Gazeta da Torre
Para o professor e pesquisador Antônio Andrioli, desafio
é construir conhecimento em favor da natureza, aliando ciência e conhecimento
das comunidades rurais
O Brasil tem tudo para fazer da agroecologia seu modelo
hegemônico de produção de alimentos e torná-los saudáveis, sem o uso de
agrotóxicos e, por isso, sem agredir o meio ambiente. A opinião é do professor
do mestrado em agroecologia da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS),
Antônio Andrioli.
“Essas condições se devem à enorme disponibilidade de
recursos naturais, à vasta biodiversidade, diferentes climas e às muitas
experiências já consolidadas no país com o apoio de recentes políticas
públicas, como a compra de alimentos para a alimentação escolar e os mercados
institucionais”, afirma. Ele refere-se a ações dos governos petistas, como o
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e a obrigatoriedade da destinação de
30% dos recursos da alimentação escolar para compra da agricultura familiar.
Essas ações exitosas, aliás, são tratadas por Andrioli em Que Brasil é Esse?
(Editora CRV), livro publicado recentemente no Brasil após publicação na
Alemanha.
O Brasil tem até mais condições do que a Alemanha, onde a
agroecologia é o tema do momento. No entanto, seguindo orientações da
Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e tratados
internacionais envolvendo o aquecimento global, aquele país está empenhado em
construir centros de conhecimento voltados à produção de tecnologias
ambientalmente sustentáveis em diversos países. É o caso das nações africanas,
que vinham de cooperação com universidades e governos da América Latina, mas
que não puderam dar sequência por causa de mudanças nos rumos da política
interna no Brasil.
Produção limpa
Agraciado em janeiro passado com o Prêmio Baviera de
Proteção Ambiental 2020, do Bund Naturschutz (Amigos da Terra), de Munique,
Andrioli conhece bem a realidade alemã desde 2001, quando deu início ao
doutorado em universidade naquele país. Ele conta que o governo de Angela
Merkel está oferecendo condições especiais de subsídio, crédito e isenções de
impostos para a chamada “produção limpa”, menos poluente e que economize
energia, na qual está incluída também a produção de alimentos. Afinal, o país
ocupou a vanguarda da defesa do clima e dos direitos humanos.
Como a maioria dos consumidores em todo o mundo está à
procura de alimentos saudáveis, as empresas estão se posicionando para atender
a esse mercado. Conhecida pela produção de pacotes tecnológicos para as áreas
da agricultura e da saúde, a alemã Bayer está preparando ‘pacotes para a
agricultura orgânica’. “Acredito que as próximas gerações serão muito mais
ativas do ponto de vista ambiental. Então, muitas empresas estão tentando se
adaptar aos cenários futuros, produzindo para um público mais preocupado com
saúde e meio ambiente. Além disso, não podemos esquecer que existem inúmeros
tratados e acordos internacionais que influenciam governos a apoiar uma
agricultura menos poluente.”
Terceiro mundo
Entretanto, ressalta, as empresas não têm nenhum problema
em exportar seus produtos altamente tóxicos, poluentes e rejeitados para os
países do assim chamado Terceiro Mundo. Contam, inclusive, com o apoio e a
conivência de governos de países da Ásia, África e América Latina.
“O acordo proposto pela União Europeia com o Mercosul é
um desses exemplos, prevendo redução de taxas alfandegárias para a exportação
de agrotóxicos e medicamentos. A Bayer comercializa 12 ingredientes ativos no
Brasil que não são autorizados na Europa. E, essa venda ainda tende a aumentar,
muitas vezes em combinação com cultivos transgênicos.”
Engajado durante muito tempo na crítica a uma forma de
produção de conhecimentos despreocupada com a saúde e o meio ambiente, Andrioli
(na foto) é um dos organizadores do livro As Sementes do Mal (Editora Expressão
Popular). Nos últimos anos, colocou no foco da sua pesquisa o fortalecimento no
Brasil da agroecologia. Por isso, dedica-se hoje à construção de propostas
viáveis para a produção de alimentos saudáveis – o que, evidentemente, não
dispensa a crítica.
“Para produzir de forma agroecológica é necessário
superar a forma mecanicista, reducionista e positivista de interpretar a
natureza. Estou empenhado na construção de conhecimento que esteja mais
coerente com os novos rumos que a agricultura mundial terá que tomar se
quisermos ter uma chance de vida futura para a humanidade.”
Na sua concepção, as universidades e institutos públicos
de pesquisa terão grande papel nesse novo contexto, tendencialmente mais
favorável à agroecologia no Brasil, para que o controle do conhecimento esteja
vinculado às organizações dos agricultores e consumidores.
Defesa da saúde
Como todas as grandes transformações são produzidas a partir
das contradições da realidade, ele acredita que é somente a mobilização social
e política em defesa da saúde que motivará essa mudança. E isso demanda a ação
coletiva em torno de uma mesma necessidade – de se alimentar de uma forma mais
saudável.
“Acredito que com a mobilização pelo direito
constitucional à saúde, no qual está incluída a qualidade de vida, teremos
novas possibilidades de construir uma outra forma de produzir alimentos. O
direito humano à alimentação e a um meio ambiente saudável também é do
agricultor e da agricultora que estão produzindo em condições insalubres e
insustentáveis.”
Nesse sentido, o desafio é construir conhecimento em
favor da natureza, aliando descobertas científicas com o conhecimento
tradicional das comunidades rurais que há muito produzem alimentos sem usar uma
gota de veneno. Por outro lado, já foram dados os primeiros passos por muitos
agricultores que praticam a agroecologia e a agrofloresta. Produtores rurais,
que para Andrioli precisam ser reconhecidos pelos governos e a sociedade,
remunerados adequadamente pelos serviços ambientais que prestam ao bem comum. “É
o caso da preservação das águas, da vida e do trabalho no campo. Que Brasil
será esse? O Brasil do futuro, com mais vida e uma vida melhor.”
Fonte:Rede Brasil Atual
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