Artigo de Luis Meyer
O freelance, enquanto empreendedor que trabalha por conta
própria, deve tomar os mesmos cuidados com a carreira que um empresário
tradicional. É preciso conquistar uma carteira fiel de clientes, aprender a
administrar o volume de projetos que assumiu, saber dizer “não” para trabalhos
que fogem do escopo do negócio.
Pablo Nuñez é um programador especialista em html5, uma
linguagem de programação impronunciável que apenas os membros de sua espécie
são capazes de entender, escrever e transformar em virtuosos sites. Um dia,
pediram a Nuñez uma série de animações em Flash, outro código reservado a uns poucos
versados em zeros e uns. "Nunca havia programado com essa linguagem, nem
me importei em aprendê-la um dia porque já estava obsoleta, mas o cliente
insistiu que eu usasse Flash", lembra. Na época apenas um iniciante na
vida de freelance, não se viu em condições de recusar o trabalho.
"Então
aceitei, porque os prazos de entrega iniciais davam margem para conseguir
entregar. O fato é que os prazos de entrega nunca são confiáveis e começaram a
me pressionar para terminar o trabalho antes. Estava tão atrasado e tão
perdido, que encomendei essas mesmas animações para uma agência, que acabou me
cobrando mais do que eu recebi", completa Pablo.
Y.J., tradutora de espanhol de romances e ensaios de
autores alemães, passou por algo parecido. "Uma empresa alemã me pediu com
urgência para traduzir seu relatório financeiro anual para uma subsidiária de
Madri. Como me davam pouco tempo, me pagavam um dinheirão, e não pude dizer
não. O problema é que o alemão jurídico tem pouco a ver com o falado, parecem
idiomas diferentes e nem mesmo um nativo de Berlim entenderia. Para mim, era
chinês, e como havia me comprometido, busquei tradutores especializados na
Internet. No final, tive um lucro muito pequeno. Foi o trabalho mais mal pago e
estressante da minha vida".
Ver o pagamento de um trabalho minguar é a melhor das
opções nesse caso. A pior das hipóteses é perder futuros contratos.
"Milhares de trabalhos bem-feitos somente poderão garantir, em parte, que
o autônomo continuará trabalhando. Um [trabalho] mal feito pode acabar com sua
carreira", alerta P.M, que presta serviços para uma consultoria de
orientação profissional.
Mikel López, psicólogo, diz que por seu divã passaram
vários freelances. "Chamo diariamente a ansiedade de 'e se...'. Muitos dos
meus pacientes que trabalham por conta própria têm pavor de não saber se
receberão no mês seguinte. Alguns aparecem com casos graves, apneias noturnas,
durante as quais levantam no meio da noite sem poder respirar", afirma.
Segundo o especialista, o quadro é agravado porque, devido à incerteza de
receita no futuro, os freelances aceitam mais trabalho do que uma pessoa normal
poderia realizar. "Têm pavor de dizer 'não' e perder oportunidades",
complementa.
Mas a ansiedade não é a única consequência de acumular
trabalho demais. Quanto menos tempo você tiver para realizar cada tarefa, pior
será a qualidade do resultado. "Trabalhava para uma agência gigante e saí
porque as horas trabalhadas não estavam em linha com meu salário. Pensei que
sozinha ganharia mais, trabalhando menos tempo. Em meus primeiros anos de
freelance não rejeitava absolutamente nada", diz Andrea Larraz, que era
designer autônoma e atualmente é responsável pela comunicação de uma empresa.
"De repente, as horas do dia não eram suficientes e faltavam dias no ano,
não dava conta. Pensei que me contratavam pelo meu valor, mas depois percebi
que era, simplesmente, porque estava sempre do outro lado da linha, disposta a
dizer sim", relata.
Larraz parou de ser chamada porque seus trabalhos estavam
cada vez mais medíocres. "Era muito boa, mas deixei meu talento de lado e
apenas pensei no dinheiro. Resumindo, não estava entregando o que estavam
pedindo, e custa muito dizer a um cliente que você vai deixá-lo na mão porque
está trabalhando em outro projeto que, aliás, muitas vezes é da
concorrência."
O grande sonho de um profissional autônomo é que um
cliente lhe pague bem e, acima de tudo, regularmente. Por isso, quando você
encontra algo assim, é tentador se acomodar nessa situação e recusar trabalhos
que considera mais chatos. Cuidado: nessa época de instabilidade econômica,
qualquer um pode te dar um pontapé da noite para o dia. Esse qualquer um pode
ser o próprio cliente.
S.V., especialista em redes sociais, passou por isso
recentemente. "Optei por ser freelance de uma só empresa, pois o salário
era bom. Mas quando meu cliente começou a ir mal, ele quis revisar as condições
de pagamento e, com isso, não conseguia mais pagar o aluguel. Decidi sair e
procurar meus antigos clientes. Todos já estavam em outra e eu fiquei sem
trabalho", afirma.
Geralmente o freelance novato peca pelo excessivo rigor.
E isso não se aplica só ao trabalho, mas também à sua administração como
autônomo. T.G. confirma: "Acontecia especialmente com aqueles que vinham
de contratos indefinidos e haviam acabado de abrir seu próprio negócio. Muitos
repassavam para a empresa os mínimos gastos. Tive que gerenciar nas contas da
empresa 0,18 euros (77 centavos de real) do celular de um freelance que teve de
ligar para um número de informações. Sejamos sérios. É justo pedir o que é
devido, mas o freelance deve assumir que o preço combinado é um serviço
completo e fechado, a menos que o trabalho tenha exigido um gasto excessivo.
Nesse caso, deve ser combinado com o cliente de antemão".
Da mesma forma, não se deve relaxar sobre o que realmente
lhe corresponde por direito. Por exemplo, o pagamento da fatura. Ser freelance
significa ser cobrador de dívidas, ficar atrás e não deixar que seja o cliente
que se lembre de pagar. Muitos sofrem de um esquecimento crônico grave
inesperado nesses casos e, se o freelance não for atrás, podem acabar com um
tipo de Alzheimer.
Cuidado com as investidas da Receita Federal. Não pagar a
tributação correspondente aos serviços prestados enquanto autônomo ou o imposto
de renda devido pode acabar arruinando a carreira de um freelance. O caso de R.
S., jornalista, é da Espanha, mas serve de alerta porque ela aprendeu a lição
às duras penas. "Não tinha de pagar o IVA [imposto europeu] por meus
artigos, então decidi que também não ia pagar como autônomo. Um dia recebi uma carta arrepiante com o
logotipo de um ministério que me cobrava. Naquela revisão veio tudo à tona e
com juros. Tive de pagar quase tudo o que tinha ganhado em dois anos",
lamenta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário