Gazeta da Torre
O mercado de arte contemporâneo ganhou espaço nas mídias,
especialmente na última década, com destaque para os altos valores das obras e
também pelas pessoas bem relacionadas presentes nos eventos de arte.
Manchetes como “Sócio da Ambev compra obra de Beatriz
Milhazes por R$16 milhões” alimentam a imagem de artistas como agentes atuantes
no sistema, os quais, com suas ações, dentro e fora do circuito de arte, podem
afetar a dinâmica de venda e suas atuações dentro do mercado de arte. Na teoria
da arte, desde os tempos mais remotos, é possível perceber artistas sendo
reconhecidos como agentes sociais (LIPOVETSKY, 2014). Suas imagens e suas
marcas, muitas vezes, ganham mais destaque do que suas produções artísticas.
Para entender a produção de um artista, os teóricos recorrem constantemente
para a trajetória pessoal e o contexto em que este está inserido, permitindo ao
público consumidor entender a sua trajetória e mesclar esses conhecimentos com
reflexões acerca das obras. A análise de Reitlinger (1961), por exemplo, em
relação às vendas em leilões de artistas europeus do século XVII já adiantava
que artistas sempre foram “marcas”, a partir de suas reputações e de seus
status sociais, que elevavam os valores de venda e também podiam manipular o
desejo dos consumidores por determinado artista.
Para a área de marketing, marca refere-se a um nome,
símbolo, desenho (ou a todos eles em conjunto), que servem para identificar os
bens ou serviços de uma empresa ou conglomerado, a fim de diferenciá-los da
concorrência (KOTLER, 2000). Para a sobrevivência da marca no mercado, são
utilizados parâmetros chamados de brand equity, os valores da marca, que estão
diretamente ligados ao nome e aos símbolos da marca. Segundo Aaker (1992), para
mensurar os valores são considerados cinco parâmetros: lealdade da marca;
reconhecimento do nome da marca; associações da marca percebidas pela qualidade
oferecida; e também outros ativos da marca, tais como patentes, canais de
relacionamento, entre outros.
Quando Aaker (1992) e Kotler (2000) consideram uma marca
referem-se principalmente a produtos a serem comercializados no mercado,
entendendo que cada marca busca firmar-se no(s) segmento(s) em que atua(m),
visando a aumentar seu valor e abranger o(s) público(s) consumidor(es) de
interesse. Os autores não fazem referência diretamente aos artistas visuais ao
tratarem do tema, no entanto, vale ressaltar que, tal como um produto
tradicional a ser comercializado, o artista também busca se firmar no mercado
de arte, possuir aceitação do público e de outros agentes do mercado, ser
reconhecido pelas suas obras e pela sua atuação no sistema. Esses parâmetros
aproximam-se dos propostos por Aaker (1992) de valor de marca e, para que
possam ser viabilizados, precisam ser criados valores para as obras de arte.
Nesse sentido, utilizaremos a teoria de Findlay (2012), que apresenta os três
tipos de valores das obras de arte e analisaremos como estes ocorrem.
Michael Findlay (2012) faz uma analogia sobre o valor da obra de arte a partir das Karitas, as três filhas do deus grego Zeus: Thalia, Euphrosyne e Aglaea. Juntas, elas representam o charme; a beleza e a natureza; a criatividade humana e a fertilidade, respectivamente; e suas funções eram a de entreter os deuses e seus convidados com suas qualidades. Em analogia, quando trazidas para o contexto do mercado de arte, podemos representá-las como os três componentes do valor da arte: o valor comercial, o social e o essencial (FINDLAY, 2012). O autor afirma que todas as obras de arte possuem potencial para abranger esses três componentes, apesar da instabilidade que o gosto da cultura e o período em questão possam acarretar.
A divisão do conceito de valor das obras no mercado de
arte nos mostra a importância de uma junção de fatores e agentes na formação
desses valores, podendo considerar o processo de gestão da carreira do artista.
Quando levado para este âmbito, é possível perceber aproximações da trajetória
do artista e de suas obras à de uma “marca”. Conforme afirmado por Kotler
(2000), a marca é um conjunto de elementos que serve para identificar os bens
de uma empresa e diferenciá-los da concorrência. Uma vez transferidos para o
mercado de arte, entender o artista como marca significa, nas palavras de
Thompson (2014, p. 100), “o resultado final de uma experiência criada por uma
empresa com seus clientes e também à mídia durante um longo período de tempo e
a perspicácia do marketing e relações públicas que reforçam esta experiência”.
