
latino-americano presente no congresso de fundação da Quarta Internacional,
onde foi eleito para o comitê executivo internacional, e, como informa Andrade,
mesmo depois de ter deixado a militância na 4ª Internacional, continuou sendo
uma referência e também perseguido, até mesmo pelo Partido Comunista
Brasileiro, que não aceitava a posição independente de Mário Pedrosa. “Ele foi
um crítico e um socialista marxista independente, e foi muito discriminado. Ele
era um pensador livre, progressista, o que permitiu que produzisse uma obra
aberta, criativa e independente. Uma obra original sobre os problemas e o
desenvolvimento do Brasil”, afirma Andrade.
Ainda segundo Andrade, um aspecto interessante em sua
biografia é que seus textos políticos caíram no esquecimento, sendo ele
lembrado e estudado na área da crítica da arte. O próprio Museu de Arte
Contemporânea (MAC) da USP, do qual Mário Pedrosa foi diretor, como conta
Andrade, tinha um projeto de publicar dez volumes com o conjunto de seus
artigos sobre crítica de arte e texto políticos, porém apenas quatro foram
publicados. “O evento tem o objetivo de resgatar Mário Pedrosa como uma das
referências mais importantes da cultura e do pensamento brasileiro
contemporâneo, além de incentivar a retomada dos estudos acerca desse
intelectual”, diz o professor, e avisa que todo o material produzido durante o
evento será publicado posteriormente em formato de livro.
Fonte:Jornal da USP
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