Gazeta da Torre
Com um cenário lamentável desse, como olhar para essas
crianças e desejar-lhes feliz Natal?
Tivesse José de Nazaré sido usado como exemplo para os
demais homens, e não teríamos os números assustadores divulgados pelo
ministério da Justiça recentemente: só o Brasil registra quatro feminicídios,
sete homicídios, 196 meninas e mulheres vítimas de estupro a cada dia, mesmo
sendo a população feminina superior à dos homens.
Os resultados do último Censo Demográfico, o de 2022,
apontam que o Brasil tem 6,0 milhões de mulheres a mais do que homens. A
população brasileira é composta por cerca de 104,5 milhões de mulheres e 98,5
milhões de homens, o que, respectivamente, corresponde a 51,5% e 48,5% da
população residente no país. E o número de homens em relação ao de mulheres vem
decrescendo ao longo do tempo. Para cada grupo de 100 mulheres, por exemplo, havia
98,7 homens em 1980; 96,0 em 2010; e 94,2 em 2022. Imaginem se elas resolvessem
revidar...
Mas as mulheres não são dessas. Não há tempo para a
violência, quando nos últimos anos, segundo uma pesquisa da Fundação Getúlio
Vargas, feita pela estudiosa do tema, Janaína Feijó, publicada em agosto deste
ano que finda, o Brasil tem tido mais mulheres do que homens como chefes de
família. O resultado tomou por base estudos do IBGE onde consta que hoje são
mais de 41 milhões de domicílios que têm mulheres como principais provedoras,
número que reflete não apenas autonomia, mas também uma série de desafios.
E agora, a mudança que mais incomoda aos homens: a
educação feminina, que aumentou o poder de barganha das mulheres, mudanças
econômicas e programas sociais que as colocam como ponto focal. Sim, elas estão
muito mais independentes do que Maria, que dependeu da bondade e da compreensão
de José, seu bom marido, naquele tempo o provedor.
José permitiu que Jesus nascesse numa manjedoura, sem o
conforto de hospitais e planos de saúde. Plano, mesmo, só o de que morreria no
auge da juventude, depois de preso e torturado, de acordo com os desígnios do
pai.
Maria sobreviveu ao filho, ao contrário do quadro
lamentável que se vê hoje no país, onde o feminicídio virou “epidemia”. Assim,
nesse Natal, no Brasil, de acordo com levantamento do Laboratório de Estudos de
Feminicídios (Lesfem), da Universidade Estadual de Londrina, só no primeiro
semestre deste ano que finda, 683 crianças ficaram órfãs de mãe pelas mãos dos
pais ou padrastos, numa média de quatro por dia. O órgão contabiliza 950
vítimas de feminicídio no país entre janeiro e junho.
Com um cenário lamentável desse, como olhar para essas
crianças e desejar-lhes feliz Natal? Felicidade, para elas, certamente, seria
ter a mãe participando da ceia ou do almoço do dia 25. Mataram suas mães. E os
pais, os que estão presos ou soltos, para elas foram ressignificados. O que
dizer a essas crianças?
Por Denise Assis, Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES

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