Gazeta da Torre
Bairro da Torre, Recife/PE |
A proposta de atualização do texto do Código Civil,
apresentada no início de abril, por um grupo de trabalho formado por
magistrados e juristas, tem entre seus pontos mais controversos uma sugestão no
campo do Direito Imobiliário: o reconhecimento da figura do condômino
antissocial, com a regulamentação de sua expulsão, ainda que ele seja
proprietário do imóvel.
A polêmica da ideia mora na possibilidade de expulsão do
condomínio de uma pessoa que é dona do lugar em que vive. O texto apresentado
pelo grupo de trabalho diz o seguinte sobre o tema: “Verificando-se que a
sanção pecuniária se mostrou ineficaz, a assembleia poderá deliberar, por ⅔ dos
condôminos presentes, pela exclusão do condômino antissocial, a ser efetivada
mediante decisão judicial, que proíba o seu acesso à unidade autônoma e às
dependências do condomínio”.
Advogados especialistas em Direito Imobiliário
consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico afirmam que, apesar de
controversa, a proposta de criação da figura do condômino antissocial não
agride a Constituição Federal. Isso porque, conforme eles fazem questão de
lembrar, o direito à propriedade não é absoluto, o que abre as portas para a
possibilidade de expulsão do dono de uma unidade que cause problemas para os
demais moradores.
“O direito à propriedade não é absoluto, tanto é assim
que existem inúmeras possibilidades de redução ou perda desse direito, como a
penhora do imóvel, a desapropriação e a usucapião, que são alguns dos
instrumentos jurídicos que relativizam o direito à propriedade e dão voz à
função social do imóvel”, afirma Aleksander Szpunar Netto, membro do Instituto
Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim). Ele destaca, porém, que a expulsão
é uma medida extrema, que só deve ser tomada se outras ações menos radicais não
apresentarem bons resultados.
O advogado ainda recorda que o artigo 1.228 do Código
Civil atualmente em vigor, em seu §2º, em consonância com as garantias
constitucionais, proíbe atos do proprietário que não tragam a ele “qualquer
comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem”,
o que, segundo Szpunar Netto, evidencia a intenção do legislador de relativizar
o direito à propriedade.
Regra mais dura
O texto produzido pelo grupo de trabalho, que deverá ser
votado no Senado Federal no próximo mês, altera o artigo 1.337 do CC, que em
seu caput diz o seguinte: “O condômino, ou possuidor, que não cumpre
reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação
de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa
correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as
despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração,
independentemente das perdas e danos que se apurem”.
A proposta dos magistrados e juristas que compõem o grupo
é endurecer essa regra, introduzindo no Código a possibilidade de expulsão do
condômino antissocial.
Segundo Maria Victória Santos Costa, sócia do escritório
MV Costa Advogados, a alteração, caso entre em vigor, dará segurança jurídica a
um procedimento que já existe na prática.
“A exclusão do condômino antissocial já ocorre
atualmente, em hipóteses excepcionais. O anteprojeto inova ao prever
procedimento específico, com deliberação em assembleia e decisão judicial. O
direito à propriedade pode ser limitado em prol do interesse social”, disse
ela. “O exercício abusivo da propriedade do condômino pode interferir na esfera
de direitos de seus vizinhos, relativos à propriedade, ao sossego, à intimidade
e à saúde. O procedimento previsto no anteprojeto oportuniza a manifestação do
condômino em assembleia e em processo judicial, antes que a exclusão aconteça.”
Luís Rodrigo Almeida, sócio do Dib, Almeida, Laguna e Manssur
Advogados, afirma que, nos casos em que não há como resolver o conflito
amigavelmente, não existe outra saída que não seja resolver a questão na
Justiça.
“Eu já vi casos em que o condômino brigava todos os dias
com os vizinhos. Teve um caso em que ele até chegou a agredir uma criança.
Enfim, condutas que realmente não há como tolerar. Existe uma incompatibilidade
de convivência nesses casos, e é preciso haver um remédio judicial. Nesse caso,
o acusado também terá amplo direito de defesa, e isso não interfere no direito
à propriedade.”
Direito garantido
Evidentemente, não será qualquer desavença que culminará
na expulsão do morador do condomínio, pois continuarão existindo meios de
solução do problema fora do Poder Judiciário, que só deverá ser acionado em último
caso.
Conforme diz Aleksander Szpunar Netto, embora não seja
absoluto, o direito à propriedade deverá ser levado em conta se for aberta uma
ação judicial contra o condômino que não se comporta bem, entre outros direitos
fundamentais.
“Destaco ainda que, seja o condômino um inquilino ou o
proprietário, sua defesa será pautada, em especial, no direito fundamental à
moradia, e, caso seja proprietário, também no direito fundamental à propriedade
e sua função social.”
Fonte: Victória Cócolo, repórter da revista Consultor Jurídico
- divulgação -
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