Gazeta da Torre
Sandra Caselato,
artes plásticas e psicologia, exploradora dos processos psicológicos e das
relações humanas. Especialista em comunicação
Quando eu tinha oito ou nove anos fiz aulas de balé. Na
sala havia um grande espelho, e eu não conseguia tirar os olhos de mim mesma
enquanto dançava. O espelho me trazia autoconfiança e segurança. Admirava minha
postura e aperfeiçoava meus movimentos de acordo com o que via a professora
demonstrar. Estava orgulhosa de como "dançava bem".
No fim do ano fizemos uma apresentação para as famílias e
comunidade. Havíamos ensaiado bastante, era um momento de celebração da nossa
"evolução como bailarinas”.
O problema é que no dia da apresentação não havia
espelho... sem a referência externa de minha própria imagem refletida me sentia
insegura, perdida e até mesmo sem forças. Além do mais havia aquela multidão de
pessoas na plateia olhando para mim! De repente estava completamente
autoconsciente de meu corpo e isso era desconfortável e desconhecido. Estava
acostumada a ter como referência algo fora de mim mesma (a imagem no espelho) e
não o que ocorria internamente em meu próprio corpo. Meu poder, potência ou
capacidade de ação dependia de um fator externo e, na ausência dele, eu não
conseguia performar tão bem. A minha motivação e satisfação não vinham da ação
de dançar em si, mas de apreciar a imagem refletida no espelho.
Assim como Narciso, da mitologia Grega, que se apaixonou
por seu próprio reflexo no lago, definhou e morreu pois esqueceu de comer, eu
também me desconectava de meu próprio corpo e de mim mesma, quando focava
apenas na imagem do espelho. Penso em como, da mesma forma, a imagem de
perfeição que muitas vezes queremos retratar nas mídias sociais nos faz nos
desconectarmos de nós mesmos e do que realmente importa em nossas vidas.
Pesquisas na área da psicologia sobre motivação humana
mostram que quando os fatores motivadores são internos, como dançar pelo
simples prazer de dançar, por exemplo, a satisfação na realização e o
aprendizado da atividade, seja ela qual for, são aumentadas.
A motivação intrínseca (interna) é a motivação inerente
ou inata de fazer algo pelo próprio interesse e vontade, pelo simples prazer em
fazer, sem precisar de influência externa. É o motivador pessoal mais eficaz,
que aumenta a satisfação pessoal, a autorrealização e a autoestima.
Quando os motivadores são externos, como por exemplo
publicar fotos nas mídias sociais para receber aprovação ou reconhecimento dos
outros, a satisfação pessoal é menor ou temporária.
A motivação extrínseca (externa) é qualquer gratificação
ou incentivo fornecido por uma pessoa ou entidade externa. Empresas costumam
por exemplo oferecer bônus, elogios públicos e prêmios como motivadores. Na
escola, as notas são um motivador extrínseco e nas famílias, castigos e
recompensas costumam ser usados. Quando a motivação para realizar algo vem de
fora, os resultados a curto prazo podem até ser maiores, mas a médio e longo
prazo decaem, pois a satisfação na realização da atividade é menor ou até mesmo
inexistente.
O psicólogo Marshall Rosenberg, criador da Comunicação
Não-Violenta (CNV), sugeria: "Não faça nada que não seja por prazer".
Quando fazemos coisas em função de receber recompensas externas ou por medo,
culpa, vergonha, dever ou obrigação, a tendência é que a motivação seja baixa e
acabemos ficando infelizes, mal-humorados, irritados, deprimidos. Nós mesmos e
as pessoas ao nosso redor acabam sofrendo as consequências.
No século 13, o mestre sufi Rumi já dizia: "quando
você faz coisas a partir de sua alma, você sente um rio em movimento dentro de
você, uma alegria em fluxo. Quando a ação vem de outra parte, esse rio
seca."
Mesmo as "obrigações" de trabalho, cuidado com
a casa ou em relação aos filhos por exemplo, podem ganhar novo significado e
sentido se encontramos uma motivação interna para realizá-las.
Convido você a questionar quais as suas motivações para
realizar as atividades que realiza. Elas vêm de dentro, do seu coração, ou de fora?
O que você faz em sua vida que realmente ecoa internamente e o que resulta
somente em belas imagens ou fotografias vazias de sentido interno verdadeiro?
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