Gazeta da Torre
[...] Religiosos entram para a política com base num
discurso moralista – não apenas contra os maus políticos, como o que seriam os
maus costumes em geral. Apresentam-se como restauradores da ordem, infensos à
corrupção e aos pecadilhos humanos. E, a partir do seu próprio exemplo, querem
impor seus dogmas em todos os campos, como salvadores diante do apocalipse.
Aí está a contribuição dos casos do pastor Everaldo, da
Assembleia de Deus, presidente do PSC e da deputada Flordelis (PSD-RJ),
fundadora da sua própria igreja, o Ministério Flordelis. Religiosos na política
não são garantia de bom comportamento, muito menos de solução para a moralidade,
na política ou na vida. Ao contrário. Os políticos que se apresentam como bastiões
da moral podem cair nos mesmos pecados de outros mortais. Com o agravante da
farsa, escondendo o pé de barro, para vender-se como santos, caso de Flordelis,
que já foi idealizada até mesmo em filme.
Ninguém pode dizer que os políticos religiosos
representam os interesses de sua comunidade de fé.
Existe no Congresso Nacional a chamada bancada
evangélica, um bloco informal, cujos integrantes supostamente se unem em
votações com posições de interesse em comum. Na maior parte das vezes, porém,
esses políticos usam sua identificação com a comunidade religiosa mais para
eleger-se. Uma vez no poder, como ilustra o caso de Everaldo, defendem mais os
interesses próprios.
Ninguém é proibido de participar da política e a religião
é livre. Porém, usar o proselitismo religioso para impulsionar a carreira
política, ou apresentar-se como representante político de uma religião, são
desvirtuamentos da democracia.
A religião na política vai contra os princípios do Estado
laico, conforme está registrado na Constituição de todas as democracias do
mundo, incluindo a brasileira. Não existe bancada religiosa no Congresso de
democracia nenhuma no mundo inteiro, exceto nas falsas, como no Irã dos
aiatolás.
Ao defender interesses de partidários de uma religião
específica, contraria-se o princípio da igualdade, segundo a qual todos os
brasileiros são iguais perante a lei, independentemente de raça, cor e,
diga-se, religião. Não há nenhuma razão para que se tome decisões em favor de
membros desta religião ou daquela, sendo todos os crentes tratados igualmente,
como cidadãos, com os mesmos direitos e deveres.
O destino dos moralistas é serem desmoralizados. Porém,
há algo a melhorar na democracia brasileira, para que se extingua o voto de
natureza religiosa. É preciso proteger os princípios humanistas da igualdade entre todos os
cidadãos, independente de suas escolhas pessoais, seja de religião, seja dos
costumes.
Um dos grandes dilemas da democracia é como tratar
pessoas diferentes como iguais, e ao mesmo tempo como tratar pessoas como
iguais, respeitando suas diferenças. O certo, porém, é que a democracia é o
único regime onde isso pode chegar o mais perto possível do ideal.
Para isso, deve surgir a partir do eleitor uma reação
contra a infiltração da religião no poder, seja no Executivo, no Legislativo ou
no Judiciário –como quer o presidente Jair Bolsonaro, que colocou Deus no
slogan de Estado e prometeu nomear um ministro “terrivelmente evangélico” na
sua próxima indicação ao Supremo Tribunal Federal.
Com a partidarização da religião, o que se fomenta no
Brasil é apenas a intolerância, e com ela a defesa e tentativa de imposição de
interesses de um grupo sobre o de outros, com a natural reação em contrário dos
prejudicados.
O clima de intolerância só interessa aos ditadores de
plantão, que só podem fazer o que quiserem se passarem por cima do respeito ao
pluralismo e da diversidade. A verdade é que, sem liberdade, não há nenhum
progresso real. Quando as ditaduras dão errado, é por liberdade que se clama,
porque deram errado. Quando elas dão certo, pede-se também por liberdade, para que
se possa desfrutar do progresso.
Só há um caminho, que é o caminho da liberdade, mas para
chegar lá é necessário neutralizar as forças insidiosas que se nutrem da
intolerância, promovidas por pessoas que agem em interesse próprio. No Brasil,
esses agentes parecem já ter se esquecido dos males que as ditaduras fazem a
todo mundo. E que somente a democracia permite a um país fazer sua própria
crítica, corrigir erros e melhorar.
A história, porém, não se esqueceu. E só depende dos
defensores da liberdade e da igualdade não perdê-las, para que possamos chegar
mais depressa e orgulhosamente a um bom lugar.
*Thales Guaracy, jornalista e cientista social, formado pela USP. Ganhador do Prêmio Esso de Jornalismo Político
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