Gazeta da Torre
Você se lembra o que te fez começar a usar filtro solar
quando vai à praia? Não foi uma lei imposta a você, mas apenas sua vontade de
reduzir as chances de ter câncer no futuro. Essas chances foram calculadas
usando muitos dados epidemiológicos, de diversos países, que mostraram uma
associação forte entre exposição ao sol e câncer de pele. Como se trata de
probabilidade, pode ser que você nunca use filtro solar e mesmo assim nunca
venha a ter nenhum problema, assim como você pode ser rigoroso com sua saúde e
mesmo assim vir a adoecer. Você deve ter diversos exemplos de vizinhos e
conhecidos que desafiam essas chances, mas nada disso muda os dados e o fato de
que a associação existe.
Claro que com mais dados, outras associações podem surgir
e até invalidar o que antes foi visto nos diversos estudos epidemiológicos. É
assim a ciência. Nas discussões científicas, seja em congressos ou via redes
sociais, o contraditório é bem-vindo e ajuda a impulsionar a ciência na direção
da verdade, contanto que os dois lados da discussão sejam permeáveis à
argumentação com dados. Enquanto os dados continuam confirmando esta
associação, é melhor manter o uso de filtro solar.
Em breve, a pandemia de covid-19 completará seu segundo
aniversário. A carência de dados no início da pandemia fez as discussões
perderem rigor científico. Sabíamos pouco sobre o vírus, como ele se propagava
e o que era importante para contê-lo. A maioria dos argumentos não era
suportada por dados robustos, populacionais. A angústia legítima da sociedade
em saber o que fazer, aliada à imprensa que disputava por notícias, fez com que
muitos confundissem opiniões com fatos. Opiniões são argumentos pouco eficazes
na ciência. William Edwards Deming, um famoso estatístico, costumava ilustrar
essa ideia com uma frase célebre: “In God we trust, all others must bring data”
– Em Deus nós confiamos, todos os outros devem trazer dados.
Dentre os debates mais acalorados sobre como lidar com a
pandemia, o debate sobre a necessidade de vacinação é, talvez, o mais
importante. Justamente elas, que já salvaram mais vidas no passado do que usar
filtro solar. As vacinas contra covid-19 foram desenvolvidas e testadas em
tempo recorde, e isso naturalmente desperta ansiedade e dúvidas quanto à
segurança e eficácia delas. Já está bastante claro que as vacinas contra
covid-19, assim como as outras vacinas aprovadas para uso humano, são muito
seguras. A frequência de efeitos adversos graves em vacinados é extremamente
baixa. Quanto à eficácia, os testes clínicos mostraram alta proteção contra
morte por covid-19 entre os vacinados. Entretanto, talvez na sua opinião os
dados publicados por estes testes não foram convincentes, e é por isso que você
decidiu não se vacinar até agora. Tomara que uma quantidade muito maior de
dados, dessa vez em populações de dezenas de países, possa te ajudar a mudar de
ideia. Depois de quase dois anos de pandemia, podemos argumentar com dados, não
opiniões, e eles devem servir para tomarmos decisões mais racionais.
Será que há menos mortes por covid-19 nos países mais
vacinados do que nos países onde faltam vacinas, ou que parte grande da
população não se vacinou? Para responder essa pergunta, usamos os dados do site
Our World in Data que reúne informação de casos e mortes por covid-19 e de
vacinação em mais de 200 países. Usamos essa quantidade impressionante de dados
para comparar o número de mortes por Covid-19 por milhão de habitantes com a
porcentagem da população totalmente vacinada em vários países. Focamos apenas
nos 85 países onde o vírus circulou recentemente, causando mais de 500 casos de
Covid-19 por milhão de habitantes, ou seja, onde o vírus poderia causar mortes.
Nossa hipótese era que nos países com maior índice de
vacinação ocorreram menos mortes por Covid-19. Foi exatamente o que observamos
(veja na figura a seguir). Há uma clara relação inversa entre número de mortes
por milhão de habitantes e a taxa de vacinação. Ou seja, quanto maior a fração
da população vacinada, menor o número de mortes. São dados com um número
amostral grande, em países onde o vírus circulou no período analisado,
mostrando que as vacinas estão salvando vidas. Não é mais uma questão de
opinião. A vacinação é a única salvação, o único jeito de superarmos de vez
essa crise. Se você ainda não se vacinou, reflita sobre esses dados.
No gráfico, cada bolinha representa um país. As bolinhas
mais para a direita representam países com maior número de mortes por milhão de
habitantes no período analisado. Quanto mais para a esquerda, menos mortes. As
bolinhas mais para cima representam países com maiores taxas de vacinação.
Quanto mais para baixo, menos vacinados. A linha representa uma tendência que
leva em consideração os dados de todas as bolinhas.
Fonte: Jornal da USP
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