domingo, 7 de junho de 2020

Salvar a cultura popular

Gazeta da Torre

Na imagem (Foto:Silvio Botelho) a peça 'Haru - A primavera do aprendiz', foi apresentada em março/2020 no Recife. O espetáculo mescla teatro e ilusionismo. Ele se passa em uma barraca de feira, em um lugar que mistura realidade e ficção.

A pandemia do novo coronavírus atingiu em cheio a indústria cultural brasileira, que, em grande parte, depende de plateias e aglomerações em espaços fechados, e que já arrastava uma crise por cortes orçamentários e falta de políticas públicas.

Leandro Valiati, especialista em economia da cultura da UFRGS e da Queen Mary University de Londres, acredita que as atividades culturais são precisamente as que vão liderar a retomada econômica pós-pandemia. Segundo ele, o aumento da tendência do streaming, por exemplo, abre portas para o consumo de mais produções brasileiras em todo o mundo, eliminando os custos do entorno físico. O especialista alerta, no entanto, que isso também representa um risco para a cultura popular. “Se não garantirmos sua sobrevivência, quando tudo está migrando para o digital, vamos perder parte de nossa riqueza cultural. A política pública tem que dar conta dessa exclusão digital. Todo o fluxo do turismo que ajudava a sustentar parte da cultura popular foi parado. Por isso, são necessárias políticas para garantir um equilíbrio no mercado. Pensar, por exemplo, em como taxar as plataformas de streaming para financiar a cultura popular”, propõe.

Perguntado sobre a tendência de lives —shows online que cantores e bandas têm feito em parceria com diversas marcas durante a quarentena—, Valiati diz que ainda faltam formas de monetização desse modelo e que a lógica de patrocínio só funciona para artistas já consolidados, com grande número de seguidores nas redes sociais.

Funcionaria para as artes cênicas ou outras atividades? Lelo Filho, ator e produtor teatral, duvida. “Acho lindo quando dizem que o artista tem que se reinventar, mas, primeiro, o artista tem que fazer conta para sobreviver. O povo acha que artista vive de luz. E produzir em casa vai ser tudo, menos teatro. Fora que a gente concorre com live de Ivete, super produzida, com luz super boa, e com a Netflix, né. O diferencial do teatro é justamente a emoção ao vivo, é você gargalhar de doer a bochecha ou sair arrepiado por um drama”, lamenta.

Enquanto a solução não chega, mais coletivos se organizam para sobreviver, em todos os sentidos, ao novo coronavírus. A pianista e compositora Júlia Tygel criou A Nossa Música, projeto em que as podem encomendar uma música instrumental ou canção, a partir de um mote, que será composta e depois executada através de um vídeo de aproximadamente um minuto, por artistas que fazem parte de um coletivo formado para a iniciativa. Já o diretor de fotografia Azul Serra, ao saber que amigos do audiovisual passam por dificuldades, criou a ONG Plano Sequência, onde é possível comprar imagens autorais a partir de 250 reais. Como diz Leandro Valiati, "a ciência e a cultura são o que vão salvar a gente”.

Artigo de Joana Oliveira, jornalista multimídia com experiência em política e economia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário