Gazeta da Torre
Em meio a uma pandemia que já causou mais de 128 mil
mortes no país e cuja curva de transmissão continua subindo, milhões de
brasileiros são obrigados a pegar o transporte público para ir trabalhar.
Quem não tem o privilégio de poder trabalhar de casa ou
de morar perto do trabalho precisa enfrentar todos os dias ônibus, trens e
metrôs frequentemente lotados, correndo risco de se contaminar com o
coronavírus.
Conforme os locais que aderiram à quarentena vão
flexibilizando as medidas de isolamento, o uso do transporte público aumenta
ainda mais.
O uso do carro, embora seja uma opção mais segura para
quem tem, coletivamente pode levar a um caos urbano ainda maior em cidades nas
quais o trânsito já é extremamente problemático, como São Paulo, Rio de Janeiro
e Florianópolis.
"Os carros são muito ineficientes no uso da
infraestrutura urbana. Se todos nós andarmos de carro, ninguém se mexe",
diz o engenheiro Carlo Ratti, diretor do laboratório de cidades no MIT, nos
EUA.
Para quem não tem escolha e precisa usar o transporte
público, há medidas que podem ser tomadas para se proteger e ajudar na
"redução de danos". Algumas são mais óbvias e outras nem tanto —
entenda quais são elas e porque elas são importantes.
Cuidados básicos
O ponto essencial para a proteção de todos, segundo a
Fiocruz, é que todos os passageiros e funcionários estejam usando máscaras.
Embora não haja uma lei nacional, a maioria dos Estados tornou o uso do item
obrigatório em espaços públicos, incluindo no transporte.
O uso por todos é importante porque as máscaras funcionam
como "uma barreira para gotículas potencialmente infecciosas",
segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde).
"Com a força da tosse ou do espirro, as gotículas
voam longe. A máscara cirúrgica não filtra o vírus, mas ajuda a impedir que
essas gotículas se espalhem demais, contaminando pessoas e superfícies",
explica o virologista Jonatas Abrahão, da Sociedade Brasileira de Virologia e
professor da Universidade Federal de Minas Gerais.
É por isso que é fundamental que, além de usar máscara o tempo todo, se mantenha o máximo de distância possível caso veja alguém sem máscara.
A máscara é a medida mais básica necessária no transporte
durante a pandemia, mas há outras que estão entre as mais essenciais,
orientadas pela Fiocruz e também por empresas de transporte, como a SPTrans,
que regula a circulação em São Paulo. São elas:
- Não coloque as mãos no rosto durante o trajeto
(mantenha-as especialmente longe dos olhos, boca e nariz)
- Ande com álcool em gel e aplique nas mãos durante a
viagem se o trajeto for longo
- Assim que chegar ao destino, lave as mãos antes de
fazer qualquer outra coisa — inclusive antes de tirar a máscara
- E limpe com álcool em gel os objetos pessoais que tocar
durante o trajeto (como chaves e o celular)
- Dê preferência de pagamento por cartões magnéticos
(como o Bilhete Único, em São Paulo), já que o uso de dinheiro ajuda a propagar
a transmissão
- Se tossir ou espirrar, cubra o rosto com o antebraço
- Ao chegar em casa, coloque as roupas imediatamente para
lavar
Circulação de ar
Há também uma série de outras medidas que devem ser
tomadas por quem consegue, segundo pesquisas que se debruçam sobre a relação
entre o uso de meios de transporte e a transmissão de doenças.
Se você tiver a opção de planejar mais de uma rota
diferente ao trabalho (como ir de ônibus + metrô; só de ônibus; de trem) é
preferível sempre escolher a rota menos lotada. Se o nível de lotação for o
mesmo, dê preferência para o meio que vá ter mais circulação de ar, explica
Nick Tyler, pesquisador de transporte da University College London, que modelou
a maneira como o vírus se propaga nos ônibus.
"Ao ar livre, as gotas se dissipam no ar e no
vento", explica. "Uma vez dentro de algum ambiente, você tem muito
menos movimento."
