Gazeta da Torre
‘Nomadland’ - Leão de Ouro no Festival de Veneza com sua
crítica à precarização do trabalho.
Chegou precedida dos melhores rumores e não decepcionou.
Nomadland, longa-metragem que encerrou na sexta-feira (11) a seção competitiva do
Festival de Veneza, foi o primeiro a ser aplaudido de pé nesta edição e venceu
o Leão de Ouro na noite do sábado (12), premiado por um júri presidido por Cate
Blanchett. Lançado simultaneamente nos festivais de Veneza, Toronto e
Telluride, o filme também sai catapultado para o próximo Oscar.
Inspirada no livro homônimo de não ficção de Jessica
Bruder, o longa acompanha a trajetória de uma mulher que, afogada por sua
situação econômica, vai morar num trailer. Interpreta-a, com sua habitual
mistura de aspereza e dignidade, a atriz Frances McDormand, que se apaixonou
pelo livro, comprou os direitos de adaptação e propôs a Chloé Zhao, jovem
cineasta chinesa radicada nos EUA, que a dirigisse. Quando a crise de 2008
provoca o desmantelamento do povoado minerador onde ela trabalhava, essa
protagonista se vê obrigada a sair pelo país fazendo bicos. Não demora a
descobrir outros indivíduos marginalizados e transformados em mão de obra
barata pelo ocaso da indústria e reciclados como empregados da Amazon,
submetidos a contratos com duração de poucos dias ou semanas, apesar de já
estarem perto da idade da aposentadoria.
Conhecida e aclamada desde um emotivo western contemporâneo
que intitulou The Rider, Zhao observa, com acuidade e sensibilidade
inigualáveis, a subcultura que emerge entre esse precariado, onde centenas de
milhares de pessoas constituem suas próprias redes de solidariedade perante a
escassez ou a ausência de ajudas públicas. Entre elas ressuscita o fantasma de
Tom Joad e outros anti-heróis da Grande Depressão, num filme que brilha ao
demonstrar que essa indigência não tem quase nada de romântico, por mais que
assim digam os mitos sobre a fronteira. “Não está tão longe do que fizeram os
pioneiros”, diz um personagem no seu agradável quintal. Igualmente interessante
é outro assunto plenamente norte-americano: o conflito insolúvel entre
indivíduo e comunidade. Zhao parece insinuar que a solidão dos nômades pode se
tornar viciante, mas também que a autonomia nunca pode ser sinônimo de
isolamento.
Nomadland confronta atores profissionais, como McDormand
e David Strathairn, com viajantes reais que relatam suas vivências e aproximam
a ficção do filme a um registro documental que parece dar conta da situação
atual, embora Zhao tenha dito numa videoconferência com jornalistas, nesta
sexta, que não quis fazer “um filme político”. “O livro é ambientado em 2011 e
não tem a ver com a América de Donald Trump. Eu só conto histórias de pessoas”,
afirmou. Essa resposta, atribuível à alergia que o cinema norte-americano sente
pela palavra “política” —frequentemente confundida com o partidarismo ou
militância—, soa ilógica. É dispensável dizer que a realidade descrita por
Nomadland é política, e que a situação destas centenas de milhares de
marginalizados desempenhou um papel decisivo na vitória de Trump.
Fonte:El País
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