Artigo de Jacobo Pedraza
Descrever Jesús Elorza, community manager do Google, sem
os anglicismos que ele usa com frequência é um desafio. Seu aspecto – barba,
camisa abotoada até o último botão – é de hipster (termo
frequentemente usado para se referir a um grupo de pessoas pertencentes a um
contexto social subcultural da classe média urbana). Sua fascinação pelas redes
sociais, pelos gadgets (tem um smartwatchconectado ao smartphone) e seus apps o
transformam em um techie (pessoa que seja especialista na
utilização de dispositivos tecnológicos). Seu emprego o transforma em
protagonista da mudança da atual geração que está com 30 anos e tem uma nova
forma de entender o trabalho.
Em parte é porque Jesús, 27 anos, que trabalha há quatro
na sede da Google em Dublin (capital da Irlanda), passa o dia fazendo
videoconferências, com o outro olho na tela do seu celular, onde se misturam
vida pessoal e profissional até se confundirem. E, em parte são todas as comodidades
que desfruta, e que fazem com que os escritórios da Google sejam qualquer coisa
menos aquele espaço espartano no qual trabalhavam as gerações anteriores à
dele.
“Temos muita flexibilidade no trabalho, vários
restaurantes com comida de graça e, claro, muito boa, formação contínua,
ginásio e piscina dentro do edifício, massagem, centro médico, salão de
jogos...”, vai enumerando, recitando o modelo que Laszlo Bock, chefe de RH da
Google (lá eles chamam de “gestão de pessoas”), descreve em seu livro Um Novo
Jeito de Trabalhar: “Eu chamaria de um projeto de alta liberdade no qual os
funcionários gozam de capacidade de tomada de decisão. Os líderes que criam o
ambiente adequado vão se transformar em ímãs para as pessoas com mais talento
do planeta”, explicou Bock no livro. Mas muito mais importante do que tudo isso
é a maneira que Jesús pode projetar no trabalho parte de sua personalidade.
Ele ainda tem a caderneta na qual, há quatro anos,
escreveu “trabalhar na Google” como um dos seus objetivos. Ele não presta um
serviço. Contribui com sua personalidade para o projeto. É um trabalhador do
futuro.
“A tecnologia trouxe mudanças drásticas no mundo do
trabalho. Podemos resumi-las na hiperconectividade”, anuncia Juan
Martínez-Barea, embaixador na Espanha da Singularity University, instituição
acadêmica impulsionada pela NASA e localizada no Vale do Silício. Ele é autor
do livro El mundo que viene (O mundo que virá). O telefone acelerou o ritmo de
um mundo que deixou de depender do correio físico, mas as novas tecnologias
provocaram algo muito mais drástico: tornaram prescindíveis os horários e os
espaços comuns, aumentaram a disponibilidade e encorajaram a promiscuidade
entre trabalhadores e empregadores.
Este último é essencial para começar a entender a mudança.
Em um ambiente no qual qualquer um pode expor seus talentos para todos, seja
como um portfólio em forma de conta do Instagram ou com currículo no LinkedIn,
as empresas têm um acesso exponencialmente mais fácil aos possíveis empregados.
São elas, portanto, que precisam ser atrativas para os trabalhadores, e não
vice-versa, como até agora.
“O fardo agora é da empresa” confirma Margarita Álvarez,
diretora de comunicação e marketing da Adecco Espanha, o maior fornecedor
mundial de recursos humanos: “As grandes empresas tecnológicas e as start-ups
mudaram o mercado. Agora lutamos todos, grandes e pequenos, pelo mesmo talento
em um mercado sem barreiras. Procuramos pessoas que querem algo mais que uma
carreira para toda a vida, que querem rapidez, propostas constantes de projetos
interessantes, flexibilidade, bons companheiros...”.
Jesús recebe da Google uma atitude que seria considerada
marciana em décadas passadas. “Você controla seu tempo, os objetivos, o que
quer aprender, no que quer trabalhar... E acima de tudo, o bom ambiente que
existe entre os colegas”, diz ele. Também ressalta a regra dos 20%:
“Corresponde à parte do seu tempo que pode dedicar a um projeto ou conceito a
ser desenvolvido que esteja ligado à empresa”. Ele tem espaço para fornecer
ideias mesmo fora do seu setor. Outras empresas como Adobe ou Deloitte também usam
ideias ousadas como licenças sabáticas remuneradas. Gore-Tex eliminou a cadeia
de comando e as funções dos trabalhadores, permitindo que os chefes dos
projetos sejam divididos e escolhidos por voto.
