Gazeta da Torre
O que leva o consumidor a fazer uma ligação clandestina de energia elétrica e de outros serviços essenciais (ou não), ainda que diante de vários riscos físicos? Para além do “supercidadão” – que se sente acima das leis e que pensa que “da porta para dentro valem suas regras” –, há outros perfis que ajudam a entender as situações econômicas e culturais do Brasil, tais como o morador de comunidades carentes em extrema pobreza; aquele que não entende como o serviço chega até lá; e aquele que nem sequer é atendido pela infraestrutura básica por residir em uma área de risco – fora a questão de relacionamento com a vizinhança de quem “tenta fazer o correto”, por exemplo.
Há ainda outro elemento: a relação que se estabelece
entre a empresa fornecedora do serviço e o tratamento dado aos consumidores.
“[No caso da energia, a relação criada] é muito truculenta. Muitos engenheiros
se sentem acima do bem e do mal, olham para os consumidores como se tivessem
culpa, até que provem o contrário. Em alguns casos, existe o ‘BOPE do corte’,
que chega de madrugada na favela cortando a luz de todo mundo. Entra em um
esquema punitivo, em vez de educativo”, defende Hilaine Yaccoub, doutora em
Antropologia Social, em entrevista a plataforma UM BRASIL.
A pesquisadora passou anos em uma comunidade pobre no Rio
de Janeiro estudando o que leva uma pessoa a fazer uma ligação clandestina de
energia, realizando um trabalho de mercado para uma empresa do ramo. Hilaine
ainda se voltou a outras ligações clandestinas nestes locais, como de água,
internet, TV a cabo etc.
“As pessoas se organizavam em grupos e havia empréstimos
e divisões caso algum serviço enfrentasse problema. Se o disjuntor queimou, era
‘puxada’ uma ligação de outro ponto para não ficar sem luz. Elas se juntaram
para compartilhar as coisas”, comenta.
A antropóloga ainda enfatiza que, em uma situação de
falta d’água generalizada em razão de um ramal oficial (porém, malfeito),
fizeram novas ligações (clandestinas) com outros ramais, e, mesmo com o
problema, os moradores utilizavam a água para diversão em um domingo de muito
calor. “Em minha cabeça, estavam jogando água fora, mas não se trata de olhar
com a nossa cabeça prática. A lógica é outra: é trazer diversão para as
crianças em um domingo com calor, pois elas não terão este convívio durante a
semana. São outros gatilhos.”
“É um problema, também, do Ministério da Educação, de
colocar o tema no currículo básico. Toda vez que se fala sobre sustentabilidade,
falamos de poluições da água e do mar e plantar árvores. Fora isso, não se fala
de mais nada”, comenta.
Em seu relato na entrevista ao canal, ela explica a
necessidade de se estabelecer um diálogo mais humano com o consumidor,
independentemente do ramo de atuação da empresa, de modo a se entender “a fundo
as necessidades das pessoas, que vai muito além da compra de um produto ou
serviço”.
Assista à entrevista na íntegra no Canal UM BRASIL
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