Gazeta da Torre
A escassez de água no Brasil é um problema complexo, que
afeta diversas regiões do País, especialmente as áreas urbanas e ruralizadas.
Um estudo recente, liderado por Lira Luz Benites Lazaro, pós-doutoranda no
Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, revelou uma visão aprofundada
sobre a crise hídrica no Brasil, com especial atenção ao estado de São Paulo.
O artigo Avaliando narrativas de escassez de água no
Brasil – Desafios para a governança urbana, publicado no periódico
Environmental Development, se originou da análise de mais de dois mil artigos
de jornais de grande circulação no Brasil, cobrindo o período de 2010 a 2021,
para mapear narrativas de escassez de água no País, identificando as fontes e
tipos de narrativas mais persuasivos sobre o tema.
De acordo com a autora, o trabalho evidenciou que as
narrativas observadas estão longe de serem neutras. “As narrativas sobre as
mudanças climáticas, a escassez hídrica e outras questões importantes, como a
pandemia, são produzidas em um contexto social e político, e cada grupo tem
seus discursos predominantes, que muitas vezes acabam sendo os mais influentes
nas tomadas de decisão”, esclarece.
Ela destaca a importância de refletir sobre temas como
gestão, mudanças climáticas, acesso à água e impactos ambientais para entender
melhor a formulação de políticas públicas e a perspectiva social sobre a crise
hídrica. “Os discursos ocorrem em um contexto político e social, e algumas
narrativas muitas vezes influenciam as tomadas de decisão e a gestão, enquanto
outras são marginalizadas”, pontua a autora.
A investigação de Lira Lazaro também destaca a má gestão
e falta de planejamento estratégico em São Paulo desde a década de 1970,
agravada pela crise hídrica de 2014-2016. No texto, a Sabesp, empresa até então
semi-privatizada, é criticada pela falta de investimento e infraestrutura
adequados. Além disso, os comitês de bacias hidrográficas são apontados como
ineficazes devido a desafios como a legitimidade das representações e
dificuldades em estabelecer diretrizes para debates politizados.
Para o professor Pedro Jacobi, orientador do projeto e
pesquisador colaborador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, “o
principal problema [da gestão hídrica] está associado ao tema da dificuldade do
diálogo com a própria gestão pública, a população com a gestão pública, muitas
vezes da falta de transparência e, ao mesmo tempo, dos entraves administrativos
da própria gestão.”
Durante a crise de 2014-2016, o governo de São Paulo
adotou várias medidas, incluindo a utilização de reservas técnicas e políticas
de incentivo e penalização relacionadas ao consumo de água. No entanto, algumas
dessas medidas, como a redução da pressão da água, geraram problemas
adicionais, como saúde e contaminação da água.
“Quando falamos da gestão hídrica associada à política
nacional e no caso específico do comitê de bacia, nós temos diferentes
segmentos. Então, no caso de São Paulo, quando se fala em sociedade civil, se
incluem todos os atores que não são públicos; já em nível nacional, você tem
uma situação diferente”, defende Jacobi.
Para ambos os pesquisadores, o trabalho recente enfatiza
a necessidade de uma avaliação e melhoria contínua nas estruturas de governança
da água e ressalta a importância de desvendar as diversas narrativas sobre a
escassez de água e seu impacto nas soluções, políticas e gestão da água. Em
especial, considerando o contexto que envolve decisões ambientais e seus
impactos em um cenário de mudanças climáticas que afeta também o Brasil.
Sobre isso, o professor reforça que “em termos de clima,
uma coisa muito preocupante é a questão do desmatamento na Amazônia e o impacto
no que ficou denominado como ‘rios voadores’. Quanto mais houver desmatamento,
maior o risco de perda de evapotranspiração, e isso se reflete diretamente no
volume de chuva”.
Para Lira Lazaro, a pesquisa traz à tona a complexidade
da crise hídrica no Brasil, destacando a interdependência dos vários setores
envolvidos e a importância de políticas públicas que considerem essa
complexidade.
Apesar de não ter mapeado a possível influência das
narrativas reportadas diante da tomada de decisões políticas sobre o assunto, a
especialista teoriza que relacionar ambos os assuntos seria “valioso”.
“Por exemplo, poderíamos cruzar os dados para mostrar
como certas decisões foram tomadas em resposta a essas narrativas”, afirma ela
ao pontuar que o evidenciamento da inação do Poder Público também constituiria
uma conclusão importante. “O silêncio é uma forma de negação que usa a fábula
clássica das roupas novas do imperador como exemplo de uma conspiração de
silêncio, uma situação em que todas as pessoas se recusam a reconhecer uma
verdade óbvia ou relutam em afirmá-la publicamente”
A análise é um lembrete importante de que as crises
hídricas são questões multifacetadas, influenciadas por uma variedade de
fatores sociais, políticos e ambientais, e que uma compreensão aprofundada das
narrativas envolvidas pode ser essencial para a formulação de soluções mais
eficazes e sustentáveis.
*Mais
informações: e-mails lbenites@usp.br, com Lira Luz Benites Lazaro e
prjacobi@usp.br, com Pedro Jacobi
Fonte:Jornal da USP
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