Crônica de nosso colaborador Márcio Nilo
Aeroporto Internacional dos Guararapes. Área de desembarque. Lá me encontro com a
tarefa de esperar minha filha, que retorna de São Paulo num voo noturno. Tipo
de tarefa que os pais, bobos por natureza, adoram fazer.
Gosto particularmente da área de desembarque dos
Aeroportos, que é o espaço dos reencontros por excelência e lá,
invariavelmente, conseguimos ver cenas afetuosas e de alegria. Procuro sempre
ver os rostos dos passageiros que chegam, assim como daqueles que estão a
esperar o seu amigo, o seu parente ou o seu amor. Alguns poucos com semblantes
tristes, mas a grande maioria alegre, com os rostos iluminados. E o que dizer
dos abraços que, como dizem por aí, são aqueles momentos em que dois corações
se encontram?! Estas demonstrações de afeto são bonitas de se ver (vamos fazer
de conta que inexiste a hipocrisia nas pessoas).
Cheguei com uma boa antecedência em relação ao horário do
voo da minha filha e fiquei por ali observando aquela alegre movimentação. Eis
que aparece no recinto jovem cidadão que logo chamou a atenção de todos,
principalmente pelo o que vinha trazendo em mãos: lindo, exuberante e - por que
não dizer? - majestoso buquê de rosas.
Majestoso sim, porque aquilo não era um buquê comum, era um buquê de rainha
(parafraseando Nelson Rodrigues no hilário conto "A coroa de
orquídeas" –(http://contobrasileiro.com.br/a-coroa-de-orquideas-conto-de-nelson-rodrigues/).
Ele portava aquele lindo exagero como quem toma conta de
um troféu. O sorriso estava estampado não apenas onde deveria estar, mas também
nos olhos, no rosto todo, na sua linguagem corporal. Enfim, o homem era todo
sorriso. Estava ali, sem dúvidas, um homem tomado pelo amor. Pior. Tomado pelo
amor romântico, aquele que “embobece”.
A maioria das pessoas olhou a figura com seu buquê por
alguns segundos e foi tratar de receber os seus, mas eu me posicionei a uma
discreta distância, para uma observação mais dissimulada, pois logo vislumbrei
que teria uma cena bonita de se ver, bastava esperar. Nessas situações, ficamos
estimulados a buscar no nosso imaginário particular os desdobramentos possíveis
e logo imaginei uma daquelas cenas Hollywoodianas, quando os amantes se veem e
correm um de encontro ao outro para o abraço tão esperado, de preferência, rodopiando.
Nos filmes, inclusive, mostram estas cenas em câmera lenta, pra dar mais emoção.
Neste nosso caso, a amada que estava sendo esperada (ou amado, afinal estamos
na era da diversidade) deixaria para trás as malas enquanto que o nosso
personagem principal correria com o majestoso buquê como se fosse um troféu, a
ser entregue à dona do seu coração.
Mas o tempo foi passando e não foi exatamente isso o que
aconteceu. Nosso apaixonado personagem começou a olhar insistentemente para a
saída do desembarque e para o relógio, alternadamente. Notei que já não olhava
mais o painel informando a situação dos voos, pois, imagino eu, o avião que
traria a sua rainha já tinha aterrissado. Conforme os minutos foram passando já
se notava nele um ar aflito e, em determinado momento, ele saca o seu telefone
celular e tenta a ligação que tudo iria esclarecer. Torço para que se complete
a ligação, pois a esta altura já me sinto cúmplice do cidadão e a carga emotiva
da cena já tinha me atingido. Mas o semblante dele não mudou e novas tentativas
foram feitas, sem sucesso.
Estava ali um homem perplexo. Ele olha para os lados como
em busca de socorro e desvio o olhar rapidamente. Caminha impaciente para os
lados. O majestoso buquê já não está mais em posição de troféu e agora era
carregado como um fardo, de cabeça pra
baixo. O seu semblante nesse momento mostrava decepção e tristeza.
Em dado momento, deixo de observá-lo, pois vislumbrei
minha filha (essa chegou na hora) na saída do desembarque. Após recepcioná-la,
volto a procurar o nosso personagem e o vejo já ao longe, caminhando de forma
lenta, com o buquê de cabeça pra baixo, posição incompatível com a majestade
daquela obra prima. Daí pra frente nada mais vi e tudo agora fica por conta da
nossa imaginação, pois esta história não pode acabar assim, de forma tão
abrupta.
Podemos então imaginar o desfecho com dois cenários, um pessimista e outro
otimista.
No cenário pessimista, nosso romântico personagem, na
saída do aeroporto, recebe ligação daquela que devia estar ali, ao lado dele,
com o buquê nas mãos. Ele então é
informado que o "sentimento tinha ido embora" e ela tinha "encontrado
alguém". E aí relembro clássico
aforismo de conhecido filosofo contemporâneo olindense (da corrente “filosofia
de botequim”): “o amor dói e faz sofrer”.
O buquê foi encontrado por José da Silva, auxiliar de
serviços gerais do aeroporto, enterrado num latão de lixo, com pequenas
avarias. José da Silva, rapidamente raciocinou e decidiu levar aquela maravilha
para sua companheira, que há muitos anos não ganhava um mimo. Das Dores, quando
recebeu o buquê, colocou todos os 32 dentes (alguns faltando, claro) num largo
sorriso, que só veio acabar 1 semana depois. Só para valorizar, José da Silva
não disse o valor do presente, mencionando apenas que tinha feito umas horas
extras e que o importante é que ela tinha gostado e blá-blá-blá. Como vimos, o cenário não foi tão pessimista
assim, pois pelo menos alguém ficou feliz.
No cenário otimista, o nosso romântico personagem também
recebe ligação de sua rainha, que explica tudo. Perdera o voo e correra para
garantir a vaga no próximo, que sairia 40 minutos depois. Quando tentou ligar,
avisando do contratempo, viu que a bateria do seu celular estava descarregada,
não havendo tempo para mais nada, pois a chamada de embarque tinha iniciado.
Acabara de chegar e fazia a ligação do aparelho de um passageiro. Estava
ansiosa esperando por ele na área de desembarque.
O buquê foi visto
num bonito jarro ao lado do ninho de amor, sendo testemunha ocular de cenas
inenarráveis aqui neste espaço.
Realmente uma bela crônica. O romantismo nos homens de hoje está difícil de ser encontrado. Eles nem imaginam o que uma atitude como essa pode proporcionar.
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ResponderExcluirBela crônica Nilo, parabéna pelo devaneio romântico!
ResponderExcluirFicamos imaginando se ela tivesse recebido no momento em que ele se encontrava aflito. Acho que eu cairia no choro de emoção. Nossa!
ResponderExcluirPois e José da Silva se deu bem o que valhe mesmo é a intenção, fazer o bem sem olhar a quem, belas orquídeas.
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