Psicóloga Luiza Brasil de Sá Leitão - Centro de
Psicologia Hospitalar e Domiciliar
Colaboradora do Gazeta da Torre
Refletindo sobre a relação criança/adulto, é preciso
fazer a distinção entre a experiência infantil e a experiência adulta, no seio
da sociedade. Diante de perguntas como: o que há hoje em dia com esses nossos
pequenos?, será que as crianças estão perdendo sua essência, queimando etapas?,
será que nossas crianças em breve deixarão de ser crianças?, é preciso
entender, primeiramente, que a sociedade mudou. Nossa cultura tem se renovado;
seu desenvolvimento se dá num ritmo nunca visto e as crianças, fruto desse
meio, têm sido acionadas como nunca antes.
No mundo globalizado pela informação, a tecnologia não
faz cerimônias em estender suas asas sobre as nossas casas. A informática
deixou de ser apenas uma ciência e se tornou conhecida como uma plataforma de
comunicação digital. As videoconferências que pareciam ser apenas um tipo de
comunicação presente em filmes de ficção, hoje se integram de maneira profunda
na vida de adultos e crianças. E os relacionamentos que, antigamente, se
estreitavam na família e entre pessoas, no mundo moderno se tornaram obsoletos
com a comunicação de áudio e vídeo em tempo real, favorecidas pela Internet.
A relação entre o saber e o não-saber, que sempre se
configurou como elemento de distinção, por excelência, entre a experiência
infantil e a experiência adulta, está perdendo a sua consistência. Além do
aspecto fundamental do acesso à leitura, do saber ou não-saber ler, havia um
outro aspecto, que distanciava adultos e crianças: a vergonha dos mais velhos,
na relação com os pequenos, ante questões como violência, sexo e palavras
grosseiras. Tudo isso contribuía para a construção de um clima de mistério e
segredo, que ensejava a autoridade dos mais velhos, para impor à infância as
diretrizes formadoras.
O não-saber constitutivo da infância dissolve-se, no
contexto atual, onde dominam a televisão e a internet, não só em razão da
natureza da imagem que, contrariamente à alfabetização, é legível
imediatamente, tanto aos de seis, quanto aos de sessenta anos, como também do
caráter de entrada franca da televisão, que coloca adultos e crianças em pé de
igualdade perante a informação. E, num mundo onde não há mais segredos, a relação
adulto/criança teria que adquirir uma nova essência.
Apesar de tudo isso, crianças precisam de braços que as
acolham, que as aplaudam e as guiem. Crianças precisam sentir-se crianças,
independentemente de suas capacidades e habilidades de qualquer ordem.
Saibamos, pois, que o arquétipo infantil existe, sobrevive e sobreviverá a
todos os ataques, inclusive aos de determinadas culturas, que procuram massificar, erotizar e
transformar nossos pequenos em adultos miniatura.
Nesse mundo da modernidade, apesar de ainda existir muita
resistência, as relações entre adultos e crianças têm avançado no sentido da
troca de opiniões, do respeito sem medo e da demonstração mais espontânea de
amor. O adulto precisa tentar dar asas à criança, mas mantendo um lado
protetor, para resguardar a criança contra a violência, e devendo ter cuidado
com os excessos, pois a superproteção pode atrapalhar suas relações.
Quando o
adulto já tem essa conscientização, acolhe as necessidades da criança, de
criar, manusear, jogar, brincar, mostrar suas habilidades, sonhar, falar de si
e dos amigos. As famílias quase não se juntam mais para conversar e isso
impacta na personalidade das crianças; muitos pais tentam compensar essa
ausência com o atendimento de seus desejos e assim elas não criam um processo
de conquista, já que recebem coisas instantaneamente, mas passam a colaborar
com o que tem sido observado pelos estudiosos; que nas sociedades
contemporâneas o mercado está mais atento ao modo de vida das crianças, que
hoje não estão ausentes das relações econômicas e são consumidoras em
potencial.
As crianças precisam continuar sendo vistas como
crianças, porém é importante que o adulto as respeite e, a partir de um olhar
discriminativo da condição do que é ser hoje uma criança, consiga fazê-las
entender, que a autoridade ainda é deles, por sua experiência de vida, sua
missão de pais e educadores.
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