Breiller Pires
Neymar e seu pai, em audiência na Espanha. GETTY IMAGENS |
Há pouco mais de um ano, questionei Seu Neymar, ou Neymar
pai, como ganhou fama, se os malabarismos contábeis – que ele justifica como
“planejamento tributário” – não seriam um meio egoísta de turbinar o
faturamento de um jogador milionário. Ele tergiversou, rebatendo que, na
verdade, mereceria um prêmio de marketing pela gestão da carreira do filho.
Naquela época, Neymar pai ameaçava levar o jogador da Espanha caso não tivessem
“uma situação confortável para trabalhar” no país, referindo-se às denúncias de
sonegação de impostos por meio dos direitos de imagem acordados com o
Barcelona. Não é exatamente este o motivo pelo qual Neymar decidiu trocar o
clube catalão pelo PSG, mas ajuda a entender porque não se deve confundir a
ganância do pai com a ambição esportiva do filho.
Neymar pai comumente se refere a Neymar como “meu
cliente”, desde os tempos em que o atacante ainda era uma promessa na base do
Santos. Em pouco tempo como atleta profissional, Neymar se transformou em tudo
aquilo que o pai, um ex-jogador de inexpressivo destaque, desejava ter sido e
não conseguiu. No futebol, há diversas histórias de filhos frustrados por
jamais alçarem os feitos do pai, mas o enredo do pai que usa os louros do filho
como escada em busca de notoriedade é singular. A postura vista como tacanha
por cartolas não menos astutos e a obsessão por reconhecimento de Neymar pai
respingam de forma negativa na verdadeira estrela da família, que, mesmo com
todo seu talento e os títulos conquistados na Catalunha, deixará o Barcelona
sob a pecha de mercenário devido à condução indiscreta da negociação pelo pai.
Não há dúvida de que o patriarca da família seguirá
julgando-se merecedor de um prêmio por ter protagonizado a maior transação da
história do futebol, em que o PSG desembolsará 222 milhões de euros (820
milhões de reais) pela multa rescisória com o Barça e garantirá a Neymar pai
uma comissão em torno dos 40 milhões de euros (146 milhões de reais). Nem que
seja necessário um embate nos tribunais, já que o Barcelona depositou em juízo
o bônus de 26 milhões de euros (96 milhões de reais) pela última renovação de
contrato, também deve levar outra bolada por seu drible derradeiro nos
dirigentes blaugranas. Para Neymar pai, uma tacada de mestre. Para o filho, uma
saída aviltante pela porta dos fundos de um dos maiores clubes do mundo.
O caminhão de dinheiro oferecido pelo Paris Saint-Germain
tem peso significativo na transferência. Embora influenciado pelo pai, Neymar
está longe de ser o astro idealista que renega as benesses do capitalismo. Mas,
para um jogador minimamente lúcido de seu potencial, há outros fatores que
interferem na decisão de prescindir da companhia de Lionel Messi, Suárez,
Iniesta e Busquets. Neymar alimenta o desejo legítimo de se tornar o melhor
jogador do mundo. Ainda que seja difícil realizá-lo em um clube fora do
circuito dos gigantes espanhóis, seria praticamente impossível no mesmo time de
Messi. Achar que teria chances ao continuar dividindo gols e assistências com o
argentino multiconsagrado é uma falácia semelhante à de que poderia figurar
entre os três melhores do mundo atuando no Brasil.
Por outro lado, enxergar mero individualismo na decisão
de trocar o Barcelona pelo PSG é cair na armadilha de projetar no futebol
nossas expectativas por um mundo melhor. Trata-se de um jogo coletivo calcado
em disputas individuais, no “um contra um”, na sede de superação. Um esporte
que domina o imaginário popular com duelos personificados que marcam gerações,
a exemplo de Puskas x Di Stéfano, Pelé x Maradona, Zico x Platini, Romário x
Ronaldo, Cristiano Ronaldo x Messi. Se até mesmo jogadores medianos como Lucas,
que um dia saiu como a contratação mais valiosa do futebol brasileiro e hoje
orbita em segundo plano em Paris, sonham atingir o topo, qual pecado comete
Neymar, com reais possibilidades para tal, ao sair da sombra de Messi para
construir seu próprio reinado?
