Gazeta da Torre
Empatia, aversão ao risco e preocupação com a saúde
possivelmente nortearam políticas públicas que resultaram em menores taxas de
mortes e contaminação por covid-19
Um trabalho revisional de artigos publicados em periódicos
científicos internacionais buscou compreender por que países liderados por
mulheres tiveram respostas mais eficazes no combate à pandemia do que os
governados por homens. Há evidências de que empatia, aversão ao risco e
preocupação com a saúde são algumas das diferenças sexuais em características
psicológicas identificadas nas gestoras que, possivelmente, as levaram a ter
mais sucesso. O estudo foi conduzido por psicólogos evolucionistas do Instituto
de Psicologia (IP) da USP e da University of Auckland, Nova Zelândia.
Na iminência de surtos da doença, gestoras de países como
Alemanha, Nova Zelândia, Taiwan e Noruega reagiram rapidamente, implementando
medidas restritivas, campanhas de orientação à população e foram mais empáticas
em seus pronunciamentos, resultando em menores taxas de casos e mortes por
covid-19, relata ao Jornal da USP o psicólogo evolucionista Marco Antonio
Corrêa Varella, pós-doutorando do Departamento de Psicologia Experimental do
IP. O artigo de revisão foi publicado na Frontiers in Psychology: “Pandemic
Leadership: Sex Differences and Their Evolutionary–Developmental Origins”.
A revisão abarcou os primeiros meses da pandemia e teve
como base o total de casos e mortes por covid-19 até o dia 19 de maio de 2020.
A associação entre o sexo dos líderes políticos e a variação nas respostas no
enfrentamento da pandemia foi avaliada em 194 países, sendo 19 com mulheres no
comando. Neste período, Bangladesh, Barbados, Bélgica, Bolívia, Dinamarca,
Eslováquia, Estônia, Etiópia, Finlândia, Gabão, Alemanha, Grécia, Islândia,
Myanmar, Namíbia, Nepal, Nova Zelândia, Noruega, Sérvia, Singapura, San Marin,
Suíça, Taiwan e Togo estavam sendo governados por mulheres.
Minimizar sofrimento humano
As pesquisas sobre as primeiras atuações de lideranças no
início da pandemia indicaram que líderes femininas estiveram mais focadas em
minimizar o sofrimento humano causado pelo vírus sars-cov-2, enquanto líderes
masculinos se preocuparam mais em criar políticas que impactassem menos a
atividade econômica. A escolha de políticas com base na empatia resultou em
menores taxas de mortes em países governados por líderes mulheres.
Dentre os artigos analisados, um estudo verificou que 63%
dos países liderados por mulheres, contra 50% dos liderados por homens, lançaram
campanhas de informação coordenadas uma semana antes do primeiro caso
confirmado de covid-19. Outro trabalho feito em 159 países descobriu que países
liderados por mulheres tinham taxas de letalidade médias mais baixas em relação
aos comandados por homens.
As análises também apontaram que alguns dos líderes que
tiveram respostas mais humanitárias eram mulheres (por exemplo, Jacinda Ardern,
na Nova Zelândia, Katrín Jakobsdóttir, na Islândia, Sanna Marin, na Finlândia),
enquanto as propostas indiferentes ou mesmo imprudentes tinham sido feitas por
líderes masculinos (Jair Bolsonaro, no Brasil, Stefan Löfven e o
epidemiologista estadual Nils Anders Tegnell, na Suécia). Em entrevista ao
Jornal da USP, Varella ressalta que o desempenho desastroso do Brasil na
pandemia não foi só pelo fato de o presidente ser homem. “Existem lideranças
masculinas que tiveram boa condução da pandemia e outros que abandonaram o
negacionismo e a inviável meta de imunidade de rebanho para seguir a ciência”,
diz.
