Gazeta da Torre
Com a iminência do retorno às aulas presenciais,
pesquisadores desenvolveram um modelo
matemático que estima o aumento de casos da covid-19 na comunidade escolar com
a reabertura das escolas, simulando cenários com diferentes protocolos de
segurança. A ideia é que o retorno às aulas presenciais sempre vai trazer
alguma elevação no número de casos entre as pessoas que frequentam a escola e
seus contatos, mas que essa elevação pode ser muito grande, ou mínima, dependendo
das medidas adotadas.
Por exemplo, esse risco pode ser 1.141% maior caso as
máscaras sejam mal utilizadas. Se bem utilizadas, mas sem outras medidas, o
aumento da chance de contágio é de 575%. Somado ao uso correto de máscaras
pelos alunos, e se os professores utilizarem máscaras do tipo PFF2, o risco
despenca para 40%, o que indica a importância do uso correto, de máscaras eficientes
e o papel determinante dos professores na transmissão viral.
Os dados mostram que, à medida em que se sobrepõem
medidas de segurança a essas, como monitoramento de casos suspeitos, turmas
alternadas e redução da carga horária efetiva, o risco é reduzido e chega ao
mínimo de 10%.
Risco e probabilidade
O estudo faz parte do projeto ModCovid19, com a
contribuição do Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI),
do qual faz parte o professor Tiago Pereira, do Instituto de Ciências Matemáticas
e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos. Os resultados recentes são
atualizações da pesquisa que começou a ser desenvolvida no começo da pandemia,
em março de 2020, na cidade de Maragogi, Alagoas. Desde então, a equipe vem
monitorando os casos de covid-19 na cidade, incluindo também dados sociais e de
comportamento ligados à pandemia. Pela curva de infecção e o rastreamento da
rede familiar dos moradores, foi possível determinar os motores e os principais
centros de infecção.
Os números são estimativas que tangenciam a realidade,
fornecidas através de um software de modelo computacional. Tiago Pereira
explica que o contágio pelo coronavírus passa por um evento probabilístico,
como qualquer doença infecciosa por contato. Em computador, é levado em consideração
esse fator de aleatoriedade, combinado a outros e, assim, simula-se a
possibilidade de alguém se infectar em uma ida ao mercado, por exemplo.
O programa foi remodelado para incluir a dinâmica das
escolas da região e, com os dados anteriores, foi possível calcular a
quantidade de novos casos que excedem a média na cidade, com a retomada das
aulas presenciais.
Boa ventilação melhoraria todos os cenários
Uma vez que é comprovada a maior transmissão do
coronavírus por aerossóis, o professor destaca que a má ventilação
característica da maioria das salas de aula de Maragogi impacta diretamente no
maior contágio.
A infraestrutura das escolas, em sua maior parte, não
privilegia arejamento e sim isolamento térmico, porque contam com equipamentos
de ar-condicionado, contraindicados durante a pandemia. Por isso, a análise foi
feita considerando ambientes fechados.
“Sabemos que o cenário pode melhorar muito com ventilação
no ambiente, ao mesmo tempo em que pode piorar muito também com o uso de
ar-condicionado nas salas”, comenta o pesquisador.
“Com pouco fluxo de ar, uma pessoa contaminada expele
partículas de saliva com o vírus que ficam suspensas no ar e, logo, infectam um
maior número de pessoas.” Nesse caso, o distanciamento físico, com demarcação
de dois metros entre as carteiras, é pouco eficiente.
Vitor Mori, doutor em Engenharia Biomédica pela Escola
Politécnica (Poli) da USP e pesquisador na Universidade de Vermont, explica que
a metragem de distanciamento recomendada tem como base estudos que indicam
maior queda de gotículas (de 1,5 a 2 metros), mas quanto mais perto de um
emissor, maior a concentração de aerossóis suspensos no ar. “Em uma sala mal
ventilada a transmissão pode ocorrer em distâncias muito maiores”, completa.
De acordo com Pereira, a realidade de má ventilação das
salas de aula da cidade do estudo corresponde a quase 50% das cidades
brasileiras, que têm em torno de 10 a 50 mil habitantes, com densidade
demográfica de 1.500 habitantes por quilômetro quadrado (km2). Portanto, os dados
podem ser extrapolados para o âmbito nacional.
Máscaras eficazes e usadas corretamente
Para avaliar o impacto da reabertura das escolas com o
uso correto ou indevido de máscaras de diferentes eficiências, os pesquisadores
moldaram o software com o número de permeabilidade das máscaras de tecido de
baixa qualidade e da PFF2, através de dados da literatura científica. Os
estudos mostram que as máscaras PFF2 têm uma capacidade de filtragem muito
maior, mas o modelo matemático também leva em conta a forma como as pessoas as
estão utilizando.
“As máscaras PFF2 são construídas de forma anatômica,
para se ajustar ao rosto e fornecer a eficiência de cerca de 94%, mas se
estiver ‘folgada’, de modo que o ar não passe pela manta filtrante, perde sua
capacidade de proteção”, afirma Vitor Mori.
