Autorretrato de Marie Louise Élisabeth Vigée-Le Brun com Sua Filha’, 1786, no Museu do Louvre, em Paris |
Os sorrisos nem sempre foram
tão apreciados ao longo da história.
Apesar de relacionarmos os sorrisos com a naturalidade e
a simpatia, a história da arte nem sempre compartilhou essa visão. Basta se
perder entre as salas de algum museu para observar que, em meio à multidão de
personagens retratados, os sorrisos escancarados brilham por sua ausência. Não
importa a data, o estilo ou a procedência, a maioria dos retratados adota um semblante
sereno e sóbrio, quase distante. Por que motivos quase não encontramos sorrisos
nos museus?
Algumas teorias
Vários críticos analisaram essa situação e encontraram
explicações para todos os gostos. Por exemplo, é preciso levar em conta que
posar para um retrato a óleo leva horas ou mesmo dias completos, em várias
sessões exaustivas. Manter um sorriso, portanto, é praticamente impossível,
porque é muito difícil fingir a espontaneidade que geralmente acompanha essa
expressão. Pois, como aponta o artista e escritor Nicholas Jeeves em um artigo
sobre o assunto, um sorriso se parece bastante com um rubor, na medida em que é
uma reação impossível de manter no tempo.
Por outro lado, a consideração cultural acerca dos
sorrisos foi variando ao longo da história. No século XVII, por exemplo, os
aristocratas, históricos mecenas da arte, associavam os sorrisos amplos, desses
que mostram os dentes, às classes sociais mais baixas, aos bufões, aos atores e
aos bêbados, como os que Velázquez imortaliza em seu O triunfo de Baco. Os
retratos que mostravam amplos sorrisos não correspondiam, portanto, à
solenidade perseguida pela maioria das personalidades que podiam bancar uma
obra desse tipo.
O interesse dos artistas do barroco holandês por
imortalizar o cotidiano também os levou frequentemente a escolher como
protagonistas personagens das esferas mais baixas da sociedade. Nessas obras o
riso parece ser quase um fator comum, como se pode observar, por exemplo, em O
filho pródigo, de Gerrit van Honthorst. Embora neste caso não se ativesse
apenas às classes baixas: o próprio Rembrandt recorreu ao riso em alguns de
seus autorretratos, que podem ser considerados antecessores de nossas selfies.
Alguns historiadores, como Colin Jones, encontram a
explicação para esse rechaço na falta de uma higiene bucal eficiente até o
século XVIII, razão pela qual mostrar a dentição era considerado pouco
decoroso. Com os avanços nesse âmbito, expor os dentes passou a ser uma nova
ferramenta para expressar a sensibilidade. Assim, para Jones, o Autorretrato de
Marie Louise Élisabeth Vigée-Lebrun com sua filha, de 1786, é extremamente
revolucionário: porque é um dos primeiros que deixam escapar um (ligeiríssimo)
sorriso.
Ao longo da história é possível encontrar algumas
exceções, embora com sorrisos sutis e ambíguos. Antonello di Messina, pintor do
Renascimento italiano, passou à posteridade por imortalizar muitos de seus
retratados com um meio sorriso, supostamente como reflexo de seus sentimentos e
de sua vida interior. Sem ir mais longe, seu Retrato de marinheiro desconhecido
foi considerado durante muito tempo como o sorriso mais enigmático da arte, até
ser desbancado por La Gioconda.
Efetivamente, Mona Lisa (ou La Gioconda), que Leonardo da
Vinci pintou no começo do século XVI, começou a atrair cada vez mais atenções
durante o século XIX, até que acabou virando o sorriso (embora também discreto)
mais chamativo da arte. Por que a protagonista do retrato aparece sorrindo? A
resposta é um enigma, como quase tudo que cerca essa obra. Inclusive com o
passar dos anos continuaram surgindo novas teorias ao seu redor. Em 2018, um
cientista chegou a dizer que uma doença na tireoide obrigava a retratada a
manter aquela expressão, embora muitos outros estudiosos não estivessem de
acordo.
No século XX, os sorrisos foram se tornando um pouco mais
comuns na arte. As melhoras na fotografia e a aparição do cinema fomentaram seu
uso como uma forma de revelar as emoções internas dos retratados, o que levou
alguns artistas a se lançarem a explorar seu potencial expressivo. O
expressionista abstrato Willem de Kooning, por exemplo, recorreu ao sorriso
para representar sua Woman I, a primeira de sua série de mulheres em que
rechaça a figura tradicional feminina da Vênus e imortaliza um aspecto quase
demoníaco, muito influenciado pelas deusas paleolíticas. O sorriso lhe serve
para potencializar sua ferocidade.
Talvez o exemplo mais destacado de artista com um uso
constante do sorriso ao longo de sua produção seja Yue Minjun, integrante do
chamado Realismo Cínico chinês, que constantemente se autorretrata com sorrisos
especialmente exagerados, quase maníacos. Influenciada pela história da arte
oriental em sua representação de Buda e pela publicidade, o que sua risada
oculta é, na verdade, uma profunda crítica política e social do país onde vive.
A seriedade nas primeiras fotos
A introdução da fotografia também representou um salto
gigantesco na reprodução dos sorrisos —embora isto não tenha ocorrido desde o
começo, já que as fotografias antigas transmitem uma enorme solenidade e
seriedade. Alguns quiseram encontrar a explicação nas limitações tecnológicas,
que exigiam tempos de exposição elevados para conseguir plasmar as fotos
instantâneas. Mas, na verdade, mesmo quando as câmeras melhoraram, reduzindo
esses tempos, a ausência se manteve.
O verdadeiro motivo tem mais a ver com o fato de as
primeiras fotografias beberem diretamente da tradição do retrato pictórico, por
isso suas referências eram mais sérias. Além disso, quem podia se permitir
posar para um fotógrafo, mais do que querer guardar um momento concreto,
procurava imortalizar sua própria imagem, uma imagem solene e atemporal que
nada tem a ver com a fugacidade do riso. Passar à posteridade com um semblante
ridículo ou zombeteiro era um medo comum.
Existem exceções, como nos retratos pictóricos. Por
exemplo esta fotografia intitulada Eating Rice, China, que pertence à expedição
do historiador Berthold Laufer ao país oriental, em que o protagonista sorri
escancaradamente. Tirada em 1904, o que certamente faz a diferença com relação
a outras imagens contemporâneas é seu objetivo: Laufer, como historiador e
antropólogo em expedição ao exterior, certamente queria capturar a essência e
as diferenças culturais do país onde se encontrava. Inclusive as próprias
diferenças podem ser o verdadeiro motivo pelo qual o retratado não faz reparo
algum em mostrar o maior de seus sorrisos.
Com a progressiva democratização da fotografia e o
crescimento da publicidade, começaram a se multiplicar imagens de pessoas
sorridentes na comunicação de massa: os sorrisos, como amostra de felicidade,
se tornaram um gancho publicitário.
Nos últimos anos, as redes sociais parecem ter levado
esta associação ainda mais longe. Hoje em dia compartilhamos nossas fotos sem
descanso e sorrimos a não mais poder, já que transformamos o sorriso em uma
nova maneira de socializar e de exibir nossa felicidade e autoconfiança.
Embora, conforme já pareciam saber nossos antepassados, a felicidade nem sempre
vem acompanhada de um sorriso.
Clara González, historiadora de artes
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