Apesar dos metrôs nas cidades brasileiras empurrarem o ar
horizontalmente e formarem grande corredores de vento, o ar que circula neles é
essencialmente o mesmo, não se dissipa. Por esse motivo, a circulação de ar nos
trens do metrô é mais difícil do que em ônibus ou em trens de superfície.
De acordo com um estudo de 2018 realizado por Lara Gosce
na University College London, as pessoas que usavam o metrô de Londres
regularmente eram mais propensas a sofrer sintomas de gripe do que aquelas que
não o faziam.
Portanto, se você tem a opção de circular somente de
ônibus em vez de usar o metrô, e a lotação de ambos os meios for a mesma, o
ônibus é preferível.
Onde sentar
Há um conselho muito comum para o metrô de Nova York:
"nunca entre em um vagão de metrô vazio". A ideia é que você não quer
descobrir por que todo mundo evitou aquele vagão — na melhor das hipóteses, um
cheiro ruim; na pior das hipóteses, você pode ser assaltado.
Esse conselho ainda vale para muitos — se você for uma
mulher que precisa se deslocar à noite, por exemplo —, mas, na pandemia, evitar
multidões é prudente, se possível.
No Brasil, no entanto, nem sempre as pessoas têm sequer a
opção de escolher pegar o próximo ônibus ou escolher onde ficar no metrô, já
que a oferta de transporte público não costuma ser abundante.
Se você estiver entre os que têm o privilégio de poder
escolher o seu lugar, há uma série de coisas que pode fazer.
Um estudo chinês recente observou como a proximidade dos
assentos afetava o risco de transmissão nos trens.
Ao rastrear as viagens e lugares sentados de mais de 2
mil pessoas com o vírus na rede ferroviária de alta velocidade da China entre
dezembro de 2019 e março de 2020, eles foram capazes de ver como o vírus se
moveu entre os passageiros.
Sentar na mesma fileira, especialmente ao lado, carregava
o maior risco neste ambiente específico. Aparentemente os encostos entre as
fileiras do tipo de trem que eles examinaram — um trem intercidades chinês de
alta velocidade — podem ter fornecido uma espécie de barreira.
Trajetos mais longos, talvez sem surpresa, aumentaram o
risco, mesmo para aqueles sentados a algumas fileiras de distância.
Depois de duas horas, uma distância de menos de 2,5 m sem
máscara era insuficiente para evitar a transmissão, descobriram os
pesquisadores. Um fato um tanto tranquilizador descoberto pela pesquisa é que
usar o mesmo assento anteriormente ocupado por uma pessoa com coronavírus não
aumentou significativamente o risco de contraí-lo.
Evite comer e evite conversar dentro de ônibus, metrôs e
trens. Essas são duas das orientações da SPTrans para os usuários do transporte
público na pandemia que dão uma pista de onde escolher sentar ou ficar de pé,
se tiver opção.
Ambientes barulhentos, onde as pessoas devem se inclinar
e gritar para serem ouvidas, apresentam maior risco do que espaços mais
silenciosos. Acredita-se que essa seja uma das razões pelas quais boates, bares
ou frigoríficos tiveram altos níveis de contágio.
Portanto, se puder escolher seu lugar no transporte,
fique longe de grupos de pessoas conversando e de pessoas comendo — que
precisam retirar a máscara para fazê-lo.
O que vem pela frente
Embora viajar regularmente no transporte público envolva
um aumento no risco para os indivíduos, no momento não está claro exatamente
quanto.
Christina Goldbaum relatou recentemente para o jornal The
New York Times que o rastreamento de contatos no Japão, na França e Áustria não
encontrou ligações entre os surtos e as redes de transporte público — a
situação do transporte nesses países, no entanto, é bem diferente da
brasileira. E não há uma pesquisa do tipo publicada no Brasil.
Alguns modelos matemáticos também sugerem que o
transporte público bem ventilado com o uso de máscara é menos arriscado do que
alguns outros ambientes internos, como um bar lotado e abafado.
O momento aumenta ainda mais a necessidade de o poder
público priorizar a questão do transporte, ampliando a oferta e o alcance das
redes municipais.
Como passageiros, o que podemos fazer é exigir essas
mudanças das autoridades, seguir as medidas de segurança e esperar chegarmos a
um ponto melhor.
Fonte:BBC News Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário