Gazeta da Torre
A recente imposição de uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros pelos Estados Unidos reacendeu debates sobre dependência, soberania econômica e o papel do comércio internacional no desenvolvimento de um país. A retórica política, no entanto, muitas vezes obscurece as nuances econômicas. Por trás da aparente defesa de interesses nacionais, tanto os Estados Unidos quanto o Brasil revelam posturas que contrariam os princípios da liberdade econômica e comprometem o bem-estar das próprias populações.
Em primeiro lugar, é importante desfazer o mito de que o
Brasil seria dependente do país norte-americano. Nossa pauta de comércio
exterior é relativamente diversificada e, em termos objetivos, temos, hoje, uma
relação comercial mais profunda com a China do que com os estadunidenses. Mais
relevante ainda: o comércio exterior representa uma fatia menor do Produto
Interno Bruto (PIB) brasileiro, dada a escala do mercado interno. Isso não
significa que medidas protecionistas de grandes economias não nos afetem —
afetam, mas talvez menos do que se alardeia.
Além disso, a ideia de soberania econômica,
frequentemente evocada em discursos oficiais, precisa ser revista com urgência.
Em seu uso corrente, o termo carrega uma conotação autárquica, como se
fechar-se ao comércio fosse uma virtude. Esse conceito tem raízes nos anos
1930, quando a industrialização em substituição de importações parecia uma
resposta lógica ao colapso do comércio global. Foi nesse cenário que floresceu
a teoria da dependência e o ideário desenvolvimentista, que marcaram
profundamente a trajetória econômica brasileira ao longo do século 20.
Entretanto, os resultados dessa estratégia são conhecidos
— uma industrialização que se exauriu nos anos 1980, sem completar a transição
para uma economia competitiva e produtiva, e uma estrutura marcada por
distorções, crises cambiais recorrentes, hiperinflação e uma crise fiscal
crônica (que ainda nos persegue). O protecionismo, longe de nos proteger,
ajudou a nos isolar e a comprometer a nossa inserção nas cadeias globais de
valor.
Ao imporem tarifas de importação tão elevadas, os Estados
Unidos violam, antes de tudo, a própria liberdade econômica. Medidas do tipo
encarecem produtos, reduzem a diversidade de consumo, afetam negativamente a
produtividade e, ironicamente, comprometem o bem-estar dos próprios cidadãos.
Se vistas como estratégia de negociação para forçar uma abertura mútua no médio
prazo, ainda nos permitem discutir seus méritos táticos. No entanto, enquanto
política permanente, são economicamente contraproducentes e moralmente
indefensáveis.
Do lado brasileiro, a resposta não deveria ser uma
retaliação imediata — o famoso olho por olho comercial. Deveria, sim, ser uma
oportunidade para olharmos no espelho. O Brasil é, atualmente, um dos países
mais fechados ao comércio internacional. Nossa economia segue pouco integrada,
com baixa produtividade média e renda per capita estagnada há mais de quatro
décadas — com exceção de algumas ilhas de produtividade industrial e do
Agronegócio, nosso único setor com real competitividade internacional.
A abertura comercial é uma das reformas econômicas ainda
pendentes. E, mais do que isso, mostra-se um imperativo para romper o círculo
vicioso do protecionismo que alimenta ineficiências, distorções e
desigualdades. Precisamos abandonar a ideia de que se proteger da concorrência
global é uma forma de progresso. Soberania econômica real não se mede por autossuficiência,
mas por uma população educada, empregada, empreendedora e com oportunidades
reais de mobilidade social.
Em resumo, a tarifa de 50% dos Estados Unidos deveria ser
vista menos como uma afronta e mais como um sintoma de um mundo que flerta novamente
com o isolacionismo e a miopia econômica. A melhor resposta brasileira não está
na retaliação com as mesmas armas, mas em corrigir as próprias: abrir a
economia, aumentar a concorrência e, enfim, completar a transição para um
modelo de desenvolvimento sustentável, integrado e moderno.
Por Vladimir Fernandes Maciel, Coordenador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica (Mackliber) e professor na Universidade Presbiteriana Mackenzi. Doutorado em Administração Pública e Governo - Fundação Getúlio Vargas
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