Gazeta da Torre
Para especialistas, os motivos para esse aumento são as
redes sociais, a insatisfação com a própria imagem e a infelicidade causada por
dificuldades em se sentir capaz ou insuficiente para lidar com o mundo, a
sociedade e a realidade de uma forma geral
O Brasil é líder mundial no ranking de cirurgias
plásticas em jovens. De acordo com dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia
Plástica (SBCP), dos quase 1,5 milhões de procedimentos estéticos feitos em
2016, 97 mil (6,6%) foram realizados em pessoas com até 18 anos de idade. Entre
as justificativas para o quadro está a insatisfação com a própria imagem que,
segundo o psicólogo Michel da Matta Simões, pesquisador da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, boa parte é
motivada por demandas sociais “que exigem dessas pessoas mais do que elas podem
ou se sentem capazes de oferecer”.
Aos 18 anos, a estudante de direito Alicia Keyt realizou
sua primeira cirurgia plástica. Após fazer um acordo com a mãe, trocou a
oportunidade de ganhar o primeiro carro por implantes de silicone. Ela conta
que o desejo de mudar apareceu ao acreditar que seu corpo estava fora do padrão
de feminilidade. “Para mim, a mulher precisava ter peitos; eu achava que era
algo que eu tinha que seguir. Hoje eu vejo que não tinha tanta necessidade”,
conta.
A estudante mudou de ideia sobre a importância dos
implantes após a cirurgia. Conta que não se arrepende, mas, após ter estudado
sobre o assunto e aprendido outros conceitos, como auto aceitação, feminismo e
amor próprio, diz que poderia ter esperado mais. “Esse procedimento não me
ajudou a me aceitar. Hoje, se eu não tivesse colocado a prótese, acho que teria
me aceitado do jeito que eu era, porque, depois que coloquei, vi que o meu
corpo era perfeito”.
O difícil processo de recuperação pós-cirúrgico, que
inclui meses sem poder fazer nenhum tipo de esforço, só ficou claro para a
estudante após o procedimento. E o resultado tão esperado veio somente após um
ano inteiro de muito cuidado pós-operatório. “Eu coloquei um biquíni e fui me
olhar no espelho; quando tirei uma foto, falei ‘cara, esse é o resultado que eu
estava esperando’”, conta, lembrando que precisará usar sutiã de sustentação cirúrgico
para o resto da vida.
Depois de passar pela experiência, Alicia recomenda muita
pesquisa e reflexão antes de tomar
qualquer decisão e se submeter a algum procedimento estético. Diz ser
importante ter mais de uma opinião médica e, principalmente, saber tudo a
respeito da cirurgia escolhida. “É a sua vida e sua autoestima que estão em
jogo”, afirma a estudante, que não pensa em retornar às mesas cirúrgicas. “É
uma coisa muito séria, muito invasiva, te impossibilita de muita coisa e você
vai ter que ter um pós para o resto da vida. Hoje, vejo tanta gente nova
fazendo e penso ‘meu Deus, eu sou uma estatística'”, conta.
Somente nos últimos dez anos, houve um aumento de 141% no
número de procedimentos entre jovens de 13 a 18 anos, segundo a SBCP. Entre as
cirurgias mais procuradas estão os implantes de silicone, a rinoplastia e a
lipoaspiração. Para o psicólogo Michel Simões, essa procura está muito ligada a
um conflito entre aquilo que os indivíduos gostariam de ser e o que é exigido
para que se considerem ajustados à sociedade. Diz que a insatisfação com a
própria imagem vem da infelicidade causada por “dificuldades em se sentir capaz
ou insuficiente para lidar com o mundo, a sociedade e a realidade de uma forma
geral”.
Para o psicólogo, as redes sociais desempenham um papel
importante nesse processo de insatisfação, seja pelo alcance “que elas
proporcionam quanto pelas possibilidades que elas oferecem”. Simões acredita
que o universo virtual, ao veicular a ideia de corpo e estilo de vida perfeitos
como algo real e concreto, cria padrões e ideais de beleza que são
inatingíveis. “Todo esse mecanismo dificulta a integração daquilo que se tem a
oferecer e torna os recursos pessoais de cada um insuficientes, porque, aquilo
que é natural é imperfeito e, portanto, diferente daquilo que se posta e
compartilha”.
Quando cirurgia representa qualidade de vida
Porém, os jovens não procuram as cirurgias plásticas
somente devido à preocupação estética; sofrimentos emocionais agravados por
restrições sociais autoimpostas podem justificar correção cirúrgica. É o que
explica o cirurgião plástico e professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto (FMRP) da USP, Pedro Coltro.
Segundo o professor Coltro, existem casos em que os
procedimentos merecem ser realizados mesmo antes dos 18 anos. São aqueles em
que pessoas jovens sofrem por apresentarem, por exemplo, mamas grandes ou
pequenas demais ou ainda deformidades no nariz; situações que, garante Coltro, podem
levar ao constrangimento e à restrição do convívio social.
O professor diz que os procedimentos cirúrgicos com fins
estéticos são recomendados para jovens a partir dos 18 anos, quando possuem
mais autonomia e maturidade para tomarem decisões. Mas, casos em que pessoas
estão suscetíveis ao sofrimento do bullying escolar, além de “uma redução
drástica de autoestima e qualidade de vida”, devem ser analisados
separadamente. “Se a gente pensar que a definição de saúde pela Organização
Mundial da Saúde (OMS) é o estado de bem estar físico, social, mental e
psicológico, a cirurgia plástica nesses casos vai trazer uma melhora para a
qualidade de vida do paciente, logo para a saúde”, analisa Coltro.
Fonte;Jornal da USP
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