quinta-feira, 11 de abril de 2024

Sem perspectiva de progresso, classes populares se afirmam por mais liberdade econômica

 Gazeta da Torre

Camila Rocha, cientista política

Quase dez anos após a fase mais grave da crise econômica brasileira, alguns indicadores econômicos mostram uma recuperação mais consistente do emprego e uma redução da inflação, ao passo que os juros estão em queda e o saldo do crédito tem crescido no País. Até mesmo os danos da pandemia sobre o cenário macro ficam, cada vez mais, para trás. Ainda assim, a percepção acerca da melhoria na qualidade de vida — segundo pesquisas de satisfação e expectativas — aponta na direção contrária.

Segundo Camila Rocha, cientista política e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), os trabalhadores brasileiros sentem que houve poucas melhorias nas condições de vida e no acesso aos serviços de saúde, educação e lazer. “As pessoas também estão descontentes com o esforço que precisam fazer para receber um salário que consideram muito baixo. Mesmo trabalhando muito, elas sentem que isso não é suficiente para as necessidades básicas, como transporte, aluguel e alimentação. Esse sentimento de que o futuro não oferece uma perspectiva melhor está muito presente; elas constatam que não há avanços”, adverte a pesquisadora.

Para ela, outro fator ainda pesa na insatisfação. A organização econômica, da forma como está hoje — um rearranjo que fortalece o Estado e relega a iniciativa privada para segundo plano —, aponta uma crise de identidade do ponto de vista da legitimação política. “A insatisfação com a entrega é muito grande na população, pois essa organização, como é feita, não a favorece. É por causa dessa crise que vemos fenômenos de radicalização e ascensão de lideranças extremistas à direita”, sintetiza.

Disseminação de valores

Autora do livro Menos Marx, mais Mises: o liberalismo e a nova direita no Brasil (Todavia, 2021), Camila conversa com a jornalista Thais Herédia para o Canal UM BRASIL — uma realização da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) —, a respeito da disseminação dos valores tidos como de direita na classe trabalhadora e as faixas mais pobres, sobretudo após um ciclo de empobrecimento agudo e de “explosão” no custo de vida ao longo da década passada. “A nova direita, no Brasil, se popularizou. Isso tem se cristalizado como uma identidade”, acrescenta.

Na sua análise a respeito da transformação no sentimento de pertencimento político da sociedade brasileira, a pesquisadora enfatiza que o campo que se considera liberal está, também, mais delineado. Com isso, essa parte da população já compreende — e, até mesmo, defende — qual deve ser o espaço do Estado na economia e até onde deve ter alcance.

“As pessoas, hoje, se apresentam como liberais. Isso não existia antes. Há esse campo político em que se afirmam por mais liberdade econômica e menos impostos. Isso se consolidou, considerando as classes populares”, reforça. “Eles querem que o Estado atue em temas essenciais, mas acreditam que algumas empresas estatais podem ficar de fora do cardápio e serem desestatizadas. Ainda tendem a ser mais vocais contra o aumento de impostos, como ocorreu com a taxação sobre compras no e-commerce do exterior; e, por fim, até mesmo os trabalhadores estão contra a ‘celetização’ de alguns setores, como o de aplicativos, preferindo continuar no modelo implementado pelo setor privado”, conclui.

*Camila Rocha - Mestre e doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Graduada em Ciências Sociais pela mesma universidade. Ganhadora dos prêmios de melhor tese de doutorado da Associação Brasileira de Ciência Política e Tese Destaque USP na área de Ciências Humanas.

Fonte: UM Brasil

- divulgação -

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