Gazeta da Torre
Gestores públicos precisam se organizar para que recursos
da lei emergencial para o setor cheguem aos trabalhadores culturais que ficaram
sem renda
O desmonte da cultura não é de agora, e nem a partir da
ascensão de governos autoritários e dos discursos de ódio que passaram a
criminalizar os trabalhadores da cultura. Porém, mesmo com essa conjuntura
política, por mais paradoxal que possa ser, a cultura conseguiu uma importante
vitória com a aprovação da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc, fruto de
muita mobilização dos trabalhadores em diálogos constantes com deputadas e
deputados no Congresso Nacional. A Lei 1417/20 irá transferir R$ 3 bilhões do Fundo
Nacional de Cultura aos governos estaduais e municipais. O principal desafio é
garantir que os recursos cheguem em quem de fato precisa, aos trabalhadores da
cultura que ficaram sem renda.
A Lei Aldir Blanc tem três objetivos: renda emergencial;
subsídio mensal para manutenção de espaços artísticos e culturais,
microempresas e pequenas empresas culturais, cooperativas, instituições e
organizações culturais comunitárias que tiveram as suas atividades
interrompidas por força das medidas de isolamento social; e chamadas públicas
por meio de editais ou prêmios para realizações de atividades artísticas que
possam ser transmitidas pela internet ou disponibilizadas por meio de redes
sociais e outras plataformas digitais.
Segundo o Decreto 10.464 que regulamenta a Lei 1417/20, o
Estado ficará responsável pelo pagamento da renda emergencial e os Municípios
pelo subsídio mensal aos espaços culturais. Tanto Estado quanto Município
deverão elaborar e publicar editais, chamadas públicas ou prêmios, e no mínimo
20% dos recursos deverão ser destinados para esse fim sem que haja sobreposição
entre os entes federativos.
Os recursos serão transferidos da União para os estados e
municípios, preferencialmente por meio dos fundos estaduais, municipais e
distrital de cultura ou, quando não houver, de outros órgãos ou entidades
responsáveis pela gestão desses recursos. Por mais que a lei não exija a adesão
dos estados e municípios ao Sistema Nacional de Cultura, a operacionalização
para receber este recurso é complicada.
Muitos municípios que nem sempre tem uma pasta exclusiva
da cultura, e por diversos casos são divididas com a educação, turismo, e
esporte, irão receber valores nunca antes vistos e com uma equipe reduzida para
operar toda a burocracia. Os dados do Mapa Da Desigualdade 2020 mostram, por
exemplo, que municípios como Mesquita e Guapimirim empenharam 0,00% no
orçamento da cultura em 2018. De acordo com estimativas da Confederação
Nacional de Municípios, estas duas cidades na Baixada Fluminense vão receber, respectivamente, R$1.194.065,71
e R$424.838,63. O total previsto para o governo fluminense é de
R$103.152.867,83.
Os estados têm 120 dias e os municípios 60 dias, contados
a partir da data do repasse feito pela União, para enviar seu plano de
implementação com a destinação dos recursos – e, além disso, deverão publicar
regulamentações próprias. A participação da sociedade civil no acompanhamento,
fiscalização e construção do plano de implementação é de extrema importância.
Outro fator para implementação da lei é avaliar a
realidade de espaços culturais, para transferência dos subsídios mensais, que
são de, no mínimo, R$3 mil e, no máximo, R$ 10 mil, de acordo com os critérios
estabelecidos pelo gestor local. Para isso, os municípios precisam atualizar os
seus cadastros para fazer esse mapeamento. O Mapa da Desigualdade 2020 nos
mostra que a Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro tem 186 museus,
sendo sua maioria concentrada na capital. Os dados provocam a reflexão sobre
apagamentos históricos e a identificação de novos lugares de memória e
representação para além das versões oficiais.
Sobre a compreensão de espaços culturais, a Lei 14017/20
é bem abrangente. Estão descritos: pontos e pontões de cultura; teatros
independentes, escolas de música, de capoeira, artes, estúdios, companhias e
escolas de dança; circos; cineclubes; centros culturais, casas de cultura e
centro de tradições regionais; museus comunitários, centro de memória e
patrimônio; bibliotecas comunitárias; espaços culturais em comunidades
indígenas; centro artísticos e culturais afro-brasileiros; comunidades
quilombolas; espaços de povos e comunidades tradicionais; festas populares e de
caráter regional; teatro de rua e demais expressões artísticas e culturais
realizadas em espaços públicos; livrarias, editoras e sebos; empresas de
diversão e produção de espetáculos; estúdios de fotografia; produtoras de
cinema e audiovisual; ateliês de pintura, moda, design e artesanato; galerias
de arte e fotografias; feiras de arte e artesanato; espaços de apresentação
musical; espaços de literatura, poesia e literatura de cordel; espaços e centro
de cultura alimentar de base comunitária, agroecológica e de culturas
originárias, tradicionais e populares; e outros espaços e atividades artísticas
e culturais validados nos cadastros.
A Lei Aldir Blanc resgata um debate importante para os
gestores públicos de cultura, a implementação e regulamentação do Sistema
Nacional de Cultura, criado em 2012. O sistema tem o objetivo de fortalecer as
políticas públicas de cultura por meio de uma gestão compartilhada entre
estados, municípios e a sociedade civil para ampliar a participação social e,
principalmente, garantir ao cidadão o pleno exercício de seus direitos
culturais. Dos 22 municípios da RMRJ, apenas três não aderiram ao SNC, no
entanto, só Nova Iguaçu e Petrópolis têm todos os componentes (conselho, plano
e fundo) do sistema de cultura local institucionalizados. Os demais municípios
ainda estão em fase de institucionalização, segundo os dados do VerSNC.
O trabalho só recomeçou, e caberá aos candidatos do
executivo e legislativo eleitos nas eleições municipais de 2020 seguir com a
tarefa e o debate da adesão, institucionalização e implementação dos sistemas
de cultura. No meu ponto de vista, são instrumentos valiosos para que a cultura
tenha estratégias, metas e diretrizes que precisam ser assumidas no
planejamento público; seja política de Estado, e não de governo; e que no
pós-pandemia não volte a ser objetivo de descaso, e, sim, esteja na centralidade
do desenvolvimento social e econômico, garantida como um direito.
Por Taty Maria é assessora de projetos da Casa Fluminense
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