Gazeta da Torre
A utilização desses fármacos pode ser prejudicial se não
houver orientação médica, advertem especialistas
A comercialização de antidepressivos e estabilizadores de
humor cresce a cada ano no Brasil. Conforme dados do Conselho Federal de
Farmácia, a venda desses medicamentos
cresceu cerca de 58% entre os anos de 2017 e 2021. A população brasileira
recorre de forma progressiva aos fármacos em situações relacionadas à saúde
mental. De acordo com um levantamento divulgado em 2017 pela Organização
Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é um dos países mais depressivos e ansiosos do
mundo. Cerca de 5,8% da população sofre com a depressão e 9,3% possui problemas
com ansiedade. Esses dados podem explicar o “sucesso” de ansiolíticos,
antidepressivos e sedativos nos últimos anos.
Wellington Barros da Silva, professor da área de
Epidemiologia da Universidade Federal de Sergipe e consultor do Conselho
Federal de Farmácia, aborda a atuação dos antidepressivos e estabilizadores de
humor no organismo humano: “Esses medicamentos, de uma forma geral, alteram o
que nós chamamos de mediadores químicos, substâncias que o nosso organismo
produz, responsáveis pelos estágios de humor.” Como, por exemplo, a dopamina e
a serotonina, importantes neurotransmissores.
A produção dessas substâncias pelo corpo humano
influencia diretamente o estado de humor das pessoas. Problemas como depressão
e ansiedade alteram o funcionamento dos mediadores químicos e os medicamentos
agem regulando a produção desses mediadores, com o objetivo de estabilizar a
condição emocional de quem passa por isso.
Sobre os efeitos dos ansiolíticos e sedativos, Alline
Cristina de Campos, professora do Departamento de Farmacologia da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, explica: “Eles vão atuar
primeiramente no nosso cérebro, nele existem receptores específicos para esses
fármacos. O que os remédios vão fazer é facilitar a inibição do nosso cérebro
através de um neurotransmissor chamado Gaba e diminuir a ansiedade.” O Gaba é o
ácido aminobutírico, principal neurotransmissor inibidor do sistema nervoso
central. Ele atua como indutor de relaxamento e facilitador de concentração.
Por agirem diretamente no sistema nervoso, os
antidepressivos e ansiolíticos devem ser utilizados com cuidado. Andréa, nome
fictício que utilizamos para identificar uma pessoa que faz uso dos
medicamentos, conta os efeitos colaterais do uso do Zolpidem, indicado para
atenuar os efeitos de um antidepressivo: “Não deu muito certo, eu tinha muitas
alucinações, cheguei a ser atendida pelo Samu por conta delas. Eu tinha amnésia
muito forte e esquecia que eu tinha tomado o remédio, algumas vezes eu tomei
novamente e as alucinações só aumentaram. Eu tive que ir ao médico porque
acabei me tornando um perigo para minha própria vida por conta de tanta
alucinação com esse remédio”.
O acompanhamento médico é fundamental para entender e
controlar os efeitos desses fármacos. “Quando nós estamos há muito tempo sob o
efeito desse medicamento, nosso corpo se acostuma e é como se o nosso cérebro
começasse a produzir menores quantidades desses neurotransmissores. Se você
retirar abruptamente esse medicamento, vai causar a ausência desse
neurotransmissor, não completamente, mas no nível que o nosso cérebro precisa”,
alerta a professora Alline. Desse modo, um processo de adaptação é necessário
para readaptação do cérebro.
Perigo do uso indiscriminado
Assim como qualquer medicamento, os antidepressivos ou
ansiolíticos podem causar a dependência dos pacientes se forem utilizados de forma
indiscriminada. Wellington da Silva explica os aspectos fisiológicos desse uso:
“Quando há alteração na produção dessas substâncias no organismo, ele tenta se
reequilibrar reagindo ao medicamento, porque é uma substância estranha no nosso
corpo”. A dependência passa pelas diversas alterações no mecanismo biológico do
organismo humano.
Além disso, Silva também menciona os fatores sociais e
culturais, em especial da sociedade brasileira. “É o uso abusivo e, muitas
vezes, desnecessário de medicamentos que induz você a provocar um desequilíbrio
entre o uso desse medicamento e a resposta do organismo. Isso vai provocar o
fenômeno que nós chamamos de dependência”, aponta.
Andréa detalha a sua relação com os medicamentos e alerta
para a importância de um suporte profissional: “Eu não tinha uma dependência
química, mas eu tive uma dependência psicológica dele, às vezes, o fato de eu
ter ou não ter é muito significativo na questão da ansiedade. Se eu não tenho
remédio, às vezes eu fico ansiosa só pelo fato de não ter, eu gosto da
segurança de ter, às vezes eu sinto necessidade de tomá-lo por conta dessa
questão psicológica”.
Ela ainda comenta que são remédios muito perigosos, mas
necessários em alguns casos. Para Andréa, o principal é saber até que ponto é
necessário consumir o medicamento, ter o acompanhamento médico, saber a hora de
parar e parar da forma certa. O processo de desmame, que consiste em uma
redução gradual da dose para minimizar os efeitos do remédio, é fundamental.
A pandemia ocasionada pelo vírus da covid-19 também foi
um fator considerável para o aumento da comercialização desses fármacos. De
2019 para 2020, o crescimento foi de 17% e, de 2020 para 2021, foi de 12%. O
período de isolamento social e a incerteza sobre o coronavírus deixaram marcas
na sociedade. “É um indício de que a pandemia de fato afetou a saúde mental das
pessoas, provavelmente em função de algumas questões, como o confinamento a que
nós fomos obrigados a ficar e a própria situação de ansiedade que é provocada
por uma doença da qual não se tinha conhecimento nem nada”, indica Wellington
da Silva.
Fonte: Jornal da USP
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