segunda-feira, 25 de maio de 2020

Ler em um formato diferente é ler pior?

Gazeta da Torre

O confinamento aumentou ainda mais a digitalização de nossa leitura, que transforma silenciosamente nossos circuitos neurais. Há vantagens em consumir conteúdo em papel em relação ao do celular ou de um e-book?

Para que ou para quem é melhor, essa é a pergunta, por Facundo Manes (Neurocientista e Doutor por Cambridge – Reino Unido).

A leitura supõe, em primeira instância, reconhecer o formato das letras e, com elas, as palavras. Mas também, durante a leitura, percebemos a totalidade do texto como se fosse uma paisagem. Assim, fazemos uma representação mental dele, que serve de base para a interpretação das informações que estamos processando. Na neurociência, não há consenso sobre qual é o formato mais adequado para a leitura.

Muitos estudos mostram as vantagens do papel, enquanto outros apontam que não há diferença alguma entre os dois formatos ou mostram as vantagens do formato digital. A pergunta importante não é qual formato é melhor, mas para quem, para quê, e quando. É o mesmo para um adulto e uma criança? É melhor para leituras escolares, mas pior para leituras recreativas? Existem vantagens que justifiquem o uso de um formato específico para textos de ficção, mas não para os técnicos?

Uma das mudanças estruturais que ocorre na leitura digital é que nela a experiência do limite não se dá de maneira tão acabada como na leitura no papel: quando lemos na tela vemos apenas uma parte do livro, podemos avançar ou voltar ao longo do texto, mas essa noção de finitude não é tão clara. É por isso que a metáfora da "navegação" usada para se referir à Internet não é aleatória, já que não há caminho predeterminado e também não se sabe onde está a margem.

Um livro tradicional, por sua vez, oferece ao leitor traços topográficos que lhe permitem se orientar sem perder de vista o conjunto: a página à esquerda, a página à direita, os quatro cantos e um texto fluido que não é interrompido por links ou anúncios. A isto se soma a possibilidade de tocar as páginas com as mãos e deixar um rastro à medida que se avança na leitura, o que nos propicia um informe sensorial-motor de quanto lemos e quanto falta. Todos esses elementos fazem com que muitas pessoas percebam a leitura no papel como algo mais controlável, pois lhes oferece um mapa mental coerente e sem nenhum obstáculo.

Por sua vez, a orientação espacial tem um impacto na memória: muitas pessoas dizem que é mais fácil recordar o que leem quando lembram onde as informações estavam situadas. A interação com o texto é diferente em cada plataforma, já que esta se encontra relativamente bloqueada (por exemplo, em um formato sem possibilidade de edição) ou tem uma capacidade de inserção sem marcas de limite entre o alheio e o próprio (por exemplo, em um texto de processador). Escrever nas margens, sublinhar, destacar e voltar para trás para reler uma frase é algo mais vinculado ao livro em papel. Esse senso de apropriação do texto a partir dos traços originais torna o livro um pouco mais próximo. Embora talvez seja pelo fato de a pessoa ter sempre lido nesse formato. É importante entender que a compreensão da leitura é um processo posterior à decodificação: primeiro se lê e depois se compreende o que é lido. Sabemos que, para um leitor, ler em uma tela não é o mesmo que ler um livro. Faltam mais pesquisas que avaliem o efeito do uso da tecnologia no funcionamento cognitivo a longo prazo. Enquanto isso, o segredo estaria em usar a tecnologia de maneira equilibrada e saudável.

Carmen Pérez/El País

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