O Dia Mundial da Igualdade Feminina, 26 de agosto, foi
criado não apenas para celebrarmos a igualdade, mas para refletirmos e lutarmos
contra a desigualdade de gênero.
DESAFIO
GLOBAL
Como
alcançar a igualdade de gênero?
Ao redor do mundo, o número de homens excede em 62
milhões o de mulheres, já que nascem mais bebês do sexo masculino do que do
feminino, segundo as Nações Unidas.
Mas quando se trata de inserção no mercado de trabalho,
há pelo menos 3,3 bilhões de mulheres à sombra dos homens. Seus direitos
continuam sendo suprimidos ou negligenciados em diversas regiões do globo.
Não há dúvida de que houve progresso nas últimas décadas,
em parte pela luta incansável das ativistas. Leis específicas foram criadas
para proteger as mulheres. Elas ganharam maior acesso à educação. E o índice de
mortalidade ao dar à luz caiu.
No entanto, alguns dos problemas que têm perseguido as
mulheres por séculos permanecem.
Como atingir a igualdade de gêneros? Em quais áreas?
No Dia Internacional das Mulheres, a BBC enumerou junto a
especialistas uma lista de alguns dos direitos das mulheres que estão sob risco
– e as estatísticas surpreendentes por trás deles.
POLÍTICA
O mundo da política continua sendo predominantemente
masculino.
Em 2015, a União Interparlamentar (UIP), ligada à ONU,
revelou que apenas 17% de todos os ministérios em todo o mundo são chefiados
por mulheres. E elas são apenas 22% de todos os parlamentares.
O cenário também é desalentador quando se analisam as
posições de liderança: 11 mulheres atuam como chefes de Estado e 13 como chefes
de Governo, segundo um último levantamento da ONU Mulheres, em agosto do ano
passado.
"Nesse estágio do desenvolvimento humano, não há
justificativa para tamanha desigualdade. Infelizmente, contudo, a vontade
política para mudar isso é inexistente na maior parte dos casos", afirmou
Anders B. Johnsson, especialista em direito internacional e ex-secretário-geral
da UIP.
De certa forma, os dados melhoraram. Os números mais que
dobraram ao longo da última década, especialmente em países que implementaram
cotas para aumentar a participação política das mulheres: em 2015, 41
Parlamentos unicamerais ou câmeras de deputados são compostas por mais de 30%
de mulheres - entre elas 11 na África e nove na América Latina.
Até mesmo o mais básico dos direitos políticos para as
mulheres, o voto, ainda enfrenta empecilhos: na Arábia Saudita, por exemplo, as
mulheres votaram pela primeira vez na história apenas nas eleições municipais
de dezembro passado.
O
DESAFIO DO MERCADO DE TRABALHO
Outro debate acalorado está relacionado ao mercado de
trabalho: o quanto as mulheres conseguem entrar e como são pagas uma vez que
conquistam as vagas.
O relatório mais recente lançado pela ONU sobre o
assunto, "The World's Women 2015" ("O Mundo das Mulheres 2015,
em tradução literal), aponta que, como grupo, as mulheres trabalham tanto
quanto os homens, senão mais.
"Quando se leva em conta o trabalho pago e não pago,
como as tarefas domésticas e o cuidado com as crianças, as mulheres trabalham
mais horas que os homens - uma média de 30 minutos a mais por dia em países
desenvolvidos e 50 minutos naqueles em desenvolvimento", apesar que as
horas gastas em trabalhos domésticos diminuiu com o passar do tempo.
Isso não se reflete no salário que recebem - pelo
contrário, se olharmos a diferença entre os valores.
É fato conhecido que, em média, as mulheres recebem menos
que os homens pelos mesmos trabalhos. E equilibrar isso teria um impacto de U$
28 trilhões (R$ 105 trilhões) no PIB global até 2025.
Esse cálculo foi feito pela consultoria McKinsey Global
Institute, liderada pelo cientista político Jonathan Woetzel.
"A desigualdade de gêneros não é somente uma pressão
moral e social, mas também um desafio econômico crítico. Se as mulheres não
alcançarem todo o potencial econômico delas, a economia global vai
sofrer", disse ele.
Especialistas apontam que tão preocupante quanto a
diferença salarial é o desequilíbrio na participação na força de trabalho, que
permanece grande especialmente no norte da África, no oeste e sul da Ásia.
Dados da Organização Internacional do Trabalho mostram que somente 47% das
mulheres em idade ativa estão no mercado, contra 72% dos homens.
Um estudo recente feito pelo Banco Mundial em 173 países
mostra que em 155 deles há pelo menos uma diferença legal que restringe as
oportunidades econômicas às mulheres.
Como resultado, elas são mais suscetíveis ao mercado
informal de trabalho do que os homens. De acordo com a agência da ONU para
Mulheres, em 2015, mais de 80% das mulheres em trabalhos não-agrícolas no sul
da Ásia estavam na informalidade; na África Subsaariana, são 74% e na América
Latina e no Caribe, 54%.
SOZINHA
E SEGURA
Em alguns países, os níveis de violência de gênero devem
ser tratados com urgência - e não somente nos mais pobres ou naqueles com
conflitos.
