Gazeta da Torre
Quando milhões de pessoas, Brasil afora, pularam sete
ondinhas na passagem de 2019 para 2020, estouraram garrafas de champanhe e
separaram sementes de uva para garantir prosperidade e felicidade no novo ano,
ninguém esperava por isso. Quando seguidores dos mais variados e relevantes
credos fizeram suas orações por um 2020 cheio de paz, ninguém esperava por
isso. Quando se escolheu a cor da roupa para o Reveillon entre o amarelo para
ter dinheiro ou o vermelho para ter sorte no amor, também ninguém esperava por
isso. Porque mais do que um novo ano cheio de expectativas e esperanças, um ano
regido no horóscopo chinês pelo rato, o que ganhamos no primeiro trimestre de
2020 foi um ano inteiro regido por dois nomes, sinônimos entre si em sua
performance maligna: coronavírus e covid-19. Não houve ondinha que desse jeito
nesse bicho do mal. E também não houve cor de roupa que pudesse garantir um bom
ano quando a doença se espalhou como rastilho de pólvora por todas as latitudes
do planeta – qual é o tom certo para combater um vírus? Mas 2020 seguiu seu
curso, aos trancos e barrancos, é verdade, com muitas e lamentáveis perdas, e
todos, sem exceção – até aqueles que fingiam não ver o mal que se alastrava ou
o minimizava -, tiveram que se reinventar e se adaptar nesse novo e estranho
normal de distanciamento social, máscaras no rosto e vida vivida virtualmente.
Nesse novo quadro de reinvenção, a Cultura – com “C”
maiúsculo mesmo – teve um papel essencial. Porque, se nossa saúde física
depende, e muito, das descobertas da Ciência, das vacinas que estão chegando e
dos profissionais de saúde que se esmeraram e continuam se esmerando em tratar
milhares de doentes, a nossa saúde mental – e anímica – esteve nas mãos dos
bens culturais que conseguimos consumir ao longo desses meses pandêmicos.
Esteve e ainda está. E não importa se a sanidade da alma conseguiu ser mantida
maratonando séries, lendo livros ou vendo lives atrás de lives no computador. O
importante foi consumir cultura e, com ela, garantir a nossa relação com o
mundo sensível e fugaz que passamos a admirar este ano, na maioria das vezes,
apenas pelas janelas.
“Sem a cultura, e a liberdade relativa que ela pressupõe,
a sociedade, por mais perfeita que seja, não passa de uma selva”, afirmou certa
vez o escritor franco-argelino Albert Camus, coincidentemente autor de uma obra
chamada A Peste. E para que a nossa sociedade não virasse uma jângal cuja
salvação seria o ar condicionado de um shopping, consumiu-se cultura da forma
que foi possível. Os teatros, cinemas, casas de espetáculo, livrarias, estão
fechados? Caiamos, então, na virtualidade do ser e do estar, com as telas dos
computadores, tablets e celulares – eivadas da assepsia do distanciamento
social – se transformando nos novos cinemas, estantes e palcos da nova ordem.
“A música tem vocação civilizatória, porque nos ensina a
ouvir. Se a gente ouvisse mais uns aos outros, em vez de estar ressaltando
diferenças, estaríamos ressaltando semelhanças”, afirmou ao Jornal da USP o
professor Gil Jardim, maestro titular da Orquestra de Câmara da
Escola de Comunicações e Artes da USP, a Ocam. Foi pensando justamente nessa
vocação que a orquestra levou ao ar o vídeo Espero que Nomes Consigam Tocar,
uma homenagem às vítimas da covid-19 que contou com a participação do músico
Chico César.
“É também uma forma de fortalecer o vínculo entre os
cantores neste momento tão complicado, além de continuarmos cantando”, explicou
Robert Gavidia Bovadilla, um dos idealizadores do projeto.
Fonte:Jornal da USP
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