Gazeta da Torre
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Charge do Cartunista Adão Iturrusgarai Ilustra a conversa com a filósofa Katiúscia |
Problematizar o nascimento da filosofia e de outras
epistemologias, com base em pensadores negros de tempos imemoráveis, é
problematizar a origem do pensamento. E quando se nega o nascimento do
pensamento para pessoas negras, o que se diz é que elas não têm a capacidade
cognitiva de produção de conhecimento, então, elas são animalizadas.
Entretanto, quando é dito a uma criança negra que a sua história não é o
açoite, mas que, sim, deriva de grandes pensadores, isso traz uma outra cultura.
E a cultura é um sistema imunológico na medida em que você se alimenta dela,
pois um povo sem história é uma árvore vazia. Essas são palavras da filósofa e
doutoranda em Filosofia Africana, Katiúscia Ribeiro.
Em entrevista ao canal UM BRASIL, uma realização da
FecomercioSP, em parceria com a Brazilian Student Association (BRASA) –
associação formada por brasileiros que estudam no exterior –, a filósofa avalia
questões como a violência crescente contra negros, a urgência de uma reforma
nas disciplinas escolares para que se dê voz a pensadores negros e a
importância de se entender que a história deste povo não é preenchida apenas
pelas agressões que sofrem historicamente. A conversa foi mediada pela
jornalista Joyce Ribeiro, em colaboração especial.
“O grande problema é que não conhecemos nossa história.
Conhecemos o que fizeram de nós. Quando descobri que o meu povo criou o mundo,
os meus sobrinhos passaram a interpretar a vida e o mundo de outra forma.
[Buscar essa ancestralidade] é um projeto de salvar vidas. Não podemos mais,
nos currículos escolares de hoje, ensinar para crianças apenas ‘chicote’ e
‘açoite’, porque isso representa um curto período da nossa história”,
argumenta. “Se você tira o legado de um povo e apresenta somente uma ‘história
de chicote’, qual imagem no inconsciente que teremos destas pessoas? Que elas
são eternamente subalternizadas.”
“Nós ficamos, na atualidade, debatendo que nunca tivemos
um presidente negro [no Brasil], mas conhecemos a República de Palmares, o
primeiro Estado dentro do Estado brasileiro? Não. Isso é cultura e reintegração
da nossa história; é o resgate do nosso sistema imunológico”, acrescenta
Katiúscia. “Para nós começarmos a viver integralmente, temos que reconhecer o
nosso legado de construção histórica.”
Epistemicídio
Na entrevista, ela faz referência a três episódios que
ocorreram no País em 2020: o espancamento e assassinato de João Alberto, um
homem negro, dentro de um supermercado no Rio Grande do Sul; o assassinato a
tiros de João Pedro, um garoto negro de 14 anos, durante uma ação policial no
Rio de Janeiro; e a morte de Miguel Otávio, de cinco anos, em Pernambuco, ao
pegar o elevador sozinho e cair do nono andar de um prédio enquanto estava sob
responsabilidade da patroa de sua mãe – que trabalhava como empregada doméstica
na residência.
“O epistemicídio, a negação da história das pessoas
negras na própria história, chega antes do soco que deram na cara do ‘Beto’,
antes da bala que atravessa o tórax do João Pedro e antes do botão do elevador
que o Miguel apertou. É a negação da história, e história é poder. O
epistemicídio nos ajuda a reconhecer todo o apagamento do nosso legado, e não
somente do curricular e acadêmico, mas na música, na culinária, na
espiritualidade, na linguagem, nas performances, nas nossas estéticas”, ela
destaca.
Katiúscia afirma que o falecimento de João Alberto
demonstra que o Brasil nunca se responsabilizou de fato com as pautas raciais.
“É um país que negligencia, onde o vice-presidente da República diz que não
existe racismo, mas apenas uma desigualdade com pessoas negras, e que esta é
uma pauta atribuída apenas pelos movimentos sociais. Então, historicamente,
como o Brasil se nega a reconhecer o racismo, nós não conseguimos frear as
violências raciais. Estamos diante de um processo de desumanização. É momento de
nós, pessoas negras, nos organizarmos. Não podemos esperar por esta estrutura
que nunca se comprometeu com a pauta racial.”
* A entrevista
https://www.youtube.com/watch?v=KXELO_Tf45U
Fonte:UM Brasil
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