O "índice de insegurança", criado por pesquisadores
americanos para posicionar países de acordo com o nível de segurança percebido
para as mulheres, revela que a ameaça ao bem-estar físico e psicológico em
nível global é de 3.04 (em um ranking em que quatro é o pior e zero, o melhor
nível de segurança).
"O mundo todo flutua ao redor do nível 3, então o
cenário geral não é bom. Vemos a insegurança física das mulheres como um dos
dilemas de segurança global", afirma Valerie Hudson, autora de Sex and
World Peace (Sexo e Paz Mundial, em tradução livre).
Hudson lidera o time que está por trás do "índice de
insegurança" e é membro fundadora do WomanStats Project, a base de dados
mais ampla sobre direitos da mulher.
"A forma da violência pode mudar de país para país.
Taxas de homicídio na América Latina são excepcionalmente altas. A violência
doméstica é absolutamente penetrante na África Subsaariana, enquanto Índia,
China, Vietnã e outros têm riscos muito altos de seleção de gênero por
aborto", disse Hudson.
'SIM'
CONSENTIDO (CASAMENTO)
Casamento prematuro e gravidez na adolescência |
Observadores também pressionam para uma mudança na
legislação que vai diminuir o número de casamentos de menores de idade ao redor
do mundo.
"Se me perguntassem que mudanças específicas eu
faria para melhorar a situação da mulher, eu diria (banir) casamentos infantis.
Meninas com oito anos se casam. Essa prática condena não só as meninas, mas
também seus filhos a um vida de pobreza, desnutrição e níveis mais baixos de
educação", diz Hudson.
A Unicef estima que mais de 700 milhões de mulheres que
estão vivas hoje se casaram antes de fazer 18 anos e, dessas, 250 milhões o
fizeram aos 15 anos.
A ONU chamou casamentos de menores – às vezes arranjados
pelas famílias, frequentemente sem consentimento – de "violação
fundamental dos direitos humanos" que expõe meninas ao "risco de violência
doméstica e isolação social".
Apesar de os números terem declinado fortemente desde os
anos 1970, ainda quase a metade das mulheres de 20 a 24 anos no sul da Ásia e
20% na África Subsaariana se casaram antes dos 18 anos, de acordo com o
documento "The World's Women 2015".
As descobertas sugerem que o casamento adolescente, com
permissão dos pais facilmente concedida quando necessária, é ainda uma prática
generalizada.
O mesmo pode ser dito da poligamia, uma prática social
que muitos acreditam atrasar o desenvolvimento da mulher.
De acordo com a última pesquisa da ONU, a poligamia ainda
era predominante em 2009: legal ou geralmente aceita em 33 países (25 deles na
África); aceita em parte pela população ou legal para algum grupo em 31 países,
18 dos quais na África e 21 na Ásia.
NOS
OLHOS DA LEI
Mulher da Mauritânia |
Há outras restrições legais sendo combatidas: do
impedimento a que mulheres dirijam, na Arábia Saudita, a restrições ao livre
movimento a mulheres que não estejam acompanhadas de seu marido ou pai.
O problema oculto, dizem especialistas, é o acesso
desigual às leis familiares, que dão tratamentos diferentes para mulheres e
homens não apenas em relação ao casamento, mas em vários aspectos da vida
cotidiana.
A transmissão de bens de geração a geração é também uma
das áreas em que as mulheres têm menos direitos.
A Mauritânia é o país em que leis de herança parecem ser
mais desiguais, de acordo com análises do Banco Mundial. Mas outros países,
como Lesoto, também impedem as mulheres de ter posse de bens - elas são obrigadas
a assinar a propriedade em conjunto com homens.
O fato de elas não serem consideradas beneficiárias ou
proprietárias de terra no mesmo patamar que os homens, dizem especialistas,
tira das mulheres a possibilidade de independência financeira.
DIFERENÇA
DE GÊNERO
Então, quão ruim é o quadro geral? Uma das formas de
medir o estado atual das coisas, dizem especialistas, é o índice de disparidade
entre sexos que o Fórum Econômico Mundial vem atualizando pelos últimos dez
anos.
Apesar de essa medida não contemplar todos os aspectos da
desigualdade de gênero, tem sido usada como uma forma de chamar atenção ao
problema.
O Banco Mundial calculou o quanto a disparidade diminuiu
desde 2006 (quando começou a coletar informações), e a resposta é: não muito.
Mesmo nas regiões que apresentam melhora nos índices,
como a América do Norte e a Europa, a distância diminuiu apenas alguns pontos
percentuais.
Olhando por países, o top 5 é dominado por nações
nórdicas, com a Islândia em primeiro lugar, seguida por Finlândia, Noruega,
Suécia e Dinamarca.
No lado oposto do ranking estão Mali, Síria, Paquistão e
Iêmen, países com as maiores porcentagens de desigualdade entre homens e
mulheres.
Além disso, seis países viram a disparidade entre sexos
aumentar desde 2006, indo contra a tendência geral: Sri Lanka, Mali, Croácia,
Macedônia e Tunísia.
"É uma via de mão dupla: o que acontece com as
mulheres afeta a nação como um todo. E há muito o que fazer para ajudar as
mulheres e tornar os países um lugar melhor para viver", diz Valerie
Hudson.
Valeria Perasso
Repórter especial do
Serviço Mundial da BBC
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