O confinamento aumentou ainda mais a digitalização de
nossa leitura, que transforma silenciosamente nossos circuitos neurais. Há
vantagens em consumir conteúdo em papel em relação ao do celular ou de um
e-book?
Para que ou para quem é melhor, essa é a pergunta, por
Facundo Manes (Neurocientista e Doutor por Cambridge – Reino Unido).
A leitura supõe, em primeira instância, reconhecer o
formato das letras e, com elas, as palavras. Mas também, durante a leitura,
percebemos a totalidade do texto como se fosse uma paisagem. Assim, fazemos uma
representação mental dele, que serve de base para a interpretação das
informações que estamos processando. Na neurociência, não há consenso sobre
qual é o formato mais adequado para a leitura.
Muitos estudos mostram as vantagens do papel, enquanto
outros apontam que não há diferença alguma entre os dois formatos ou mostram as
vantagens do formato digital. A pergunta importante não é qual formato é
melhor, mas para quem, para quê, e quando. É o mesmo para um adulto e uma
criança? É melhor para leituras escolares, mas pior para leituras recreativas?
Existem vantagens que justifiquem o uso de um formato específico para textos de
ficção, mas não para os técnicos?
Uma das mudanças estruturais que ocorre na leitura
digital é que nela a experiência do limite não se dá de maneira tão acabada
como na leitura no papel: quando lemos na tela vemos apenas uma parte do livro,
podemos avançar ou voltar ao longo do texto, mas essa noção de finitude não é
tão clara. É por isso que a metáfora da "navegação" usada para se
referir à Internet não é aleatória, já que não há caminho predeterminado e
também não se sabe onde está a margem.
Um livro tradicional, por sua vez, oferece ao leitor
traços topográficos que lhe permitem se orientar sem perder de vista o
conjunto: a página à esquerda, a página à direita, os quatro cantos e um texto
fluido que não é interrompido por links ou anúncios. A isto se soma a
possibilidade de tocar as páginas com as mãos e deixar um rastro à medida que
se avança na leitura, o que nos propicia um informe sensorial-motor de quanto
lemos e quanto falta. Todos esses elementos fazem com que muitas pessoas
percebam a leitura no papel como algo mais controlável, pois lhes oferece um
mapa mental coerente e sem nenhum obstáculo.
Por sua vez, a orientação espacial tem um impacto na
memória: muitas pessoas dizem que é mais fácil recordar o que leem quando
lembram onde as informações estavam situadas. A interação com o texto é
diferente em cada plataforma, já que esta se encontra relativamente bloqueada
(por exemplo, em um formato sem possibilidade de edição) ou tem uma capacidade
de inserção sem marcas de limite entre o alheio e o próprio (por exemplo, em um
texto de processador). Escrever nas margens, sublinhar, destacar e voltar para
trás para reler uma frase é algo mais vinculado ao livro em papel. Esse senso
de apropriação do texto a partir dos traços originais torna o livro um pouco
mais próximo. Embora talvez seja pelo fato de a pessoa ter sempre lido nesse
formato. É importante entender que a compreensão da leitura é um processo
posterior à decodificação: primeiro se lê e depois se compreende o que é lido.
Sabemos que, para um leitor, ler em uma tela não é o mesmo que ler um livro.
Faltam mais pesquisas que avaliem o efeito do uso da tecnologia no
funcionamento cognitivo a longo prazo. Enquanto isso, o segredo estaria em usar
a tecnologia de maneira equilibrada e saudável.
Carmen Pérez/El
País
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