Gazeta da Torre
No final do trimestre de 2021, a revista Teen Vogue anunciou a contratação da
jornalista Alexi McCammond como editora-chefe da capa. McCammond, de 27 anos,
havia trabalhado em empresas importantes do setor nos Estados Unidos e
enfrentava agora um novo desafio. Mas apenas alguns dias depois da publicação
de sua contratação e sem sequer chegar a tomar posse do cargo, a profissional
apresentou sua demissão. O motivo: o escândalo que se formou por alguns tuítes
que publicou quando tinha 17 anos e sobre os quais alguns funcionários da
revista alertaram por seu conteúdo racista e homofóbico.
O caso de McCammond é um dos mais recentes, mas não é o
único. A cultura do cancelamento é uma nova realidade que pode, como nesse
caso, acabar em demissão em poucas horas. Nos últimos anos vimos exemplos
semelhantes em jogadores de futebol, políticos e pessoas anônimas. Em muitas
dessas situações ocorre a coincidência de que os comentários foram realizados
no passado, quando essa pessoa não tinha a projeção pública e sequer intuía que
poderia chegar a ostentar esse cargo para o qual depois se exige certo decoro.
Tal como explica José Manuel Rodríguez, jornalista e
consultor digital, quando utilizamos essas plataformas na internet para
expressar nossas opiniões “ficamos expostos por algo que dissemos em seu
momento e que não precisa ser representativo do que somos e pensamos hoje. Um
dos problemas que surgem com as redes sociais é que geram a perspectiva
enganosa de que as pessoas não mudam com o tempo, mas não é assim.”
A pergunta, portanto, é como podemos evitar que a pegada
digital deixada por nosso eu do passado repercuta em nosso eu do presente. Um
equilíbrio que se torna ainda mais complicado se introduzimos a variante do
trabalho. Por um lado, somos recomendados a cuidar de nossa marca pessoal na
rede para conseguir novas oportunidades de trabalho e, por outro, dizem que
precisamos ser muito cautelosos com o que mostramos porque se volta contra nós.
Raquel Recolons, especialista em marketing digital e
redes sociais e professora da EAE Business School, diz que “as pessoas hoje em
dia estão muito preparadas, especialmente os millennials, que já têm certa
trajetória profissional e puderam vivenciar situações em que sua atividade [nas
plataformas] jogou a favor e contra. A geração Z, entretanto, mais jovem, ainda
não enfrentou essas situações, e são mais atrevidos em suas publicações”.
O apagamento maciço é a solução?
Nos últimos anos se popularizou um tipo de empresa que se
dedica a fazer por nós uma limpeza integral de nossa presença na internet.
Internacionalmente, um dos serviços com mais projeção é o Deseat.me, que
controla, após a introdução do e-mail, todos os sites em que algum dia você
criou uma conta e anula esses perfis se assim o desejar. Na Espanha também
funciona a Eliminalia, uma empresa que, segundo indicam, promete
confidencialidade para apagar dados e informação na internet de particulares e
empresas. Além disso, tal como se vê nas sentenças do Tribunal de Justiça da
União Europeia sobre o direito ao esquecimento, podemos pedir ao Google que
elimine informação pessoal que consideramos danosa à nossa imagem.
Para José Manuel Rodríguez, a contínua exposição online
“é uma espécie de armadilha que armamos a nós mesmos gerando uma hemeroteca que
podemos eliminar tranquilamente”. O jornalista, que trabalhou por mais de 10
anos gerindo os perfis em redes sociais de diversas empresas, é favorável a
apagar regularmente nosso feed [conteúdo publicado em uma rede social]. Nem
todas as plataformas tornam isso fácil, mas a limpeza no Twitter é algo
relativamente simples de se fazer para evitar surpresas desagradáveis no
futuro. “O TweetDeleter, por exemplo, te permite escolher períodos de tempo, é
automático, e apaga os tuítes com a periodicidade escolhida”, diz Rodríguez.
“Eu o recomendo porque, em certas ocasiões, você pode querer comentar um
programa de televisão e se manifestar sobre uma questão que te irrita muito. Às
vezes, por mais cuidado que se tome, pode-se perder a cabeça e colocar algo
inapropriado. É aí que essa ferramenta funciona como uma espécie de carro
limpador que vai apagando”. Nesse sentido, o jornalista indica que tendemos a
supervalorizar a importância de nosso arquivo pessoal nas redes sociais. “Não
se apegue a ele, porque o problema da internet como conceito é a permanência do
que dizemos, a possibilidade constante de que você, com seu nome e sobrenome,
em determinado fórum, tenha dito algo que tempos depois pode aparecer em uma
busca do Google”.
