Gazeta da Torre
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Camila Rocha, cientista política |
Quase dez anos após a fase mais grave da crise econômica
brasileira, alguns indicadores econômicos mostram uma recuperação mais
consistente do emprego e uma redução da inflação, ao passo que os juros estão
em queda e o saldo do crédito tem crescido no País. Até mesmo os danos da
pandemia sobre o cenário macro ficam, cada vez mais, para trás. Ainda assim, a
percepção acerca da melhoria na qualidade de vida — segundo pesquisas de
satisfação e expectativas — aponta na direção contrária.
Segundo Camila Rocha, cientista política e pesquisadora
do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), os trabalhadores
brasileiros sentem que houve poucas melhorias nas condições de vida e no acesso
aos serviços de saúde, educação e lazer. “As pessoas também estão descontentes
com o esforço que precisam fazer para receber um salário que consideram muito
baixo. Mesmo trabalhando muito, elas sentem que isso não é suficiente para as
necessidades básicas, como transporte, aluguel e alimentação. Esse sentimento
de que o futuro não oferece uma perspectiva melhor está muito presente; elas
constatam que não há avanços”, adverte a pesquisadora.
Para ela, outro fator ainda pesa na insatisfação. A
organização econômica, da forma como está hoje — um rearranjo que fortalece o
Estado e relega a iniciativa privada para segundo plano —, aponta uma crise de
identidade do ponto de vista da legitimação política. “A insatisfação com a
entrega é muito grande na população, pois essa organização, como é feita, não a
favorece. É por causa dessa crise que vemos fenômenos de radicalização e
ascensão de lideranças extremistas à direita”, sintetiza.
Disseminação de valores
Autora do livro Menos Marx, mais Mises: o liberalismo e a
nova direita no Brasil (Todavia, 2021), Camila conversa com a jornalista Thais
Herédia para o Canal UM BRASIL — uma realização da Federação do Comércio de
Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) —, a respeito da
disseminação dos valores tidos como de direita na classe trabalhadora e as
faixas mais pobres, sobretudo após um ciclo de empobrecimento agudo e de
“explosão” no custo de vida ao longo da década passada. “A nova direita, no
Brasil, se popularizou. Isso tem se cristalizado como uma identidade”,
acrescenta.
Na sua análise a respeito da transformação no sentimento
de pertencimento político da sociedade brasileira, a pesquisadora enfatiza que
o campo que se considera liberal está, também, mais delineado. Com isso, essa
parte da população já compreende — e, até mesmo, defende — qual deve ser o
espaço do Estado na economia e até onde deve ter alcance.
“As pessoas, hoje, se apresentam como liberais. Isso não
existia antes. Há esse campo político em que se afirmam por mais liberdade
econômica e menos impostos. Isso se consolidou, considerando as classes
populares”, reforça. “Eles querem que o Estado atue em temas essenciais, mas
acreditam que algumas empresas estatais podem ficar de fora do cardápio e serem
desestatizadas. Ainda tendem a ser mais vocais contra o aumento de impostos,
como ocorreu com a taxação sobre compras no e-commerce do exterior; e, por fim,
até mesmo os trabalhadores estão contra a ‘celetização’ de alguns setores, como
o de aplicativos, preferindo continuar no modelo implementado pelo setor
privado”, conclui.
*Camila Rocha - Mestre e doutora em Ciência Política pela
Universidade de São Paulo (USP). Graduada em Ciências Sociais pela mesma
universidade. Ganhadora dos prêmios de melhor tese de doutorado da Associação
Brasileira de Ciência Política e Tese Destaque USP na área de Ciências Humanas.
Fonte: UM Brasil
- divulgação -
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