Gazeta da Torre
A participação das mulheres brasileiras nas eleições vem
crescendo, mas a passos lentos. Os dados da plataforma de estatísticas
eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que a proporção de
candidatas mulheres aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador cresceu
neste ano, na comparação com 2020. No entanto, ainda está muito longe da
paridade de gênero. Nestas eleições municipais, as mulheres são 15% das
candidaturas a prefeito em todo o País, 23% das candidaturas a vice e 35% das
candidaturas a vereador. Os números são indicativos da dívida que o Brasil tem
com a representação das mulheres na política.
Segundo a cientista política Beatriz Sanchez,
pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e docente
da disciplina Gênero e Política no Brasil: Teorias e Pesquisas Empíricas, da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, as atuais
regras de financiamento eleitoral ajudaram a aumentar o número de candidaturas
femininas no Brasil, embora muitos obstáculos à participação feminina
permaneçam.
Ela lembra que o Brasil tem cotas de gênero nas eleições
proporcionais desde a aprovação da Lei nº 9.100, em 1995. Inicialmente, a regra
valeu para as candidaturas de vereadores nas eleições municipais de 1996. Em
1998, as cotas passaram a valer também nas eleições para deputados estaduais e
federais. As regras de financiamento só vieram na década passada, por meio de
resoluções do TSE.
“Com a decisão do TSE, dos 30% de recursos do fundo
partidário, houve um impacto positivo na eleição de mulheres. A cota para
mulheres na política tem funcionado para aumentar o número de candidaturas, mas
para a gente atingir esses 30% levou 20 anos. Os partidos interpretam a lei
como o limite, sendo que este deveria ser o piso mínimo: a partir de 30%,
almejando a paridade de gênero”, destaca a pesquisadora da USP.
“As mulheres ainda
hoje recebem menos dinheiro dos partidos para fazerem suas campanhas. E as
pessoas que vão decidir quem vão ser os candidatos para onde vão os recursos do
partido são, majoritariamente, homens e brancos”, afirma a docente.
Mesmo com regras, financiamento segue desigual
Apesar de os partidos serem obrigados a destinar 30% dos
recursos do fundo eleitoral para candidaturas de mulheres, o aumento na
proporção de candidatas não tem se refletido no aumento da porcentagem de
mulheres eleitas. Tanto é que, em 2020, as mulheres foram 16,1% do total de
vereadores eleitos no Brasil e 12,1% do total de prefeitos eleitos.
Segundo Beatriz, o problema começa dentro dos próprios
partidos, que encontram diversas formas de burlar a regra dos 30%. “Nenhuma
regra diz que esses 30% têm que ser igualmente distribuídos para todas as
candidatas. Então, os partidos podem dar tudo para uma mesma candidata e deixar
todas as outras sem nenhum recurso”, conta a docente.
Outra prática comum é destinar a verba para a campanha
majoritária. “Você lança uma mulher como vice numa chapa majoritária e tem um
homem na cabeça de chapa. Aquele investimento é considerado como investimento
em uma candidatura feminina”, diz a pesquisadora.
Em maio deste ano, o TSE aprovou a Súmula 73, que trata
da caracterização de fraudes à cota de gênero. A norma orienta partidos
políticos, federações, candidatas, candidatos e julgamentos da própria justiça
eleitoral para as eleições deste ano. Entre outros pontos, a súmula do TSE
estipula como critérios para identificar fraudes a votação zerada ou
inexpressiva, a ausência de movimentação financeira relevante da candidatura e
a ausência de atos efetivos de campanha.
São características das chamadas candidaturas laranjas.
“São candidaturas lançadas sem nenhum apoio financeiro do partido, apenas para
cumprir a cota. Há inclusive casos de mulheres lançadas candidatas sem ao menos
saberem disso”, diz Beatriz.
A professora da USP destaca ainda exemplos de mau uso da
propaganda eleitoral: “A gente tem visto aqueles santinhos que usam na
propaganda política, que colocam um homem bem grande de um lado e uma mulher,
bem pequenininha”. Ela explica que os partidos são obrigados a cumprir a
porcentagem mínima de 5% de participação feminina também em todo o material de
propaganda. “Considerando que as mulheres são metade da população, é uma coisa
muito desproporcional”, aponta.
Menos tempo, menos capital político
Para além do financiamento, outros fatores institucionais
e culturais fazem com que o crescimento da participação das mulheres na
política avance em marcha lenta. A própria divisão sexual do trabalho pesa
contra a participação das mulheres. Segundo o IBGE, em 2022 as mulheres
brasileiras gastaram, em média, 9,6 horas a mais do que os homens com afazeres
domésticos e trabalho de cuidado. Para elas, sobra menos tempo para o lazer,
para a atividade física e também para participar da política.
Outro fator relevante é o sistema de votação adotado no
Brasil nas eleições proporcionais, que são aquelas que elegem vereadores,
deputados estaduais e deputados federais. É sobre elas que a cota de gênero
incide. “O nosso sistema eleitoral é um sistema de lista aberta, o que
significa que as pessoas votam em candidatos individualmente. Isso faz com que
a questão do capital político tenha uma importância muito grande. Por terem menor
capital político, as mulheres acabam tendo menor visibilidade para o eleitorado”,
destaca Beatriz.
Fonte Jornal da USP
- divulgação -
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