Gazeta da Torre
Pesquisa propõe um novo sistema de classificação de
locais de aquisição de alimentos com base no Guia Alimentar para a População
Brasileira
A oferta de alimentos ultraprocessados acompanha diversas
pesquisas que associam o excesso do consumo a riscos de doenças
cardiovasculares, de declínio cognitivo, e até de morte precoce. Para enfrentar
seu consumo excessivo, Marcos Anderson Lucas da Silva, doutorando na Faculdade
de Saúde Pública (FSP) da USP, propôs um novo sistema de classificação de
locais de aquisição de alimentos com base no Guia Alimentar para a População
Brasileira (GAPB), denominado Locais-Nova, em artigo publicado na Revista do
SUS. Os dados mostram que os supermercados são os distribuidores mais acessados
no Brasil (68%), seguidos por pequenos mercados, feiras livres e padarias.
Embora também sejam fontes de alimentos saudáveis, a
busca pelo supermercado como abastecedor único de alimentos pode levar a uma
competição dos in natura ou minimamente processados diante da abundância de
ultraprocessados, como refrigerantes, biscoitos, entre outros. “Pensamos os
ambientes alimentares desses locais no Brasil como uma parte fundamental também
da promoção da saúde para a alimentação porque é neles que adquirimos
alimentos. Entendemos que a baixa disponibilidade de alimentos saudáveis nesses
espaços também pode influenciar nossas escolhas“, afirma o pesquisador ao
Jornal da USP.
O estudo do mapeamento de desertos alimentares (áreas em
que alimentos saudáveis e frescos são limitados ou inexistentes) produzido pela
Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN) em 2018,
apresentou a primeira classificação dos locais de aquisição de alimentos no
Brasil. No entanto, o pesquisador percebeu fragilidades na nomenclatura de
alguns espaços; em especial, nos supermercados, mercearias e padarias, que
foram classificados como “mistos” (onde há predominância de aquisição de
preparações culinárias ou alimentos processados, ou onde não há predominância
de aquisição de alimentos in natura/ minimamente processados, nem de alimentos
ultraprocessados). Os estabelecimentos dessa categoria acabavam sendo pouco
utilizados nos estudos de ambiente alimentar, por ser um grupo muito
abrangente, mas não muito compreensível.
A necessidade de melhorar essa avaliação no País o
motivou. Baseado nos dados de aquisição domiciliar de alimentos da Pesquisa de
Orçamentos Familiares, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) e no GAPB, ele definiu, então, três categorias para o
Locais-Nova: fontes de aquisição de alimentos in natura ou minimamente
processados e de ingredientes culinários; fontes de aquisição de processados; e
fontes de aquisição de ultraprocessados. As informações analisadas referiram-se
às aquisições de alimentos para consumo familiar por domicílio durante sete
dias consecutivos.
Baseada nas recomendações do Guia Alimentar Brasileiro, a
nova classificação com três categorias ajuda a promover a saúde por meio da
análise crítica, considerando as influências conforme a disponibilidade de
alimentos. Esse modo de organizar pode auxiliar gestores municipais e agentes
de saúde a desenvolver estratégias para melhorar o acesso a alimentos saudáveis
em suas regiões, com o fortalecimento de locais de venda exclusivos de produtos
in natura, como as feiras livres de rua ou açougues.
Ambiente alimentar
Apesar do apontamento sobre o ambiente alimentar de
supermercados, locais indicados positivamente no artigo, como as feiras livres,
enfrentam embates históricos com esses compradores atacadistas em relação ao
preço como estratégias de promoções em dias específicos das vendas ao ar livre.
“As feiras são importantes por oferecer alimentos sazonais e regionais, além de
serem espaços culturais. É necessário aumentar a disponibilidade e
acessibilidade, especialmente em áreas periféricas, e oferecer horários
alternativos. O poder público pode atuar nesse sentido”, continua Anderson
Lucas Silva.
Nessa perspectiva, a atuação do Estado é reforçada como
necessária para redução também dos preços nesses ambientes alimentares mais
favoráveis. Silva destaca a proposta da nova cesta básica, por incluir uma
variedade de alimentos com tarifa zero. O Plano Safra também é ressaltado por
oferecer recursos e descontos para os produtores, especialmente aqueles que
produzem alimentos regionais e da biodiversidade, o que pode reduzir os preços
para a população em geral. “Esse estudo permite identificar áreas que precisam
de intervenções específicas para melhorar o acesso a alimentos saudáveis”,
afirma Maria Laura Louzada ao Jornal da USP, orientadora da pesquisa e
professora na FSP.
Esse estudo, segundo ela, é também um caminho para a
transformação das lógicas de abastecimento. “Tem uma série de políticas
públicas que são baseadas em alimentação e em objetivos de transformar o
abastecimento alimentar”, continua. A nova cesta básica é um exemplo, para ela,
do impacto de pesquisas como essa com objetivo de transformar o abastecimento
alimentar. Baseada no Guia Alimentar para a População Brasileira do Ministério
da Saúde, esse mesmo é um exemplo do esforço acadêmico para impactar políticas
amplas de acesso à alimentação, baseado em diversas pesquisas, revisões
sistemáticas e uma revisão narrativa.
Das pesquisas às políticas
A versão mais recente do guia foi elaborada em parceria
com o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da USP,
com o apoio da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/Brasil). O impacto
dessas pesquisas pode ser visto em algumas políticas públicas de alimentação
popular, como nas cozinhas solidárias do Estado. Nessas, só são permitidos
itens da nova cesta desde a sua adoção, conforme destaca. ”Agora a gestão municipal é a principal
responsável para desempenhar um papel fundamental de subsidiar feiras e promover
a alimentação saudável”, diz.
Segundo a professora, para que o poder público valorize
locais que oferecem alimentos exclusivamente saudáveis, como feiras, é
necessário esse prévio diagnóstico dos locais de aquisição da população.
“Identificar em que grau as diferentes pessoas brasileiras estão expostas a
comida ‘boa’ e comida ‘ruim’ foi o principal”, destaca. A partir disso,
políticas mais ambiciosas podem ser cogitadas em compromisso com a saúde
pública, como um sistema de abastecimento alimentício popular, assim como
ocorre com o programa farmácia popular – subsídio público que oferece preço
acessível em remédios para doenças crônicas, mas voltado para alimentação com
foco nos saudáveis.
Fonte: Jornal da USP
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