Gazeta da Torre
Os efeitos benéficos da proteína klotho, produzida pelo
corpo humano, nas células do sistema nervoso são mostrados em pesquisa do
Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP. Experimentos feitos em
laboratório mostram que a proteína, ao favorecer a produção de energia e a
imunidade das células, também estimula a ação antioxidante contra o estresse e
a destruição celular.
Os resultados do estudo reforçam o papel da klotho como
possível opção para contornar os efeitos do envelhecimento no sistema nervoso,
associado a doenças neurodegenerativas como o Alzheimer e o Parkinson. A
pesquisa é descrita em artigo publicado na revista Scientific Reports, do grupo
Nature.
Para entender o papel da klotho, primeiro é preciso
entender como é obtido o suprimento de energia do sistema nervoso central.
“Sabemos que o cérebro pesa 2% do peso do corpo mas gasta 20% da energia que
uma pessoa consome quando em repouso. Os neurônios possuem uma alta demanda
energética, pois são as principais células envolvidas com nossa capacidade de
memorizar, aprender, pensar”, explica ao Jornal da USP a pesquisadora Ana Maria
Marques Orellana, do ICB, primeira autora do artigo.
Já os astrócitos, diz ela, são células de suporte.
“Isolam as sinapses, que são os espaços entre os neurônios onde ocorre a
transmissão de informações de uma célula a outra, protegem eles na vigência de
um estímulo lesivo, juntamente com as células do sistema imunológico do
cérebro, que são as micróglias, e também têm um papel fundamental no suprimento
de energia.”
A pesquisadora relata que a principal fonte de energia
para o cérebro é a glicose, que chega até o órgão pela circulação sanguínea.
“Quem controla a entrada de nutrientes no sistema nervoso é a barreira
hematoencefálica, que tem transportadores específicos para diversos nutrientes,
como a glicose, os corpos cetônicos (fonte de energia em jejum), e o lactato”,
aponta.
Mas como evitar oscilações no suprimento de energia aos
neurônios? “Os astrócitos fazem isso. Eles captam a glicose e a transformam em
glicogênio, gerando um pequeno estoque. Os neurônios não têm capacidade de
estocar energia, consomem a glicose imediatamente. Então os astrócitos mantêm o
suprimento constante.”
Outra via pela qual os astrócitos são capazes de suprir
os neurônios é fornecendo lactato, obtido pela conversão de glicose, quando seu
nível está em baixa e durante a atividade física. “Para evitar oscilações
dependentes das concentrações de substratos oriundos do sangue, existe um
acoplamento energético natural entre neurônios e astrócitos”, descreve Ana
Orellana. “O neurônio capta a glicose e esta será usada para gerar energia
imediatamente, sem estoque. O astrócito, por sua vez, capta a glicose, que é
armazenada como glicogênio, favorecendo uma reserva.
Nos neurônios, a divisão da glicose também se dá por duas
vias (conjunto de reações químicas), a das pentoses e a da PFKFB3. Porém, a das
pentoses é a preferencial por estimular sistemas anti-oxidantes, logo,
idealmente a PFKFB3 deve ser constantemente inibida. A via das pentoses utiliza
moléculas de carboidratos com cinco átomos de carbono cada uma, as pentoses, e
a PFKB3 é uma enzima que atua no metabolismo da glicose.
PROTEÇÃO DAS CÉLULAS
A pesquisa verificou se a klotho era capaz de alterar
parâmetros do metabolismo em neurônios e astrócitos e se isso os protegeria.
“Ela é uma proteína anti-envelhecimento produzida nos rins e no sistema nervoso
central. Seus níveis se relacionam diretamente com o envelhecimento, assim, ao
longo dos anos, temos menos klotho no sangue e no cérebro. Isso está associado
ao déficit cognitivo”, afirma Ana Orellana. “Ademais, sabemos que no
envelhecimento temos redução do metabolismo de glicose e oxigênio no cérebro, o
que fica mais intenso na presença de doenças neurodegenerativas, e também há
alterações na eficiência das mitocôndrias, parte das células que produz
energia, e queda na atividade da via das pentoses nos neurônios.”
“Observamos que as culturas de astrócitos quando foram
tratadas com klotho in vitro, em laboratório, tiveram diminuição dos efeitos
moleculares desencadeados pela insulina e portanto aumento da sinalização
anti-oxidante. Para entender como esse efeito anti-oxidante atua, expusemos
essas células a diferentes graus de estresse oxidativo e a klotho foi capaz de
proteger os astrócitos da morte diante de estímulos de baixa e média intensidade”,
afirma a pesquisadora.
“Já os neurônios tratados com a klotho tiveram redução da
atividade de algumas proteínas relacionadas à cascata molecular desencadeada
pela insulina, que é fundamental para que a glicose adentre à célula, mas que
interfere negativamente em mecanismos de degradação proteica, que podem ser
benéficos para o cérebro. A klotho promoveu uma redução da via da PFKFB3,
favorecendo a via das pentoses que aumenta a conversão de fatores
anti-oxidantes na célula, e também a degradação de proteínas, que normalmente
está menos ativa no envelhecimento.”
Segundo a cientista, a redução da PFKFB3 e o aumento da
degradação das proteínas não foi suficiente para proteger os neurônios das
mesmas concentrações de estresse oxidativo às quais os astrócitos foram
submetidos, indicando que um estímulo intermediário para o astrócito é intenso
para o neurônio, levando à morte. “Em trabalhos anteriores, no entanto,
verificamos que, na vigência de inflamação, a klotho protege o neurônio da
morte se o estímulo for intermediário para ele”, ressalta.
“Sabemos que a sinalização da insulina é fundamental para
a vida, mas a super estimulação dessa via tem um caráter prejudicial na medida
em que inibe a degradação de proteínas mal enoveladas, de agregados, prejudica
a autofagia [processo normal de degradação de componentes da própria célula],
tem potencial pró-inflamatório e aumenta o estresse oxidativo. A klotho
contrapõe os efeitos da insulina, favorece a degradação e eliminação de
proteínas e aumenta o potencial antioxidante.”
O professor do ICB, Cristóforo Scavone, que orientou a pesquisa,
relata que há estudos mostrando que a administração periférica de klotho
reverte o déficit cognitivo em modelo animal de Parkinson.
Aparentemente, haveria menos efeitos colaterais, pois as
ações da klotho são bem balanceadas, e os anticorpos provocam edema, inchaço.
Porém essas são hipóteses que vão exigir anos de pesquisas, ressalva Scavone.
Ana Orellana destaca que é possível melhorar os níveis da
klotho no organismo por meio de exercício físico regular e da administração de
compostos presentes na alimentação, como o resveratrol, existente nas uvas
roxas. “Além da atividade física, a ingestão de menos calorias pode reduzir a
estimulação da via da insulina, e o consumo de vinho em baixas quantidades
poderia proporcionar o benefício do resveratrol”. Os estudos no ICB tiveram a
colaboração do National Institue of Aging (NIA), em Baltimore (Estados Unidos).
Fontes: ASBRAN (Associação Brasileira de Nutrição); Jornal da USP;
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