Gazeta da Torre
A escritora Nélida Piñon |
“Teria de haver uma revolução social, no sentido de
infundir ânimo por conhecimento nas pessoas – saber torna uma pessoa
fascinante”, analisa a escritora, imortal da Academia Brasileira de Letras
(ABL) e primeira mulher a ter presidido a instituição, Nélida Piñon.
Em entrevista ao UM BRASIL, ela comentou os desafios de
criar um país com mais leitores, as dificuldades de acesso aos livros e a
presença das mulheres na literatura nacional. “Os pais deveriam ter a
literatura como um bem almejado para os filhos”, defende. Ainda falta nos
brasileiros uma busca pela ascensão social por meio do saber e dos livros,
segundo ela.
“Temos de provar aos jovens brasileiros que quando você
sabe, você é até eroticamente mais interessante”, explica Nélida. “Você quer ao
seu lado pessoas que te estimulem a ver o mundo de uma maneira dilatada através
do viés da imaginação.” Sobre as escolas brasileiras, ela diz que é necessária
uma mudança estrutural. “Aqui você não aprende o que é essencial sobre o
trabalho educacional: ouvir, pensar, responder, contestar, buscar uma mínima soberania
das ideias”, observa.
Na visão da escritora, nossa sociedade não tem apreço
pela cultura em sua forma oficial (como os livros), além de não termos formação
educacional para entendermos o que lemos. “Deve-se entender as nuances contidas
num livro”, explica. O sistema terá de ser revigorado e refeito, no
entendimento da entrevistada.
“Como você pode fortalecer o sistema educacional para uma
criança que não tem casa? Uma criança brasileira não tem lugar onde ler, só
isso já é um drama”, justifica. Para Nélida, somos uma sociedade que, de algum
modo, disfarçou suas precariedades por meio da imitação. “Imitamos os modismos
que vinham do exterior e somos muito vulneráveis ao que vem de fora, que
automaticamente desvaloriza o que é produzido aqui dentro”.
Para a imortal da ABL, não nos damos conta de que, ao
abraçar o que vem de fora, não conseguimos criar contraste entre o estrangeiro
e o que temos. “Diria que somos excessivamente colonizados”, conclui. Nélida
explica ainda que tem um posicionamento muito claro sobre a participação das
mulheres na literatura.
“A nossa sociedade é indulgente com o homem: ele pode ter
uma obra não tão significativa e é quase imediatamente aplaudido. É
oficialmente lido pelas classes determinantes do poder literário. Quando a
mulher é lida, as mesmas pessoas simulam que não leram, para não ter de dizer
uma palavra favorável a respeito dela”, enfatiza.
Apesar de reconhecer que a mulher chegou tardiamente ao
mundo clássico da cultura, pois não podia ler ou escrever, ela diz que temos
mais mulheres escritoras importantes que as estatísticas indicam. “Muitas
mulheres que são importantes escritoras não são alçadas à categoria da
plenitude e do conhecimento, pois são postas à margem.”
Entre os 40 membros efetivos da ABL, apenas cinco são
mulheres. Nélida foi a primeira mulher a presidir a instituição e exerceu seu
mandato no ano do centenário da ABL. “Exerci uma presidência com soberania e
plenitude, porque ninguém me controlou. A comunidade masculina não se dá conta
que está faltando uma figura invisível, que é a mulher, mas é um fato que as
pessoas cada vez mais estão se dando conta.”
Ainda sobre esse tema, ela entende que a língua
portuguesa tem características machistas (como os plurais que são, em sua
maioria, no masculino, por exemplo). “A língua tem decisões machistas, mas é
machista sobretudo porque o homem fala o tempo todo e não deixa a mulher
falar”, afirma Nélida. “Sou uma feminista histórica, muito consciente e atenta.
Busco a beleza no texto e tenho empenho de reverenciar a língua portuguesa.”
Segundo ela, a sociedade vai ter de ser trabalhada e vai
buscar soluções para essa questão. Já sobre o fato de escritores brasileiros
serem pouco conhecidos no exterior, ela afirma que isso deriva de várias
razões, entre elas, o fato de poucos brasileiros escritores terem ido viver
longas temporadas na Europa. “Houve uma vacância nossa nos grandes centros
decisórios. Não há uma política de expansão cultural nossa e a diplomacia
brasileira nunca se empenhou nisso”, diz.
Acerca da política nacional, ela se afirma tão perplexa
quanto qualquer outra pessoa. “Parece-me que é um dano que não tem reparação.
Como vamos voltar a acreditar que nossas utopias do passado eram possíveis?”,
questiona. Segundo ela, a criação de Brasília quebrou a coluna vertebral no
Brasil e deixou vácuos no poder. “Criou-se um império do qual o brasileiro foi
expulso.”
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