É esse conceito que o autor define como branding.
Para que seja possível a existência das Karitas ou os
valores da arte (FINDLAY, 2012), faz-se necessária a mediação do mercado de
arte entre o artista, os agentes difusores de suas obras (galerias, museus,
exposições, feiras, entre outros) e o público consumidor. Esse processo de
mediação é um dos fatores-chave para que os valores sejam estabelecidos, uma
vez que abrange desde a etapa de produção de obra até as revendas no mercado secundário.
O mercado primário pode ser explicado pela representação
de artistas e a primeira venda de suas obras, participando muitas vezes da
introdução dos artistas no mercado de arte. É responsável pela inclusão dos
artistas nas principais exposições, por colocá-los em pauta para a crítica e
teoria da arte e, também, inicia o diálogo com colecionadores para investirem
na criação de valores para essa produção. É possível colocar o mercado primário
como o intermediário entre o consumidor e a entidade ofertante (nesse caso, o
artista), no qual o mercado assimila as produções artísticas e as disponibiliza
aos consumidores e artista em termos de distribuição dos produtos (obras) e
informação sobre suas disponibilidades e condições para aquisição e/ou apreciação.
O mercado secundário, no entanto, tarda em assimilar
artistas contemporâneos por conta do distanciamento histórico que não os
legitima com rapidez para a revenda das obras. Atualmente esse mercado tem uma
grande concentração de obras modernas e antigas: produções que já possuem
apreciação, preço e tradição e estão no repertório cultural dos consumidores
desse segmento.
Considerando os parâmetros de brand equity de Aaker (1992), percebemos que, quando estes são pensados para os artistas-marcas, estes sofrem adaptações ligadas ao sistema das artes. A lealdade à marca, o reconhecimento do nome, dá-se a partir da participação dos artistas em eventos, coleções, posicionamentos e também pelas suas participações em redes sociais. Os ativos dos artistas-marcas relacionam-se às exposições, às coleções em que constem as obras, entre outros, associando à ideia de valor social das obras de Findlay (2012). Esses parâmetros podem acarretar mudanças no valor de marca do artista, de acordo com as decisões tomadas por ele próprio em relação às suas posições e participações no mercado, e também aos agentes do sistema, que podem considerá-las positivas ou negativas para o brand equity.
Para além de entender o funcionamento das marcas de
maneira empresarial, o branding permite então analisar a atuação da marca
dentro do sistema que possui diferentes agentes para que ocorra o funcionamento
e legitimação dos artistas. Nesse sentido, o processo de legitimação dos
artistas contemporâneos ocorre tanto no mercado primário quanto no secundário.
O processo ocorre numa lógica de “aceitar o não aceito por consenso” e é
realizado por um conjunto de agentes do sistema, dependendo do contexto em que
ocorre, podendo ser nos níveis regional, nacional e internacional. A
dependência de outros agentes pode se enquadrar no conceito do marketing de
co-branding, no qual associações de marcas tornam-se elementos-chave para a
valoração de cada uma das marcas envolvidas (brand equity).
Quando consideramos, então, a formação das marcas dos
artistas, não podemos nos distanciar do processo de legitimação perante o
sistema da arte, da formação de valores das suas obras e de suas associações
com outros agentes do sistema. Ao formar essa marca os artistas passam a
atender a todos os tipos de valores para suas obras, sendo reconhecidos pelos
seus pares e outros agentes e, por consequência, garantindo uma maior permanência
dentro deste mercado.
Por Cássia
Pérez da Silva, mestranda do Programa Interunidades de Estética e História da
Arte (PGEHA) da USP
Referências
AAKER, David
A. The Value of Brand Equity. Journal of Business Strategy, v. 13, n. 4, p.
27-32, 1992. Disponível em: https://doi.org/10.1108/eb039503.
FINDLAY,
Michael. The Value of art: money, power, beauty. New York: Prestel, 2012.
KOTLER,
Philip. Administração de Marketing: a edição do novo milênio. 10. ed. São
Paulo: Prentice Hall, 2000.
LIPOVETSKY,
Gilles. A estetização do mundo: viver na era do capitalismo artista. São Paulo:
Companhia das Letras, 2014.
REITLINGER,
Gerald. (1961). The Economics of Taste: The Rise and Fall of Picture Prices,
1760-1960. Hacker Art Books, 1982.
THOMPSON, Don. The Supermodel and the Brillo Box: The Back Stories and Peculiar Economics from the world of contemporary art. New York: Palgrave MacMillan, 2014.
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