Recolons, por sua vez, recomenda fazer a limpeza de
conteúdo manualmente porque “isso nos dá a oportunidade de ver cada conteúdo e
selecionar o que é necessário que seja apagado e o que não”. Além do
TweetDeleter, sugere utilizar a ferramenta MyPermissions Privacy Cleaner “para
controlar sua privacidade através dos aplicativos aos que deu permissão [para
acessar seus dados] a partir de suas redes sociais”. A professora da EAE
Business School também lembra que “o próprio Facebook, em nosso perfil, nos dá
uma opção —o registro de atividade— em que podemos revisar todas as nossas
publicações, ações e onde fomos etiquetados e a partir daí editar sua visibilidade
e até eliminar essas atividades. No próprio aplicativo do Instagram também há
um truque interessante, por exemplo, para deixar de seguir usuários com quem
não somos muito próximos”.
Os que desejam um serviço mais sofisticado contam com
empresas como a britânica The Marque, que oferece a pessoas com cargos de alto
escalão uma assistência integral para conseguir um rastro digital de acordo com
seu nível. Como diz seu fundador, a ideia surgiu ao comprovar que “muitos
profissionais de perfil alto estavam mal representados online com informações
desatualizadas sobre eles, compartilhada várias vezes sem uma fonte clara de
conteúdo confiável”.
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Perfil pessoal contra perfil profissional em redes
sociais
Um exemplo recente de personagem público que utilizou o
apagamento maciço de tuítes é o do porta-voz do Unidas Podemos no Congresso
espanhol. Pablo Echenique, que tem o hábito de utilizar essa plataforma na qual
entrou em março de 2009, eliminou maciçamente todas as mensagens anteriores a 4
de junho. Nesses casos em que uma pessoa tem um perfil público tão marcado,
cabe se perguntar se pode ser uma boa ideia criar duas contas paralelas nas
redes sociais: uma para questões pessoais e outra com uma visão profissional.
Recolons considera que “não há uma resposta totalmente
fechada que sirva para todo mundo. Em geral, recomendaria ter um só perfil, e
selecionar cada canal social para publicar o conteúdo mais apropriado: enquanto
no Linkedin o pertinente é se limitar ao âmbito profissional, em outras redes como
o Instagram não há problema em que os usuários mostrem parte de sua vida
privada. De fato, gostamos de ver”, lembra a especialista em marketing digital.
“De qualquer forma, seria preciso analisar cada caso para determinar a melhor
solução. Em muitas redes sociais é possível ter perfis privados, para que
somente quem tem nossa permissão possa ver os conteúdos, e pode ser uma boa
solução para os que pretendem ter dois perfis, um de âmbito público/profissional
aberto, e um 100% privado”.
José Manuel Rodríguez, por sua vez, recomenda fazer uma
reflexão prévia da imagem que se quer projetar nas redes sociais porque, em um
entorno tão polarizado como o atual, um problema recorrente costuma ser
acreditar “que a marca pessoal se constrói se baseando em conseguir as
filiações de pessoas que pensam de modo parecido, no lugar de demonstrar do que
você é capaz como profissional”.
O certo é que para evitar situações incômodas e crises de
reputação muitas empresas estão criando protocolos específicos para que seus
funcionários saibam de antemão como devem se comportar em seus perfis sociais e
o que pode acontecer se essas normas forem desrespeitadas. Apesar disso, talvez
as duas partes, empresas e trabalhadores, devam questionar se entramos em uma
dinâmica excessivamente nociva e não é exagerado que uma pessoa possa perder
seu emprego por um tuíte do passado tirado de contexto. “O problema de tudo
isso”, diz Rodríguez, “é que se baseia em uma deficiência de produto. O Twitter
funciona com a hipérbole e promove apelações às emoções, sejam boas e ruins,
mas geralmente ruins. Há muitas pessoas que se veem impelidas a se definir
fazendo parte de linchamentos de este tipo”. Diante das contínuas queixas e
episódios de assédio que muitos usuários sofrem, empresas como o Twitter e o
Facebook estão começando a apresentar mudanças que podem reverter esse ambiente
tóxico e fazer com que os usuários pensem duas vezes antes de se lançar ao
escárnio coletivo e a compartilhar notícias falsas. Como indica Rodríguez,
“perceberam que suas dinâmicas funcionavam muito bem para o que queriam:
agregar muita gente e ter muitas interações, mas isso estava gerando uma
externalidade negativa à sociedade”.
Fonte:El País
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