Gazeta da Torre
Para se construir cenários sobre a economia brasileira para os próximos dez anos deve-se considerar a evolução das principais tendências de longo prazo e reconhecer que são inevitáveis os erros e as surpresas no ambiente incerto, complexo e rico em que vivemos. Mas este horizonte é longo o suficiente para observar alguns desdobramentos de tendências em curso.
Do ponto de vista macroeconômico, os próximos anos não
deverão apresentar um forte crescimento da economia mundial e o Brasil não
deverá ter desempenho superior. O volume de investimento do País é muito baixo,
a elevação recente da taxa de inflação e da taxa de juros, os desarranjos da
estrutura produtiva local decorrentes da pandemia e da instabilidade política
são fatores que impedem um crescimento mais elevado, mesmo dispondo de contas
externas relativamente folgadas, mantida a continuidade do superciclo das
commodities.
A eleição presidencial de 2022 é o fator mais importante
para estabelecer os rumos do País. Os resultados da eleição devem definir os
principais caminhos a serem seguidos, podendo acentuar as tendências “liberais”
do atual governo, que apresenta forte descaso com a agenda de meio ambiente e a
ciência, procura reduzir de forma geral a presença do Estado na economia,
especialmente na educação e na saúde, bem como diminuir os gastos nas áreas de
ciência e tecnologia. A outra alternativa política que se apresenta viável
eleitoralmente no momento, embora haja pouca explicitação de suas ideias e
projetos, sua história indica que deve seguir um modelo de economia mais
próximo ao bem-estar, deve procurar recuperar os esforços na área do ensino e da
pesquisa, contrapondo-se à maioria das propostas apresentadas pelo grupo
político que atualmente conduz o País. A busca dos votos dos mais pobres pode
significar um apoio aos gastos sociais nas duas vertentes políticas.
Entretanto, como as dificuldades da economia deverão permanecer por um bom
tempo ainda, os anos “virtuosos” do crescimento e geração de empregos deverão
demorar.
Nessas condições, os fatores estruturais, como o baixo
crescimento populacional, o envelhecimento da população, a urbanização, a lenta
evolução da nossa precária educação, a baixa difusão das novas tecnologias, os
reduzidos investimentos em Ciência e Tecnologia e Pesquisa e Desenvolvimento e,
dada a manutenção dos atuais padrões de inserção internacional, aponta-se para
uma performance geral decepcionante, não muito distinta daquela apresentada nas
duas últimas décadas.
Dessa forma, os fatores básicos de crescimento e
modernização estarão fortemente associados à mudança tecnológica, especialmente
às inovações disruptivas associadas à tecnologia da informação e seus
desdobramentos, como a inteligência artificial e a internet das coisas, a
biotecnologia, os novos materiais e as novas formas de estocar energia, assim
como a difusão dessas tecnologias no aparato produtivo. Provavelmente estaremos
longe da estagnação tecnológica, dada a alta rentabilidade dos investimentos
nessas áreas e também distantes de grandes surtos de crescimento e modernização
do passado. A competição internacional e o avanço dessas tecnologias deverão
ser poderosos o suficiente para promover importantes ganhos de produtividade e
reestruturações produtivas nos nossos setores industrial, agrícola, financeiro,
automobilístico, saúde, educação, comércio, transporte e entretenimento, mas
não bastarão para gerar um volume de investimentos que nos afaste do insuficiente
desempenho da economia.
O surto da covid-19 é um exemplo claro de que surpresas,
mesmo as mais graves, podem ocorrer. Os desafios de encontrar respostas rápidas
e efetivas, neste caso, levaram a uma extraordinária mobilização de recursos
para enfrentar a crise. O conhecimento científico e tecnológico pôde ser
acionado e ocorreram respostas muito significativas, como o desenvolvimento de
vacinas, em prazo muito curto. Os conhecimentos acumulados, inclusive no
controle social da difusão do vírus, puderam ser articulados em prazos
relativamente curtos. Mesmo contando com esses recursos, a pandemia não se
esgotou e terá desdobramentos significativos por muitos anos ainda, no Brasil e
no mundo. Os impactos dessa crise nas normas sanitárias, nos avanços da
digitalização da educação, da saúde, do transporte, do comércio, das finanças,
do entretenimento e da cultura já deixaram marcas profundas que ainda não estão
completamente definidas. As próprias condições do trabalho, especialmente nas
fábricas e escritórios, também sofrerão modificações profundas.
Considerando o conjunto desses elementos, novas
tendências positivas poderão ganhar força, como as exigências de maior cuidado
com o meio ambiente e maior pressão para que se reduzam as parcelas da
população com nível de renda extremamente baixo. Os aspectos sociais
relacionados ao fortalecimento da democracia também podem prosperar.
As forças da competição capitalista seguem como as
determinantes principais das trajetórias tecnológicas das sociedades e os seus
resultados podem ser francamente positivos ou negativos. O controle desses
processos por parte da sociedade e das autoridades políticas se impõe. A
cautela exige que se preservem os conhecimentos acumulados em todas as áreas.
Não há outra alternativa.
Fonte: Jornal da USP
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