Diferenças psicocomportamentais entre os sexos
Varella explica que existe uma cognição evoluída na mente
humana responsável por processar as decisões sobre liderança. Essa capacidade
mental é universal, está presente em outras espécies e foi muito importante
para coordenar melhor as ações tribais ancestrais. Nesse sistema mental sobre
liderança existe uma diferença sexual: as mulheres, em média, apresentam um
estilo de liderança voltado para o relacionamento interpessoal e tendem a ser
líderes mais comunais, intuitivas, sensíveis e empáticas; enquanto os homens
apresentam, em média, um estilo de liderança voltado para as tarefas. Eles são
mais constantes e inflexíveis nas condutas. Enquanto elas preferem status e
serem amadas, eles preferem poder e serem temidos. Esse conjunto de diferenças
sexuais no estilo de liderança está bem alinhado à melhor condução governamental
feminina da pandemia.
Empatia, foco em pessoas, aversão aos riscos e atentas à
saúde
Para o pesquisador, outro conjunto de capacidades
psicológicas que difere entre homens e mulheres e evoluiu por contribuir para a
sobrevivência e reprodução diferencial nos ambientes ancestrais pode estar
relacionado ao sucesso feminino na pandemia, diz.
Em geral, homens se arriscam mais, são mais competitivos,
têm menor nojo e baixo cuidado com a saúde, são mais focados em objetos do que
pessoas, têm menor inteligência emocional, são mais narcisistas, maquiavélicos
e têm maior psicopatia (subclínica) do que as mulheres. Elas, por sua vez, são
em média mais empáticas, focadas em pessoas, hipervigilantes e ansiosas quanto
a perigos, têm aversão ao risco, têm maior nojo e aversão a patógenos e à
contaminação, têm maior atenção com a saúde própria e alheia, vocação para
cuidar e atuar na área da saúde, e têm maior preocupação com o sofrimento e com
o bem-estar financeiro das pessoas.
Segundo o pesquisador, essas diferenças psicológicas
podem não só ajudar a explicar o sucesso feminino na liderança pandêmica, mas
também a explicar por que as mulheres, em geral, usam mais máscara, ficam mais
em casa e respeitam mais do que os homens as restrições e recomendações
epidemiológicas para diminuir a transmissão viral.
Abordagem evolutiva e do desenvolvimento para as
diferenças sexuais
No artigo, os autores indicam dois níveis para explicar
as origens dessas diferenças sexuais na psicologia humana: o primeiro diz
respeito ao desenvolvimento do indivíduo ao longo de sua vida, que vai desde a
concepção, passando pelo período embrionário, infância, adolescência, puberdade
e vida adulta, até chegar ao envelhecimento. Um dos fatores mais determinantes
neste primeiro nível é a ação da testosterona, hormônio que, ao longo dessas
fases, vai deixando a mente animal (incluindo a humana) mais masculinizada.
Varella lembra que as fêmeas também possuem testosterona, mas em quantidade
menor, e que os indivíduos não são todos iguais, pois existe grande variação
dentro de cada sexo.
O segundo nível é o evolutivo. “Durante a evolução das
espécies no passado ancestral, a seleção sexual era o processo em que os indivíduos
competiam para atrair, defender e manter os parceiros reprodutivos”, relata
Varella. Nesta fase, um dos fatores determinantes na diferença sexual era o
nível de investimentos parentais de cada sexo, ou seja, quem investia mais
tempo e energia no cuidado da prole (gestação, amamentação e criação), por ter
mais a perder, era mais criterioso na escolha de parceiro, mais cuidadoso,
empático, e se arriscava menos, enquanto o sexo que investia menos na prole era
mais competitivo, se arriscava mais, era mais violento, promíscuo e cuidava
menos de si e dos outros.
Os pesquisadores lembram ainda que os fatores sociais
podem modular essas tendências ampliando ou diminuindo as diferenças sexuais.
Entretanto, o foco da revisão foi justamente nos fatores evolutivos
(investimento parental) e hormonais (andrógenos).
Por fim, os psicólogos sustentam que fatores biológicos
(hormonais e evolutivos), ecológicos (frequência de conflitos e epidemias
passadas) e socioculturais (tradições e normas sociais locais) estão todos
conectados influenciando a condução governamental da atual pandemia.
Defendem a necessidade de aumento da
representatividade feminina na política, visto que homens e mulheres diferem na
liderança em crises, e que essas diferenças podem ser aproveitadas para
potencialmente beneficiar sociedades inteiras.
Fonte: Jornal da USP.
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