segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Reunião da Anvisa que aprovou vacinas é resposta didática ao negacionismo

 Gazeta da Torre

Por mais que soe estranha a transmissão ao vivo, com ares de espetáculo, de uma decisão técnica, a reunião da Anvisa que liberou o uso emergencial das vacinas da Oxford e a Coronavac no país serviu como episódio didático de uma novela, até aqui, dominada por desavenças políticas, desconfiança e desinformação.

Última etapa antes do início da imunização, a aprovação da agência nacional de vigilância sanitária foi o programa de domingo para uma multidão que só agora, dez meses após o início da pandemia, vê uma luz num túnel escurecido por sandices e negacionismos de toda ordem.

Relatora do pedido de aprovação das vacinas, Meiruze Freitas foi quem deu a melhor resposta para quem passou os últimos meses alimentando e sendo alimentado por teorias da conspiração de inspiração xenobófica, incutida na expressão "vacina chinesa" -- aprovada domingo  (17/01/2021), a Coronavac foi desenvolvida pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac.

"Guiada pela ciência e pelos dados, a equipe concluiu que os benefícios conhecidos e potenciais dessas vacinas superam seus riscos. Os servidores vêm trabalhando com dedicação integral e senso de urgência", disse Meiruze Freitas.

Em seu pronunciamento, ela lembrou que, até o momento, "não contamos com alternativa terapêutica aprovada para prevenir ou tratar a doença causada pelo novo coronavírus". Era uma resposta ao mantra governista segundo o qual as mortes por coronavírus no país, que já se aproximam de 210 mil, teriam sido evitadas caso fosse adotado tratamento precoce --seja lá o que isso significa.

"Compete a cada um de nós, instituições públicas e privadas, sociedade civil e organizada, cidadão, cada um na sua esfera de atuação tomarmos todas as medidas ao nosso alcance para no menor tempo possível diminuir o impacto sobre a vida do nosso país”, disse a relatora, justificando seu voto.

A repercussão no Twitter foi imediata. "Viva a ciência", "Viva o SUS" e "Vem Vacina" tomaram a dianteira na rede social favorita de Jair Bolsonaro, o negacionista-mor da pandemia. Seus apoiadores até tentaram, como resposta, sacar do coldre a hashtag #tratamentoprecocesalvavidas. Ficaram falando sozinhos.

Minutos após a aprovação, a enfermeira Monica Calazans, 54, que há dez meses está na linha de frente de um hospital em São Paulo, se tornou a primeira brasileira imunizada. João Doria (PSDB), como se usasse ainda o slogan “acelera”, que marcou sua campanha, estava ao seu lado, com uma camisa escura, bandeira do Brasil ao centro, e recado de que a vacina do Butantan, o instituto paulista, é a vacina do Brasil.

Cenas assim tendem a ser repetidas e repetidas nos próximos capítulos, estes com finais mais alegres, e menos macabros, do que os anteriores.

O capítulo deste domingo (17/01/2021), com a votação às claras da Anvisa, para quem quisesse assistir, foi antes de tudo uma resposta sorora, ao vivo e em cores, ao negacionismo que aprofundou fissuras e alargou a tragédia do coronavírus no país.

Obstáculos para a vacinação

A campanha agora esbarra no atraso do Ministério da Saúde em conceber um plano. Enquanto outros países começavam a se vacinar em dezembro, a pasta ainda não havia sequer apresentado um esboço. O Governo também foi pressionado pelos planos do governador de São Paulo, João Doria, de iniciar a imunização no Estado esta semana. No final, após meses menosprezando publicamente a Coronavac, acabou anunciando sua compra e distribuição no plano de imunização. O governador pretende se lançar candidato à Presidência em 2022 e é rival político de Bolsonaro. Ele posou ao lado da enfermeira Mônica Calazans, que havia recebido o placebo durante a fase de testes e, neste domingo, foi a primeira brasileira vacinada em território nacional após a aprovação da Anvisa. Pazuello diz que a aplicação em São Paulo “está em desacordo com a lei”.

O presidente vem apostando no “tratamento precoce” —e ineficaz, segundo a comunidade científica— contra a covid-19. Um exemplo disso ocorreu na última semana durante a visita de Pazuello a Manaus, onde lançou um aplicativo que prescreve hidroxicloroquina, cloroquina, ivermectina, azitromicina e doxiciclina para pacientes —medicamentos não possuem eficácia comprovada contra a doença e foram rejeitados pela Organização Mundial da Saúde e pela Sociedade Brasileira de Infectologia.

A campanha também esbarra nas dúvidas da população de se vacinar. Uma pesquisa Datafolha de dezembro mostrou que metade da população rejeita a Coronavac, pejorativamente chamada de “vacina chinesa”. Esse descrédito foi estimulado inclusive por Bolsonaro. O mandatário também disse em outras ocasiões que não será obrigatório se vacinar e diz que todos os imunizantes são “experimentais” e, portanto, arriscados. Na última terça, quando o Butantan anunciou a eficácia geral de seu imunizante, boa parte da tropa bolsonarista, incluindo os filhos do presidente, foram às redes sociais criticar Doria e fazer ilações sobre a vacina.

Fontes:Matheus Pichonelli (Yahoo Notícias) I Breiller Pires e Felipe Betim (El País), Jornalistas

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