Gazeta da Torre
Nos cordeis criados a partir de discussões, conceitos
geográficos como território, lugar, paisagem e região deram lugar a temas mais
urgentes para os alunos, como “a violência no bairro”.
A interdisciplinaridade na educação é um recurso
fundamental, pois reflete a valorização do indivíduo como um todo, capaz de
descobrir, assimilar e levar para sua realidade, de forma criativa, as várias
áreas do conhecimento humano. Partindo dessa premissa, pode-se pensar em uma
complementaridade de duas áreas aparentemente diferentes, tal como o
relacionamento entre Literatura e Geografia. Em artigo publicado na revista
Geografia, Literatura e Arte, os estudantes de geografia da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Julia Queiroz, Kelly Moreno e Leandro da
Silva, buscaram entender as dinâmicas que constituem a periferia e a violência
construída à partir da produção de cordéis feitos por alunos de uma escola no
Rio de Janeiro.
O estudo também se propôs a introduzir novas maneiras de
interpretação e análise do espaço geográfico e seus conceitos, no texto,
definido não só como “constituído de fenômenos naturais, como também sociais,
porque ele sofre constantemente transformações devido às necessidades dos
contextos nos quais as sociedades vivenciam ao longo do tempo”, explicam os
autores. Novas metodologias são criadas para o processo de aprendizagem,
deixando de lado o ensino mais tradicional, como o livro didático, no intuito
de proporcionar “um pensamento crítico acerca da leitura de mundo do aluno”.
Assim, o objetivo dos autores é apresentar a literatura como uma linguagem para
pensar e ensinar geografia, compreender as ações que originam a periferia e a
violência, tendo como ferramenta a implementação de oficinas para criações de
cordel.
Essa vivência proposta pelos autores em classe de 7º ano
da escola CIEP 439-Luiz Gonzaga Júnior, Luiz Caçador, no bairro de São Gonçalo,
realizou-se com a implantação do Projeto de Extensão de Oficinas Escolares de
Geografia, em que se pode trabalhar com os espaços em que habitam esses alunos
e o que estes percebem nesse cotidiano. Assim, os alunos relatam, pela
literatura de cordel, processos de violência nesses espaços. O cordel se tornou
um meio de os professores conhecerem a “realidade dos estudantes por meio de
conceitos e conteúdos que trabalhem com as escalas de análise do global ao
local”, comentam os autores. Essas oficinas atuam como experimentação de
compreensão de conteúdos geográficos que podem interessar o aluno para que se
estabeleça a relação e a crítica entre a realidade e o meio em que vivem.
Conceitos geográficos como território, lugar, paisagem e
região deram lugar a temas mais urgentes e importantes para os alunos: “a
violência no bairro” e a partir dessas discussões os cordéis foram criados. O
destaque dos autores é “observar que a atividade acabou trazendo o cordel como
o meio de entender a formação da periferia de São Gonçalo e como a violência
gera impacto no/na discente”. Quando o aluno percebe a relação entre entre ele
e seu espaço, despertado com o senso crítico e a sensibilidade que a literatura
de cordel desperta nas oficinas, há um maior interesse na área da Geografia e o
estímulo de estar capacitado para “analisar as problemáticas sociais e sua
inserção na sociedade”. Nesse estudo, a problemática da violência na periferia
é algo que estabelece a construção do conhecimento geográfico.
De acordo com o professor Daniel Pereira Rosa, a ocupação
do município de São Gonçalo deveu-se à impossibilidade de permanência direta
nos centros urbanos, “fazendo do local uma cidade dormitório”. Então ao
município coube o papel de periferia, “cidade – dormitório que abrigava o
reservatório de mão-de-obra de trabalhadores com baixa qualificação”, destaca.
O artigo aponta a falta de saneamento básico, coleta de lixo, esgoto a céu
aberto, precarização dos serviços como fatores que caracterizam o município
como periferia, taxado como espaço
“marginalizado, violento”. O desenvolvimento urbano e a migração para os
centros urbanos geraram a chamada periferia, “espaços segregacionistas sociais
e econômicos que são criados, como por exemplo bairros de classe alta, média e
baixa”, o que, sem dúvida, acaba por estimular a luta de classes e formas de
resistência.
Com a desigualdade social e o descaso do Estado, a
educação é afetada, obrigando os moradores de São Gonçalo a desdobrarem-se entre
o fugir da violência local, o estudo e o trabalho, enfrentando a falta de
recursos, com o agravante de, muitas vezes, serem vistos como delinquentes. Aí
entra a educação possível que se faz em alguns lugares das periferias, como no
município em questão, como meio indiscutível de auxílio no combate à violência,
com a conscientização de meninos e meninas relatando, nos cordéis, violências e
abusos de todo tipo. Nesse contexto, a literatura de cordel é tomada pelos
professores como recurso artístico e multidisciplinar para práticas de
aprendizagem que podem interferir no cotidiano do aluno, mostrando a
importância da Geografia no sentido de lidar-se com os desafios encontrados na
realidade do cotidiano “diante da concepção do mundo atual e dos impactos causados
pela desigualdade social”.
Por Margareth
Arthur/Portal de Revistas USP
Artigo
QUEIROZ, J. G. L. de; SILVA, L. V. C. da; MORENO, K. B. Análise do Cordel no ensino de Geografia: visão da periferia e a violência urbana: visión de la periferia y violencia urbana. Revista Geografia, Literatura e Arte, v. 2, n. 2, p. 15-30, 2020. ISSN: 2594-9632. DOI: https://www.revistas.usp.br/geoliterart/article/view/167885. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/geoliterart/article/view/167885. Acesso em: 11 nov. 2020.
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