Os locais de trabalho também estão se adaptando a estes novos
parâmetros. Atribuir áreas específicas do escritório como uma recompensa (uma
sala a um trabalhador leal que foi promovido) ou como forma de promover a
dinâmica acaba sendo menos produtivo. “Há empresas muito tradicionais já estão
mudando para espaços de trabalho não nominativos, ou seja, que ninguém tem um
lugar permanente. Não há papel, não há armários para ninguém. São dispostas
grandes mesas de forma paralela para incentivar a interatividade”, diz
Margarita Alvarez.
Num ponto extremo, esta promiscuidade nos levará, segundo
previsão de Adam Davidson, colunista econômico do The New York Times, ao modelo
Hollywood, que aplica a lógica de uma filmagem a todas as áreas de trabalho.
“Um projeto é identificado, a equipe se reúne, trabalha apenas suficiente para
completar a tarefa e se separa “, explica Davidson.
“É o modelo com o qual agora as pontes são construídas,
aplicativos são criados e restaurantes são abertos”. Completa Juan
Martínez-Barea: “Vai generalizar um tipo de trabalhador autônomo, ou parecido
ao autônomo, que trabalhe dentro, graças à tecnologia que é oferecida hoje, de
equipes que duram até a conclusão do projeto”. Ainda não sabemos se a cultura
corporativa está pronta para absorver uma mudança radical de estrutura. “Toda
vez encontramos mais pessoas trabalhando na Espanha quase como freelance”,
afirma Álvarez.
Isso apesar de que ser autônomo nesse país significa,
além de mais horas de burocracia, o pagamento de uma taxa de entre 50 e 260
euros por mês, mais que na França (lá, a taxa depende das receitas), Reino
Unido (entre 13 e 58 euros anuais). A tendência pode lembrar os minijobs
alemães, mas estes pelo menos oferecem uma cobertura de seguridade social e
outras circunstâncias, tais como demissão, mas um autônomo espanhol está
sozinho. Álvarez se volta para o otimismo: “Não se trata de perder a
estabilidade, mas que as empresas acabem usando este modelo dentro de si mesmas
para oferecer ao funcionário, em forma de projetos, os próximos passos da sua
vida profissional. Seria insustentável que fôssemos todos autônomos”.
Mal-entendido, o modelo Hollywood pode ser confundido
perigosamente com uma tendência cultural impossível de parar nos últimos anos:
a gig economy, economia de trabalhos esporádicos. É a que promove as viagens de
gastos divididos do BlaBlaCar, os taxistas amadores do Uber, o aluguel de
apartamentos pelo Airbnb (um serviço online comunitário para as
pessoas anunciarem, descobrirem e reservarem acomodações).
O mesmo que
entusiasma as start-ups – fazer com o mercado de trabalho o que Uber fez com a
indústria dos táxis – preocupa muita gente – Uber multiplicou tanto os empregos
ruins quanto a economia informal. A Organização Internacional do Trabalho (OIT)
tem, na verdade, um escritório específico para as formas de emprego não
convencionais, que enfatiza a necessidade de “reconhecer que não estamos
falando de trabalhos esporádicos, tarefas, favores ou levar alguém para casa.
Falamos de trabalho.
A economia de trabalhos esporádicos pode ser o futuro, mas
precisamos começar a reconhecer que é trabalho, e trabalho deve ser decente. A
proteção do trabalho não é incompatível com a inovação”.
A OIT abriu uma linha de pesquisa sobre o “futuro do
trabalho”. O resumo é que não devemos prever o futuro, mas regulá-lo: “Cabe
perguntar se a revolução tecnológica, que é caracterizada pelo uso de
megadados, impressoras 3D e robôs, oferece um potencial tão grande a ponto de
substituir a mão de obra”, diz. É possível ir além, como faz Martínez-Barea: “O
mercado de trabalho vai se polarizar: as pessoas com baixas qualificações,
empregos com baixo valor agregado e de baixos salários são os que correm mais
risco. Os drones entregarão pedidos, os robôs fabricarão tudo e os veículos
autotransportados transportarão mercadorias”, prevê. E podemos dar de ombros,
como faz a OIT: “A tecnologia sempre acabou criando mais empregos do que
destruiu”. No futuro tudo será diferente e tudo será igual. Em outras palavras,
será o futuro de sempre.
Muito boa essa informação. Artigo muito realista.
ResponderExcluirTudo gira em torno da EDUCAÇÃO. É impressionante.
ResponderExcluir