terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Legado histórico dos povos negros é o nosso sistema imunológico

 Gazeta da Torre

Charge do Cartunista Adão Iturrusgarai 
Ilustra a conversa com a filósofa Katiúscia

Problematizar o nascimento da filosofia e de outras epistemologias, com base em pensadores negros de tempos imemoráveis, é problematizar a origem do pensamento. E quando se nega o nascimento do pensamento para pessoas negras, o que se diz é que elas não têm a capacidade cognitiva de produção de conhecimento, então, elas são animalizadas. Entretanto, quando é dito a uma criança negra que a sua história não é o açoite, mas que, sim, deriva de grandes pensadores, isso traz uma outra cultura. E a cultura é um sistema imunológico na medida em que você se alimenta dela, pois um povo sem história é uma árvore vazia. Essas são palavras da filósofa e doutoranda em Filosofia Africana, Katiúscia Ribeiro.

Em entrevista ao canal UM BRASIL, uma realização da FecomercioSP, em parceria com a Brazilian Student Association (BRASA) – associação formada por brasileiros que estudam no exterior –, a filósofa avalia questões como a violência crescente contra negros, a urgência de uma reforma nas disciplinas escolares para que se dê voz a pensadores negros e a importância de se entender que a história deste povo não é preenchida apenas pelas agressões que sofrem historicamente. A conversa foi mediada pela jornalista Joyce Ribeiro, em colaboração especial.

“O grande problema é que não conhecemos nossa história. Conhecemos o que fizeram de nós. Quando descobri que o meu povo criou o mundo, os meus sobrinhos passaram a interpretar a vida e o mundo de outra forma. [Buscar essa ancestralidade] é um projeto de salvar vidas. Não podemos mais, nos currículos escolares de hoje, ensinar para crianças apenas ‘chicote’ e ‘açoite’, porque isso representa um curto período da nossa história”, argumenta. “Se você tira o legado de um povo e apresenta somente uma ‘história de chicote’, qual imagem no inconsciente que teremos destas pessoas? Que elas são eternamente subalternizadas.”

“Nós ficamos, na atualidade, debatendo que nunca tivemos um presidente negro [no Brasil], mas conhecemos a República de Palmares, o primeiro Estado dentro do Estado brasileiro? Não. Isso é cultura e reintegração da nossa história; é o resgate do nosso sistema imunológico”, acrescenta Katiúscia. “Para nós começarmos a viver integralmente, temos que reconhecer o nosso legado de construção histórica.”

Epistemicídio

Na entrevista, ela faz referência a três episódios que ocorreram no País em 2020: o espancamento e assassinato de João Alberto, um homem negro, dentro de um supermercado no Rio Grande do Sul; o assassinato a tiros de João Pedro, um garoto negro de 14 anos, durante uma ação policial no Rio de Janeiro; e a morte de Miguel Otávio, de cinco anos, em Pernambuco, ao pegar o elevador sozinho e cair do nono andar de um prédio enquanto estava sob responsabilidade da patroa de sua mãe – que trabalhava como empregada doméstica na residência.

“O epistemicídio, a negação da história das pessoas negras na própria história, chega antes do soco que deram na cara do ‘Beto’, antes da bala que atravessa o tórax do João Pedro e antes do botão do elevador que o Miguel apertou. É a negação da história, e história é poder. O epistemicídio nos ajuda a reconhecer todo o apagamento do nosso legado, e não somente do curricular e acadêmico, mas na música, na culinária, na espiritualidade, na linguagem, nas performances, nas nossas estéticas”, ela destaca.

Katiúscia afirma que o falecimento de João Alberto demonstra que o Brasil nunca se responsabilizou de fato com as pautas raciais. “É um país que negligencia, onde o vice-presidente da República diz que não existe racismo, mas apenas uma desigualdade com pessoas negras, e que esta é uma pauta atribuída apenas pelos movimentos sociais. Então, historicamente, como o Brasil se nega a reconhecer o racismo, nós não conseguimos frear as violências raciais. Estamos diante de um processo de desumanização. É momento de nós, pessoas negras, nos organizarmos. Não podemos esperar por esta estrutura que nunca se comprometeu com a pauta racial.”

* A entrevista 

https://www.youtube.com/watch?v=KXELO_Tf45U

Fonte:UM Brasil

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