Gazeta da Torre
A desigualdade existente no Brasil impacta diferentes
setores da sociedade, tanto na parte econômica, a exemplo do desequilíbrio na
distribuição de renda, quanto na social, como o número de habitantes em
situação de rua — que, segundo relatório do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea), obteve um salto de cerca de 1000% entre os anos de 2013 e
2023. Assim, esses e outros fatores destacam como essa realidade desigual
influencia na expectativa de vida dos cidadãos.
Por exemplo, um estudo realizado em 2021 pelo Laboratório
Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade), da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo (FAU) da USP, apontou que os bairros periféricos do município de São
Paulo tiveram três vezes mais mortes por covid-19 do que os bairros centrais e,
por outro lado, tiveram menor taxa de vacinação. Além disso, a Rede Nossa São
Paulo revelou, em seu mapeamento de 2022, que a expectativa de vida do cidadão
paulistano pode variar em até 21 anos a depender de onde ele mora.
Combate à desigualdade na saúde
Segundo Fernando Aith, especialista em Direito Sanitário
e diretor geral do Centro de Pesquisas de Direito Sanitário (Cepedisa) da
Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, o principal meio para combater a
desigualdade na expectativa de vida é o fortalecimento do Sistema Único de
Saúde (SUS), a partir de financiamento público para reforçar a atenção
primária, prevenção e promoção da saúde. “A OMS estima que uma atenção primária
bem organizada consegue suprir 90% das necessidades de saúde da população de
média e alta complexidade. Os outros 10% ficariam sob cuidados médicos que
vamos precisar algum dia na vida, mas é exceção”, completa.
Ainda para ele, é necessário que haja melhorias na
formação de médicos especialistas, ao mesmo tempo em que eles devem ser
espalhados para trabalhar ao redor do país, e, dessa forma, evitar que se
mantenha a desigualdade entre as regiões do Brasil.
Outro meio apontado por Aith é a ampliação da saúde
digital: “É um campo que se abre e que é promissor para levar esses serviços
públicos de saúde para áreas mais desabastecidas e de difícil acesso”. O
fenômeno foi acelerado por conta da pandemia de covid-19, que obrigou a população
a viver pela internet e, mesmo após esse período, ele vem sendo continuado — o
que estimula o aprendizado desse novo formato para garantir serviços de
qualidade.
Outros fatores
De acordo com o especialista, doenças crônicas não
transmissíveis — tabagismo, obesidade, diabetes — tendem a afetar mais os
grupos sociais menos favorecidos, os quais tendem a possuir uma sobrevida menor
devido à ausência dos cuidados médicos e medicamentos necessários. Mas Aith
ressalta que existem outros indicadores que determinam essa desigualdade na
expectativa de vida no Brasil.
A violência e a mortalidade infantil, por exemplo, são
responsáveis por diminuir esse índice: “No município de São Paulo, os bairros
de Moema e Pinheiros possuem mortalidade infantil com índices europeus, de
cinco a seis por mil nascidos vivos. Agora, nas regiões periféricas,
principalmente as mais violentas, como o Jardim Ângela, você vai encontrar índices
de mortalidade acima de vinte por mil nascidos vivos”, aponta .
Papel do Estado
Segundo a Constituição brasileira de 1988, a saúde é um
direito constitucional, isto é, todos os cidadãos devem ter acesso a esse
benefício, que deve ser garantido pelo Estado. No entanto, apesar da criação do
SUS — um sistema público, universal e gratuito de saúde, que possui uma rede de
serviços que garantem seu acesso integral —, o Brasil possui uma defasagem no
financiamento desse setor, visto que recebe 9,6% de investimento do PIB, porém
somente 3,8% é do poder público.
“Embora a gente tenha um financiamento público do Estado
por um sistema que, supostamente, deveria ser universal, o Estado investe menos
em saúde do que a população investe no sistema privado”, diz o professor. Essa
realidade, aliada ao fato de que 150 milhões de brasileiros dependem
exclusivamente do SUS, escancara que o seu subfinanciamento não consegue
solucionar os problemas.
Além disso, a desigualdade entre as regiões do Brasil
também promove um impacto negativo no papel estatal diante dessa problemática,
porque há uma desproporcional concentração de serviços de saúde e médicos de
alta qualidade e complexidade na região Sul e Sudeste. Dessa forma, as áreas
menos desenvolvidas atraem menos esses profissionais que são fundamentais para
a garantia desse atendimento — desde o pré-natal até os cuidados da primeira
infância —, que é capaz de evitar a mortalidade infantil e, consequentemente, a
diminuição da expectativa de vida.
“Nascer em um local adequado — não precisa ser
necessariamente hospitalar, mas tem que ter os cuidados de saúde dedicados a
essa gestante para o nascimento e na primeira infância — é muito importante e é
de mais fácil acesso para a população de média e alta renda do que para a
população de baixa renda. Tudo isso impacta em expectativa de vida”, finaliza
Aith.
Fonte:Jornal
da USP
- divulgação -
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