Quando comparados os aumentos de casos com as variáveis
das máscaras, a correta utilização promove uma redução de cerca de 400%: com
máscaras mal utilizadas, aumenta-se o risco de contágio em até 1.141%; já
usadas corretamente, o risco cai para 757%. Outro destaque está na utilização
de PFF2 por parte dos professores e professoras.
No cenário de máscaras bem utilizadas e professores com
PFF2, o risco de contaminação cai para 39%. “Ter um professor com uma máscara
muito boa tem papel fundamental na contenção da pandemia”, afirma Tiago
Pereira. Isso se deve ao fato de que os professores se expõem mais e por mais
tempo nesses espaços e, por conta das aulas serem em sua maioria expositivas,
falam mais e mais alto – o que dispersa as partículas contaminadas com mais
amplitude e velocidade no ar. “É um impacto positivo por uma medida barata,
quando se compara o valor de uma máscara ao de uma internação”, afirma o
pesquisador.
Nesse modelo também foi possível simular um cenário onde
a escola é o maior foco de contaminação, mas os alunos são assintomáticos,
porque os casos acontecem nas famílias.
Turmas alternadas e monitoramento de casos suspeitos
Com turmas alternadas (e bom uso de máscaras) a escola se
divide em dois grupos de alunos que a frequentam em dias alternados. Neste
caso, o risco de contágio se reduz a 171%, devido à diminuição de contato entre
as pessoas. Esse cenário, somado à implementação de protocolos de monitoramento
e com cerca de 6 horas de aulas na semana, cai para 21% – perdendo apenas para
a simulação que adiciona professores de PFF2, quando o risco é o menor
calculado: 10%.
O protocolo de monitoramento epidemiológico desenvolvido
pela equipe e implementado em Maragogi consiste em um conjunto de medidas que
visa a identificar supostos infectados e isolar as turmas para evitar o avanço
da contaminação. Se um aluno testa positivo para o coronavírus, por exemplo, a
sala de aula da qual faz parte é suspensa por 14 dias; já se forem dois casos
em salas distintas, a escola inteira é fechada por uma semana. As salas também
podem ser suspensas se identificados casos nos familiares de membros da
comunidade escolar.
Segundo Pereira, embora eficazes, os protocolos de
monitoramento exigem bastante das escolas e também dos familiares para
comunicar casos suspeitos. Nesse processo, é utilizado o rastreamento
retrospectivo, que investiga os contatos anteriores de um aluno contaminado
para identificá-los, por meio de testes rápidos, e isolar as fontes.
Para Vitor Mori, o trabalho mostra que existem medidas
muito eficazes para diminuir o risco de infeção no retorno às aulas, mas não
apenas uma – e sim a sobreposição delas. Mesmo com medidas rigorosas, o
pesquisador alerta que o risco nunca será zero e sugere aulas em ambientes com
maior ventilação, como em pátios e quadras esportivas, já que os estudos de
rastreamento mostram que menos de 1% da transmissão ocorre ao ar livre.
Como são os protocolos de volta às aulas no Brasil?
Análise conduzida pela Rede de Pesquisa Solidária indicou
as principais deficiências enfrentadas pelos governos federal, estaduais e
municipais no processo de retomada das atividades presenciais de ensino da rede
pública. O Índice de Segurança do Retorno às Aulas Presenciais (ISRAP), criado
para a avaliação, aponta que os resultados são preocupantes: o protocolo do
governo federal teve avaliação de 40,6/100, com medidas consideradas menos
rígidas do que aquelas presentes na maioria dos protocolos estaduais e
municipais. A título de comparação, a média dos índices dos estados foi de
56,8. O estado de Sergipe e a capital Palmas tiveram o maior índice, com 77,3 e
74,2, respectivamente. Amapá, apresentou a pior pontuação entre os estado
(17,6) e, entre as capitais, São Luiz com 10,2. O protocolo do estado de São
Paulo foi avaliado com 46,5 – inferior à capital (65,3).
Segundo o relatório, apenas 56% das capitais e 49% dos
estados apresentaram planos estruturados e esses geraram preocupação quanto às
medidas tomadas. Parte dos planos optaram por investir recursos na compra de
termômetros e em utensílios de higienização de superfícies, em detrimento de
máscaras de maior qualidade e testes rápidos. Apenas 2 entre as 26 capitais
(8%) e 1 entre os 27 estados (4%) distribuíram máscaras do tipo PFF2 como parte
do esforço de reabertura para o ensino presencial, como informa a análise.
A medida se mostra contraproducente, considerando os
resultados obtidos no modelo matemático, visto que a predominância de contágio
se dá por via aérea – o que pode ser combatido com o uso correto de máscaras
com alta eficácia. Além disso, crianças e adolescentes apresentam uma alta
porção de assintomáticos, o que faz dos testes em massa para detecção do
covid-19 mais importantes para monitoramento e controle da contaminação, quando
comparado à medição da temperatura corporal. Quanto à divisão de turmas para
frequentarem a escola de forma alternada, somente 3 da 26 capitais (12%) e 12
entre os 27 estados (44%) optaram por essa medida de redução de ocupação dos
espaços escolares, o que reduz a capacidade das escolas conterem a transmissão
viral em possíveis surtos.
Fonte:Jornal da USP.
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