Diversas críticas podem ser feitas ao brasileiro. Menos a
de que seu individualismo tenha se sobreposto ao jogo coletivo do Barça ao
longo dessas quatro temporadas. Neymar derrubou prognósticos ao estabelecer uma
afinidade que poucos conseguiram com Messi, que, no dia a dia, não é uma
personalidade tão fácil de lidar quanto se presume. Que o diga Ibrahimovic,
Eto’o e Villa. Todos sucumbiram à influência do argentino e ao embate de egos
no vestiário. Mesmo ao assumir a batuta do time em períodos de baixa do camisa
10, Neymar evitou ocupar a cadeira de protagonista. E ainda amadureceu em
vários quesitos, sobretudo com uma conduta mais madura em campo. Messi, por sua
vez, tão cedo não larga o osso. Seguirá no Barça por mais alguns anos e
ampliará suas marcas na disputa particular com Cristiano Ronaldo.
Obviamente irritados com a falta de transparência nas
negociações capitaneadas por Neymar pai, dirigentes e muitos torcedores do
Barcelona não entendem como um jogador pode trocar o clube que sempre sonhou
defender pela aventura com o PSG em uma liga bem menos valorizada que a
espanhola. Mas há de se fazer uma ressalva. Atualmente, nem tudo são flores no
Barça. O clube tem cometido erros frequentes de avaliação em contratações e
prioridades, vide a mal digerida dispensa de Daniel Alves, que provou seu valor
na Juventus e se tornou um dos trunfos do PSG para atrair Neymar. Deslizes que
comprometem não só a capacidade de contratar, mas também a de reter seus
principais valores. Apesar da camisa, da marca mundial e da tradição, o
Barcelona atual, que parece cada dia mais inábil para competir com mecenas que
despejam fortunas no mercado da bola, já não é visto como o paraíso dos
craques. Daniel Alves, jogador mais vencedor em atividade, virou mercadoria descartável.
Quem garante que outros não serão tratados da mesma forma?
No Paris Saint-Germain, Neymar encontrará um ambiente
acolhedor, repleto de brasileiros. Um time e uma torcida carentes de um ídolo
desde a saída de Ibrahimovic. Será tão protagonista quanto na seleção de Tite,
o que não significa que resolverá tudo sozinho. Impossível relativizar a
qualidade dos novos companheiros, como Di María, Cavani, Verratti, Daniel
Alves, Thiago Silva e Marquinhos. Caso fracasse na missão de levar o PSG ao tão
perseguido título da Champions League ou de se tornar o melhor do mundo, o
atacante, hoje com 25 anos, ainda terá lenha para queimar em outra potência do
futebol europeu.
É fácil nutrir antipatia por Neymar pelas atitudes
infantis, como o desentendimento com Semedo durante a passagem pelos Estados
Unidos, a frivolidade da trupe que o cerca e a exposição desmedida nas redes
sociais. Muitos desses comportamentos estão associados à criação de popstar que
sempre o educou como um produto, não como o garoto que sacrificou boa parte da
juventude em concentrações e compromissos publicitários. No entanto, a gestão
presunçosa de sua carreira ao sabor da vaidade e do insaciável afã do pai pelo
maior lucro possível não deve obscurecer neste momento um cenário esportivo promissor
em Paris. Pelo clube francês, Neymar pode não só aumentar sua coleção de
títulos, mas, enfim, se apresentar definitivamente à briga pela Bola de Ouro.
Ele tem méritos suficientes, conquistados com o próprio suor, para pleitear o
tipo de reconhecimento que bem entender.
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